Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Debate sobre reforma administrativa é ruim e não resolve gastos de Lula 3

Trabalho e carreira de servidores precisam de revisão, mas plano de Lira é conversa mole

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O comando da Câmara dos Deputados inventou a conversa de que se deve aprovar uma reforma administrativa a fim de diminuir a despesa ou o déficit do governo federal. A necessidade seria ainda mais urgente porque Lula 3 quer um grande aumento de impostos, bastante para equilibrar as contas em 2024 (receita igual a despesas, afora gasto com juros).

Nesses termos, se trata de conversa mole. Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara e sultão do semipresidencialismo de avacalhação, quer dar um calor no governo, fazer média com "liberais" e planeja alguma barganha política, ainda não muito clara.

Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acompanhado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dentre outras autoridades, participa de cerimônia de sanção do projeto de lei que estabelece o novo valor do salário mínimo
Presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), acompanhado do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, dentre outras autoridades, participa de cerimônia de sanção do projeto de lei que estabelece o novo valor do salário mínimo - Pedro Ladeira/Folhapress

Mesmo que se faça alguma mudança séria e extensa no serviço público, não é certo que daí venha ou deva vir redução significativa de despesa, embora possa haver ganhos de eficiência e da qualidade do trabalho.

Mesmo que houvesse perspectiva de redução de gastos, o ganho no Orçamento levaria tempo para aparecer. Há direitos adquiridos, diz a Justiça. O próprio Lira diz que eventuais mudanças afetariam apenas quem entrasse no serviço público depois da reforma.

Sob Lula 2, o gasto federal com servidores (ativos, inativos, pensionistas; civis e militares) foi o equivalente a 4,4% do PIB, em média. Sob Dilma 1, 3,98%. No final do governo das trevas, em 2022, de 3,39%. Nos 12 meses somados até julho deste 2023, de 3,36% do PIB.

Isto é, de Lula 1 até agora, a despesa com servidores federais baixou quase um quarto (isso em termos relativos, em relação ao tamanho da economia, do PIB).

A depender do gosto do freguês, "reforma administrativa" é o nome que se dá a mudanças na organização das carreiras, no sistema de contratação, avaliação, promoção e demissão, na revisão de métodos de trabalho, nos salários, na automatização do serviço, na reorganização de prioridades etc.

Nas últimas décadas (pelo menos 30 anos), não houve revisão metódica e ampla do serviço público federal. A reforma parece razoável, pois. Mas na discussão do assunto há, ao mesmo tempo, demagogia, conversas liberaloides, execração do funcionalismo e corporativismo. A mudança, porém, é tecnicamente difícil de fazer, não apenas por causa das dificuldades jurídicas que causam tanta inércia.

Emendas constitucionais e projetos de lei que tratam do tema são incongruentes, ideologicamente enviesados além da conta e, no conjunto, não parecem desenhar um programa com sentido, bem pensado, de revisão da ideia e objetivo do serviço público.

No mais, nossos problemas fiscais (receita e gasto do governo) continuam na mesma, no grosso. A revisão de programas, isenções de impostos e outros subsídios, quando ocorre, não tem efeito prático.

O teto móvel de gastos de Lula 3, o "arcabouço fiscal" não vai dar conta de conter o aumento da dívida, mesmo que dê certo. Não vai demorar muito (2027?), vai ter o destino do teto de Michel Temer, afora um grande milagre de crescimento econômico.

A despesa com Previdência voltará a aumentar (como proporção do PIB). O gasto com saúde e educação é vinculado ao aumento da receita: crescerá mais que o total da despesa federal. As demais despesas serão, pois, amassadas.

O "ajuste" teria de vir na contenção do que resta de investimento federal em "obras" e equipamentos, de resto picotado de modo ineficiente por emendas parlamentares.

O ajuste poderia vir também no arrocho do Bolsa Família (que já não terá reajuste em 2024) e também na massa de salários dos servidores (também sem previsão de reajuste no ano que vem). Para não falar de outras mágicas e milagres que tornam a máquina e o gasto públicos cada vez menos administráveis.

Talvez a gente nunca se dê conta do problema. Até que a coisa estoure de novo. Ou venha milagre.

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