Vinicius Torres Freire

Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).

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Lula bate em Campos Neto por motivos certos e errados e assim não ganha a batalha dos juros

Presidente também coloca seu preferido para o BC entre a cruz e a caldeirinha

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Luiz Inácio Lula da Silva bate em Roberto Campos Neto sem trégua. Combinou com seus líderes no Congresso e com o PT um ataque coordenado contra o presidente do Banco Central, como adiantou Mônica Bergamo nesta Folha. A presidente do PT, Gleisi Hoffman, diz que o partido vai à Justiça contra Campos Neto.

Lula tem razão de bater na militância política descarada de Campos Neto. Erra ao bater na política de juros do Banco Central, o que faz desde quando presidente eleito. Tenha ou não razão quanto à Selic, quase tanto faz. É contraproducente.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva durante cerimônia no Planalto - Pedro Ladeira - 17.jun.2024/Folhapress

Para piorar, Lula vai assim acorrentar Gabriel Galípolo entre a cruz e a caldeirinha. Não vale a pena o custo de fazer de Campos Neto um bode expiatório, seja para juros altos, seja para o efeito de eventuais cortes impopulares de gastos.

Galípolo é diretor do BC e, por ora, quase certo substituto de Campos Neto, em janeiro. Foi vice-ministro da Fazenda de Fernando Haddad de janeiro a junho de 2023. Tem grande simpatia de Lula, com quem fala regularmente.

Juros sobem a cada metralha luliana. Sobem desde abril também por causa dos discursos do presidente. O custo médio de financiar a dívida do governo federal AUMENTOU desde agosto de 2023, quando o BC passou a cortar a Selic. Foi para perto dos piores níveis em pelo menos 17 anos.

Quando se tenta baixar a Selic na marra ou no grito, as demais taxas sobem (e o dólar também). O preço do dinheiro para governo e empresas sobe. Etc.

Nesta quarta-feira (19), caso Galípolo vote por deixar a Selic onde está, em 10,5% ao ano, deve irritar Lula, governo e PT. Mas, assim, talvez comece a desfazer o preconceito dos donos do dinheiro grosso, credores maiores do governo.

Na praça do mercado, com razão ou não, acredita-se que uma diretoria majoritariamente nomeada por Lula toleraria inflação, baixando a Selic na marra (crença influenciada pelos discursos de Lula).

Assim, sendo "duro", Galípolo começaria a pagar o pedágio da "credibilidade" cobrado pelo povo do dinheiro, um extra além da taxa tida como necessária para conter a inflação. Tudo mais constante, juros de longo prazo tenderiam a cair, assim como o dólar e expectativas de inflação.

Há quem especule que um Galípolo linha dura não iria para o comando do BC. Parece improvável, até porque Lula deve definir tal nomeação até setembro.

Se Galípolo e diretores "lulianos" optarem por um corte de juros, mesmo que vitoriosos em uma votação dividida no BC, o caldo das condições financeiras deve continuar azedo. Assim, deve ficar muito difícil ou fora do controle a tarefa de governar o BC: expectativas de inflação, juros, dólar etc. Galípolo assumiria no tumulto. Ficaria entre ser ainda mais duro ou perder o controle.

É difícil definir com precisão onde Campos Neto habita no espectro bolsonarista, mas lá está. Em jantares políticos recentes, enfiou de vez o pé na jaca política. Pisou fundo, pois preside um BC autônomo faz pouquíssimo tempo. Politizou de vez a conversa, avacalhou a transição do modelo.

Mas dizer que Campos Neto "...trabalha muito mais para prejudicar o país do que para ajudar", como Lula, é tiro no pé e erro de avaliação. Campos não decide juros por decreto e, até para influenciar votos, tem de ter razões.

De resto, a Selic vinha em queda regular de meio ponto até maio. Supostos "campistas" e "galipistas" então concordaram que o BC deveria mudar de direção, mais ou menos cedo, porque a situação fora para o vinagre, nos EUA e quanto ao controle de déficit e dívida sob Lula 3. Ainda assim, voto dividido de maio custou caríssimo, como previsto.

Taxa de curtíssimo prazo, a Selic determina diretamente (indexa) o custo de cerca de 45% da dívida mobiliária federal. Influencia taxas de outros prazos, mas não as determina.

Se cortada na marra e/ou situações de descrédito, as taxas dos demais prazos voam (assim como o dólar, talvez a inflação). O custo do crédito para empresas sobe. O investimento produtivo é desestimulado.

O governo pode até evitar as taxas altas de longo prazo, rolando sua dívida no curtíssimo prazo. É risco maior, outro motivo para o dólar e inflação esperada subirem. É uma espiral de problemas.

É possível intervir em taxas longas (mudando a lei) e no câmbio. Em situações muito excepcionais. No mais, começaríamos a transitar para as vizinhanças do planeta Argentina.

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