Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Descrição de chapéu inflação juros Selic

Brasil vive guerra civil por outros meios, com impostos e gastos

País passa por fase acirrada e particularmente burra de conflito distributivo

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O Brasil passa por uma daquelas fases acirradas de disputa por dinheiros públicos. Está pior também porque o Orçamento está quase esgotado e há limite, econômico e/ou político, para o aumento da carga de impostos.

Sem solução, esse conflito já terminou em inflações medonhas. Mas pode se arrastar a perder de vista, como em tantas outras questões, o que temos visto nas últimas quatro décadas de quase estagnação. Um "casamento com a mediocridade", como escreveu o economista Samuel Pessoa, em sua coluna de sábado nesta Folha. Não que o país fosse melhor antes. Preparava o impasse socialmente bárbaro em que está metido.

Imagem mostra deputados reunidos em plenário da Câmara
Votação do texto da Reforma Tributária na Câmara - Gabriela Biló - 6.jul.23/Folhapress

O conflito aparece como delírio, desinformação, propaganda, sectarismo e desfaçatez de classe, o que costuma passar por debate público. O grau de descaramento ora parece exorbitante.

A Reforma Tributária e o "déficit zero" são os ringues da vez.

Empresários costumam se juntar nesses seminários de associações de classe ou similares, quando não raro chamam autoridades para ressaltar o evento de propaganda. Falam de "reformas", do "manicômio tributário", "alternativas para o Brasil", essas papagaiadas.

Na Reforma Tributária, boa dessa gente e profissionais liberais ricos fazem lobby para cavar favores, dinheiros. É um caso maior do comportamento habitual de enfiar jabutis em leis, de obter graças da Justiça, de governador, de prefeito. Tais favores arrombam a situação fiscal e pioram o "manicômio tributário". Acontece também em outras reformas e em privatizações. O descaramento está grande.

Alguns pedem de fato um Orçamento mais racional ou eficaz. No conjunto, dinamitam fundações de um prédio que, dizem, precisa de reformas em alguns andares.

Se pudessem, empurrariam a conta toda para quem recebe benefícios da Previdência e assistência social, para a saúde, para servidores (sim, parte da elite dos servidores saqueia o Orçamento). Etc. Boa parte desse empresariado não está nem aí para a razia do bem público: achando que fariam dinheiro, apoiaram até o plano golpista de Jair Bolsonaro.

Pode-se e se deve mexer no Orçamento, mas os ganhos de eficiência teriam de voltar para a despesa. O país é pobrinho, desigual e carece de investimentos.

A esquerda acha ou finge que o problema inexiste. De acordo com a propaganda oficial, diz que o governo vai colocar o "pobre no Orçamento e o rico no imposto". Os ricos driblam o imposto, muita vez com ajuda do governo, e o Orçamento explodiu.

Quando se sugere a contenção do déficit, dizem que se quer dar esse dinheiro da redução da despesa a ricos e à finança, um delírio. Óbvio que MAIS DÉFICIT é que dá mais dinheiro a quem empresta ao governo, os mais ricos. A alternativa seria o calote e o confisco, explícito ou via inflação. Sugiram isso, então.

Há triste ignorância, como dizer que metade do Orçamento federal é gasta com juros ou com dívida. A receita do governo paga parte das despesas primárias (como há déficit, é preciso tomar dinheiro emprestado para pagar a conta toda). Mas a dívida que vence e seus juros são "pagos" com novas dívidas.

O aumento da dívida, por sua vez, eleva os pagamentos de juros (pelo passivo maior e por causa de taxas de juros maiores). A maior parte do governo, do PT, da esquerda e dos raros economistas agregados acha que isso não é problema.

O pobre não caberá nem em um Orçamento justo. Mesmo entre os 20% mais pobres, mais de 60% do rendimento familiar vem do trabalho (uns 18% de previdência e outros rendimentos). É fácil perceber que, para se dar conta da miséria, é preciso mais crescimento: mais trabalho e salário.

O Bolsa Família já é 46% do salário mínimo. O mínimo equivale a 48% do salário médio. Mas metade das pessoas ocupadas ganha menos do que uns R$ 1.800. Logo, o mínimo equivale a uns 73% do salário mediano. Mesmo um aumento enorme de imposto ou de déficit não arranharia o problema.

O país precisa, sim, de mais impostos, mas há limites também para isso. O dinheiro novo não cobrirá parte relevante do déficit total (primário mais juros). Assim a dívida e seus efeitos negativos sobre o crescimento continuarão a aumentar.

É um impasse grave que aparece na conversa como esse monte de ideologia, ignorância e propaganda.

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