Zeca Camargo

Jornalista e apresentador, autor de “A Fantástica Volta ao Mundo”.

Salvar artigos

Recurso exclusivo para assinantes

assine ou faça login

Zeca Camargo

Por que me ufano de meu país

Vibro com nossos sons, sotaques e sabores, que me fazem sempre querer voltar

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

De Cafundó na Paraíba a Ametista do Sul no Rio Grande do Sul. De Camela em Pernambuco a Ponta Porã no Mato Grosso do Sul. De Mossoró no Rio Grande do Norte a Bastos em São Paulo. Da Ilha do Bananal no Tocantins a Burarama no Espírito Santo. De Ibitipoca em Minas Gerais a Soure no Pará. 

Estes são apenas alguns lugares que já visitei neste Brasil imenso e lindo. Mas de qualquer canto que você quiser sair a qualquer outro canto que você quiser chegar neste nosso país a fascinação é a mesma. E é por isso que me ufano de meu país.

Ilustração
Maíra Mendes

A frase não é minha, claro. Pego-a emprestada do famoso historiador Afonso Celso, que na virada para o século 20 arriscou esse elogio à beleza da nossa força natural e também àquela nossa qualidade maior: a mistura da nossa gente.

Somos uma nação de retirantes, transeuntes, deslocados, passageiros —migrantes. Vamos do norte ao sul, do centro para o oeste, do litoral para o interior porque é isso que está na nossa alma. Viajamos com o conforto de quem leva a mesma língua na bagagem e a certeza de que, por conta dela, seremos bem recebidos. 

Por onde passo, ganho e distribuo carinho num ritmo tão intenso que não tenho chance de lembrar que o adjetivo “bem-vindo” tem também seu antônimo. Levo no peito o passe livre da minha brasilidade, do meu orgulho de ser daqui —o mesmo que noto em cada aperto de mão que troco, em cada bochecha que se toca num beijo oco, mas não menos afável.

Também me ufano dos sabores que experimento aqui, do pastel aqui da feira à tapioca de Trancoso; do amargo tentador da macaxeira de dona Jerônima no Marajó ao saudoso frango com quiabo da Nilda, que cozinhava maravilhas no fogão de lenha da minha avó em Uberaba; do arroz de porco da cozinha afetiva de Rodrigo Aragão em Maceió ao brodo quentinho da dona Luizinha de Curitibanos; do aipim supremo da chef Magda em Bonito à Denominação de Origem Cearense criada pelo Léo Gonçalves em Fortaleza; dos yakisobas de Campo Grande à formiga amazônica de Alex Atala

Nossos sotaques cantam nos meus ouvidos: o “r” duro de Chapecó, o “s” meio “x” do “visse” de Recife, aquele “ô” fechado da zona leste paulistana, a doçura das sílabas de um potiguar, o “t” seco dos paranaenses, o “nh” que vira “m” nos diminuitivos mineiros e “i” nos paraenses, o “l” que passeia no céu da boca do paraibano, o “mérmão” do carioca, o oculto acento agudo que os baianos têm a gentil teimosia de “intróduzir” em vogais inesperadas, a saudade açoriana do manezinho de Floripa.

Danço e vibro com nossos sons. Com o bumbo que faz o boi-bumbá e com o triângulo que adoça o forró. Com o cavaco do samba de roda e com a viola que define o sertão. Com o pé que bate na catira e com o metal que estala na madeira do boleador gaúcho. Com o baixo grave do brega do norte e com o surdo longo do tambor do Olodum. Com a batida mínima do funk carioca e com a rima máxima do repentista. Com Anitta, DJ Dolores, Helena Meirelles, Alok, Xand Avião, Maria Bethânia, Tiago Iorc, Mart’nália, Pretinho da Serrinha, Lô Borges, Paulinho da Viola, Gaby Amarantos, Johnny Hooker, Assis Valente, Clara Nunes, Jaloo, Elza Soares. Com Alcione.

 

Eu me ufano de tudo isso porque sou brasileiro. Porque este país me inspira. Porque eu quero viajar pelo mundo mas sempre voltar para cá. Eu me ufano de cada pedaço deste chão, de cada pé que toca cada pedaço. De quem circula por esse território e quer vê-lo melhor e mais unido.

Só não me ufano de quem, no lugar de abraçar nosso país, quer fragmentá-lo com seu preconceito e transformá-lo em uma terra não dessa gente maravilhosa e diversa, mas privilégio de quem só sabe admirar um espelho. E nem merece a honra e a nobreza de ter a palavra “brasileiro” no passaporte, abaixo de onde se lê “nacionalidade”.

​​​​​​​Por sorte sei que quem cabe nessa definição nem me leu até aqui. Desistiu da coluna já no título, ao se deparar com o próprio verbo lá conjugado. Menos por não se identificar com seu significado do que pelo simples fato de desconhecê-lo. A esses, desejo só que se ufanem da sua ignorância.

LINK PRESENTE: Gostou deste texto? Assinante pode liberar cinco acessos gratuitos de qualquer link por dia. Basta clicar no F azul abaixo.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.