Wilson Gomes

Professor titular da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e autor de "Crônica de uma Tragédia Anunciada"

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Wilson Gomes

Nas guerras morais, professores são alvos fáceis dos radicais

Radicalismo identitário é tão obscurantista quanto o bolsonarismo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Para o bolsonarismo, a universidade representou um problema.

Aos conservadores de direita incomoda a existência de um setor influente da sociedade no qual o predomínio dos progressistas não é desafiado há décadas. Além disso, não lhes parece certo que toda a sociedade pague por um sistema que, no fundo, seria um aparelho ideológico para reproduzir progressistas e esquerdistas. Daí a insistência retórica em representações da universidade como centro de "doutrinação ideológica", de formação em "ideologia de gênero" e, enfim, de balbúrdia e outras imoralidades.

Nos quatro anos de governo Bolsonaro, as universidades federais comeram o pão que o diabo amassou. A ideia era colocar um cabresto na autonomia universitária, reprimir e punir tanto a resistência acadêmica ao bolsonarismo quanto as liberalidades e liberdades universitárias, garrotear as instituições com severos cortes de verbas, além, enfim, de interferir acintosamente para garantir reitores bolsonaristas.

Ao mesmo tempo, o bolsonarismo atuou de forma consistente contra a educação em geral. O movimento Escola sem Partido foi uma parte importante da carga contra as escolas. De um lado, atuou para entulhar as casas legislativas de projetos de lei voltados para impedir que os professores inculcassem atitudes e ideias não conservadoras nos estudantes, enquanto com a outra mão defendia o presumido direito dos pais dos alunos a que seus filhos recebessem uma educação religiosa e moral conservadora.

Além disso, integrou-se a outros movimentos que então orbitavam o bolsonarismo, como o MBL, para espalhar a crença de que as escolas eram um espaço de "contaminação político-ideológica" e que "um exército organizado de militantes travestidos de professores" tirava vantagem da "liberdade de cátedra e da cortina de segredo das salas de aula para impingir-lhes a sua própria visão de mundo".

Disso decorriam as iniciativas para coletar depoimentos de estudantes oprimidos ideologicamente por docentes, para documentar a doutrinação progressista dos livros didáticos e para dar apoio jurídico a quem quisesse acionar a Justiça contra professores. No centro da estratégia, as denúncias de casos de assédio escolar contra pessoas de convicção conservadora e de proselitismo liberal descaradamente praticado contra os inocentes.

Na ilustração de Ariel Severino, numa parede com quadro de anúncios de uma universidade, aparece colada a foto de um professor na frente de uma quadro negro, segurando um giz na mão direita e um livro aberto na mão esquerda. Tudo em preto e branco com texturas de sobreposição. Por cima de tudo, três tomates bem vermelhos e maduros foram jogados acertando, a maneira de alvo, a foto do professor. O suco vermelho desses tomates escorre e se espalha com o impacto, manchando boa parte da fotografia.
Ilustração de Ariel Severino para coluna de Wilson Gomes de 26 de setembro de 2023 - Ariel Severino

Mas, enquanto o bolsonarismo distraía a opinião pública, uma outra facção política, igualmente obscurantista e autoritária, ganhava força e tração para golpear a instituição em pontos muito semelhantes aos que incomodavam o bolsonarismo: o radicalismo identitário.

Como os bolsonaristas, essa facção acredita que a universidade é um aparelho ideológico usado para a opressão do seu grupo e para reprodução de pessoas e mentalidades hostis à sua posição. Como os bolsonaristas, reclama da instituição universitária como centro de doutrinação, de reprodução ideológica e de práticas de inúmeras imoralidades.

Quer um exemplo? Vá ao perfil da Rede Trans Uerj no Instagram. Está lá a mesma matriz acusatória: a universidade é um espaço de opressão e "professores universitários podem ser pessoas extremamente transfóbicas". O segredo das aulas e o poder institucional docentes lhes dão os meios para cometer barbaridades contra minorias. Como o Escola sem Partido, a Rede Trans lista as formas sutis de transfobia docente a que a minoria precisa ficar atenta: "quase nunca te deixar falar; cometer pequenos ‘errinhos’ relativos a nome e pronome com uma frequência muito grande; ativamente impedir que debates trans ocorram em aula; te dar notas estranhamente baixas ou faltas erradas".

E, como faziam os movimentos bolsonaristas, ensinam as táticas de combates contra tão insidioso inimigo: reagir sempre, mas nunca sozinho, pois isso permitiria que "os professores te marquem". Afinal, "eles podem e vão agir contra você de maneira coercitiva". Além disso, é preciso constrangê-los e denunciar o crime. Por fim, um último conselho: não confie nas instituições.

Não é à toa que membros de minorias que entraram na universidade, alguns com a indispensável ajuda de ações afirmativas, acreditem piamente que a instituição que os acolhe e os seus professores lhes são inimigos jurados, a serem combatidos cotidianamente. O mesmo se estende à escola em geral, pois mesmo onde o bolsonarismo não alcança o docente, o identitarismo radical já fez morada e trincheira.

Professores viraram alvos fáceis das guerras morais que convulsionam a sociedade, como patinhos imóveis nos estandes de tiro dos parques de diversões. E os aliados de ontem são os primeiros a apertar o gatilho.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.