Charcutaria artesanal extrapola cozinha dos restaurantes e vira hobby

Cozinheiros amadores lotam cursos e trocam experiências sobre preparo caseiro de embutidos

Flávia G. Pinho
São Paulo

Primeiro surgiram as fabriquetas artesanais, com embutidos livres de aditivos químicos industriais. Aí chefs aderiram à onda e passaram a fazer linguiças e curados nas cozinhas de restaurantes. Agora, produzir salame e presunto cru em casa se tornou hobby. 

A conservação de carnes com sal e temperos, uma das mais antigas práticas culinárias do mundo, se transformou no assunto da vez entre cozinheiros amadores, que lotam cursos presenciais e online e se organizam em comunidades para trocar experiências.

A controversa comercialização desses produtos, por exemplo, terá novas regras em breve.

Formado em 2013 pelo químico Peterson Rebechi, 36, o grupo Charcutaria Artesanal hoje reúne 47 mil inscritos no Facebook. Cerca de 95% são amadores às voltas com as primeiras linguiças.

“Após uma viagem à Itália, passei a estudar salumeria italiana e criei o grupo como plataforma para organizar minha pesquisa. Postava testes de receitas e fotos da minha produção”, relata Rebechi.

Em janeiro, lançou um curso básico online —são feitas cem inscrições por mês, em média. O avançado ficou pronto em abril, e atraiu 200 interessados no pré-lançamento.

Charcutaria requer empenho —e não combina com pressa. Aficionado pelo tema, o administrador de empresas Giorgio Parodi, 47, dedica quase todos os fins de semana à busca do embutido perfeito.

No apartamento de São Paulo onde mora, a adega climatizada foi transformada em câmara de maturação para salames, copas e presuntos que faz. A menina dos olhos é uma fatiadora manual Filizola dos anos 1930, restaurada.

“Minha mulher não entende por que passo quatro meses fazendo uma copa que levaremos 20 minutos para comer”, diverte-se.

Frios variados do empório Curato, no Alto do Ipiranga, que oferece aulas sobre o processo de preparação de linguiças e embutidos - Gabriel Cabral/Folhapress
 

Ante a escassa literatura em português sobre o tema, ele, que é fluente em cinco idiomas, partiu em busca de obras  em francês, italiano, inglês e espanhol, atuais e do século passado.

Parodi também fez cursos de linguiças artesanais com a chef Mônica Rangel, do restaurante Gosto com Gosto, em Visconde de Mauá (RJ), e de presunto cru com o chef Sauro Scarabotta, do restaurante Friccò, em São Paulo.

Ainda assim, conta que cometeu diversos erros no início. “É como pilotar um avião, só com muitas horas de voo se produz alguma coisa boa. A primeira copa que tentei fazer, nem o cachorro comeu.”

Criador de outro grupo do Facebook, o Mestres da Charcutaria Artesanal, Paulo Henrique Gennari, 46 anos, mais conhecido como Mandrake, tem se empenhado em desmitificar a charcutaria.

Ele conta que muitos seguidores se surpreendem ao descobrir que é possível fazer embutidos em casa com o mínimo de equipamentos. “Basta ter geladeira comum e paciência”, resume.

Em cursos presenciais com dois dias de duração ele ensina como preparar linguiça, presunto cru, copa, bresaola, lonzino, salame e pepperoni.

Cerca de 90% dos alunos, diz, são amadores dispostos a fazer embutidos para consumo próprio. Mas há quem se empolgue a ponto de iniciar uma nova carreira.

Morador de São José do Rio Preto (SP), Vitor Hugo Lucio, 37 anos, começou a fazer embutidos como hobby. Seguia um canal no YouTube, participava de grupos no Facebook e trocava receitas pelo WhatsApp. Em 2016, inaugurou a Dom Vito Embutidos Artesanais, que vende linguiça por encomenda.

“Agora estou partindo para a produção de curados e defumados.”

Veterano na salumeria à italiana, Sauro Scarabotta festeja a democratização dos embutidos artesanais. “É um movimento natural de quem está descobrindo um mundo novo. O Brasil estava muito atrasado nesse quesito”, afirma.

Mas ele adverte para o risco de simplificar demais a produção. “Uma fermentação malfeita pode matar. É grande o risco de o produto ser contaminado pela toxina botulínica”.

Nos cursos que dá no restaurante, Scarabotta reforça o conteúdo com aulas teóricas de Peterson Rebechi. O químico ensina, por exemplo, que o uso de nitrito de sódio, ou sal de cura, é indispensável.

“É a única maneira cientificamente comprovada de eliminar o risco de contaminação”, diz Rebechi. “A indústria usa antioxidante para acelerar a cura, corantes, aromatizantes, glutamato monossódico e carne mecanicamente separada, com retalhos e gorduras, para homogeneizar a massa. Nos produtos artesanais, é só carne e tempero.”

Naires Arcanjo Silvério, aluna do Curato, prepara bacon - Gabriel Cabral/Folhapress

 

Onde aprender

A Cava Charcutaria Escola  
O químico Peterson Rebechi oferece dois módulos online: um ensina a fazer linguiças (R$ 99) e o outro, a preparar defumados (R$ 197)
acava.com.br

Charcutaria Gennari  
Tato Gennari, o Mandrake, leva seu curso a várias cidades —interessados podem montar uma turma e acertar a data pelo WhatsApp. As aulas, com dois dias de duração (R$ 350), acontecem em cozinhas de restaurantes ou residências 
Tel.: (16) 99724-7824

Curato Charcutaria Artesanal
Há dez anos, Edson Navarro ministra cursos, desde o nível básico até o avançado. É possível se matricular em um único módulo, como o de linguiças, agendado para 9/6 (R$ 480), ou escolher o intensivo completo, que dura três dias —o próximo será a partir de 18/6 (R$ 1440) 
Av. Engenho Araci, 559, Alto do Ipiranga, tel. (11) 97336-9793; curato.com.br

Eataly
Bruno Alves ensina apenas os primeiros passos em suas aulas. A próxima, em 13/6, terá como tema “Da cabeça ao rabo: todas as partes do porco na salumeria”, com degustação (grátis)
Av. Juscelino Kubitschek, 1489, Itaim Bibi, tel. (11) 3279-3300; eataly.com.br

Friccò
O chef Sauro Scarabotta ministra cursos básicos e avançados. Em 9/6 acontece uma aula em dupla: ele e o químico Peterson Rebechi vão desossar meio porco e discorrem sobre diferentes técnicas (R$ 599)
R. Cubatão, 831, Vila Mariana, tel. (11) 5084-0480; fricco.com.br

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