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Esta coluna é uma parceria da Folha com o Centro de Política e Economia do Setor Público da Fundação Getúlio Vargas (FGV Cepesp).

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Democracia sub judice?

Não devemos negligenciar que agentes anticorrupção possuem interesses corporativos próprios

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Thiago N. Fonseca

Cientista político e pesquisador associado ao FGV-Cepesp e ao grupo de pesquisa Judiciário e Democracia da USP

Doze anos após sua aprovação, a Lei da Ficha Limpa continua contribuindo para afastar da disputa eleitoral candidatos responsabilizados por irregularidades na administração pública. Apesar de seu aparente sucesso, o papel delegado às cortes de decidir quais atores poderão concorrer é arriscado, visto que existem evidências na ciência política de que agentes anticorrupção podem atuar com viés político.

O tempo de tramitação dos processos cria oportunidades para conferir vantagens ou desvantagens a candidatos específicos, prejudicando eleições limpas.

Manifestante a favor da Lei da Ficha Limpa em protesto de 2012 - Sérgio Lima - 15.fev.12/Folhapress

A Ficha Limpa foi bem-sucedida em evitar que políticos envolvidos em atividades ímprobas pudessem se eleger novamente. Nestas eleições, 189 (3,9%) candidatos foram listados pelo TSE como inelegíveis em decorrência da lei. Entre eles, 68 (36.4%) eram candidatos a deputado federal e 110 (58.8%) a deputado estadual. Nas eleições municipais, devido à maior quantidade de candidatos, o número de inelegíveis foi 12 vezes maior, atingindo 2,3 mil em 2020. A Lei chegou até a postulantes a cargos executivos, como o ex-governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel.

O impacto da Ficha Limpa sobre as eleições pode ser ainda maior, devido à participação prévia de tribunais de contas e do sistema de justiça antes de os casos chegarem à Justiça Eleitoral. É possível que agentes públicos responsabilizados em órgãos colegiados nem tenham tentado entrar na disputa eleitoral.

O problema é que nem sempre instituições de controle atuam com imparcialidade. O assunto é delicado no momento em que candidatos, sem apresentarem evidências, querem pôr em dúvida a lisura do TSE na apuração de votos. Mas não devemos esquecer que a credibilidade das urnas eletrônicas vem do fato de que nem mesmo juízes conseguem interferir na votação e na apuração dos votos, pois os processos são rigidamente automatizados.

A Operação Lava Jato, por exemplo, ilustra bem como a temporalidade pode ser utilizada para prejudicar certos políticos e agraciar outros, ora adiantando, ora atrasando processos. Postergar casos para não "melindrar alguém cujo apoio é importante" em referência à suposta crítica do então juiz Sérgio Moro ao ex-procurador Deltan Dallagnol - seria pouco perceptível para a opinião pública.

A apreciação dos processos na justiça eleitoral não é tão longa quanto se imagina, mas se somada ao tempo de tramitação de tribunais de contas e do judiciário, a morosidade é grande o suficiente para abrir espaço para atuação com viés político.

Para se ter um exemplo, embora 90% dos casos levem menos de um ano na Justiça Eleitoral, em metade dos casos, o TCU demora pelo menos 35 meses até o trânsito em julgado. Na corte de contas, os 10% mais demorados levam pelo menos 5,8 anos. Seria difícil perceber iniciativas que visam atrasar ou adiantar casos propositalmente.

Ainda não sabemos se a Ficha Limpa é operacionalizada com viés político, mas a grande variação do tempo dos processos merece nossa atenção. Existe um argumento ingênuo no debate público de que conferir independência a instituições de controle sempre nos protegeria da corrupção e, até mesmo, de políticos autoritários. É fato que políticos irresponsáveis desejam ser menos vigiados.

Mas não devemos negligenciar que agentes anticorrupção possuem interesses corporativos próprios e, por isso, podem atuar com viés político, mesmo que isso possa comprometer a democracia. A Lava Jato está aí para ilustrar o argumento, bem como os políticos que ajudou a eleger.

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