A Festa Literária Internacional de Paraty, evento de maior prestígio do mercado literário brasileiro, vai ter uma curadoria coletiva pela segunda vez consecutiva, o que aponta para uma tendência de ampliar a diversidade num posto que, nas primeiras 18 edições do festival, ficou concentrado em uma só pessoa.
A tarefa este ano ficará ao encargo da editora gaúcha Fernanda Bastos, da acadêmica baiana Milena Britto e do crítico literário Pedro Meira Monteiro, professor da Universidade Princeton que fez carreira em São Paulo.
A diferença geográfica entre os três profissionais não é ocasional. Quando este colunista chamou a atenção para o fato durante uma entrevista nesta sexta-feira com os novos curadores e o diretor da Flip, Mauro Munhoz, ele respondeu: "Essa é a notícia".
"A Flip sempre quis vocalizar a diversidade da cultura. Paraty é um entreposto entre locais, cria uma porosidade entre Rio e São Paulo que faz com que a Flip saia do eixo Sudeste e impacte o Brasil."
Meira foi um dos cinco curadores da Flip do ano passado, a primeira a ter várias pessoas dividindo a função. Mas outra novidade da última festa, a ausência do autor homenageado em prol de um tema —plantas e florestas— ficou para trás.
Munhoz cita a escolha do assunto como algo excepcional da edição virtual de 2021, mas ainda não revela nada sobre quem será o escritor ou escritora alvo de homenagem no festival deste ano.
Fernanda Bastos, além de jornalista e tradutora, é uma das fundadoras da editora gaúcha Figura de Linguagem, ao lado do crítico Luiz Mauricio Azevedo, uma casa independente que prioriza a produção negra.
Milena Britto é professora da Universidade Federal da Bahia, onde pesquisa gênero e literatura, é doutora em literatura e cultura brasileira e tem forte atuação junto a círculos de leitura.
Já Meira mora há 20 anos nos Estados Unidos e é professor de literatura e língua portuguesa em Princeton, onde é um dos fundadores do Brazil Lab. Os curadores corroboram uma metáfora citada por Bastos —o objetivo é que cada um atue como um radar particular para captar diferentes frequências sonoras e literárias.
Britto se diz interessada na literatura que vai desde "o poeta do slam e o verso escrito num grafite até a literatura que se pensa como parte de uma estrutura intelectual". "Não pensamos na pluralidade em termos de número, mas como contribuição estética."
Meira ressalta que a Flip quer trazer uma delicadeza de escuta frente "aos sustos que estamos tomando diante do impasse civilizacional que tira o nosso sono".
É provável que quando a Flip acontecer em Paraty, de 23 a 27 de novembro, esse impasse esteja esgarçado por uma eleição que se promete virulenta. Mas o país estará, ao mesmo tempo, unido em torno de uma Copa do Mundo também extemporânea. A ver qual respiro os livros trarão em meio a tamanho calor.
CANTO DAS TRÊS RAÇAS O romance "O Mameluco", publicado apenas em folhetim por Amélia Rodrigues em 1882, sai pela primeira vez em livro este mês pelo selo Paralelo13S. O projeto teve apoio do Rumos Itaú Cultural e vem com apresentação e ensaio de Milena Britto, nova curadora da Flip. Com pano de fundo na Guerra do Paraguai, o livro é tido como um marco na literatura sobre a formação racial do país.
POSTHUMOUS MEMOIRS "A Vida e as Opiniões do Cavalheiro Tristram Shandy", obra-prima do humor negro escrita pelo irlandês Laurence Sterne e considerada inspiração para as "Memórias Póstumas de Brás Cubas", finalmente volta às prateleiras do país pela Penguin. O livro oitocentista era raridade caríssima em sebos e chega com tradução e prefácio de José Paulo Paes.
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