Hobby de fazer pão vira negócio para pequenos empresários

Novos microempreendedores largaram antigas profissões para se dedicar à vida de padeiros

Flávia G Pinho

Os números não são lá muito precisos. Segundo o Sebrae-SP, há 6.800 microempreendedores registrados como padeiros no estado – 1.800 só na capital. Mas o contingente pode ser bem maior, considerando quem ainda atua na informalidade.

O certo é que boa parte deles entrou na profissão há pouco – gente que começou a botar a mão na massa por hobby e, mais tarde, decidiu investir no pão como negócio.

As histórias a seguir têm um passado em comum. De assar o pão um a um, no forno de casa mesmo, sem pretensão. Hoje, os quatro têm sonhos ambiciosos fermentando.

 

DECISÃO EM ETAPAS

O primeiro pão assado pela jornalista Hanny Guimarães, 35 anos, foi um fiasco. “Peguei a receita do fermento natural no jornal e tentei reproduzir, mas deu tão errado que joguei tudo fora e desisti de tentar”, lembra.

Seis anos depois, em 2014, ela voltou à carga – dessa vez, porém, foi mais persistente. Só lá pela décima tentativa, porém, os pães passaram a sair “mais comestíveis”, em suas palavras.

Aos poucos, sem se dar conta, Hanny foi deixando de ser jornalista para virar padeira. Vendia os pães para amigos e as encomendas iam crescendo, a despeito da estrutura precária: um pão de cada vez, assado dentro de uma panela de ferro no forno de casa.

“Chegava a assar 25 pães por semana, uma loucura. Acordava à 1h da madrugada para começar a trabalhar a massa”, ela conta.

Quando foi demitida do último emprego, Hanny aproveitou a deixa e deu um gás na produção. Pôs um site caprichado no ar, investiu nas redes sociais e passou a participar de feiras de produtores artesanais.

Foi nesse período, em 2017, que surgiu uma proposta inesperada – às vésperas de inaugurar o Futuro Refeitório, a chef Gabriela Barretto queria que Hanny assumisse a padaria do restaurante.

A casa, instalada em um galpão de Pinheiros, abre às 8h para o café da manhã e só fecha às 22h30.

“Fiquei apaixonada pela ideia e achei que seria um passo profissional interessante. Mas imaginava uma demanda mais tranquila”, admite a padeira, que se diz ainda assustada com o movimento – 350 clientes só no primeiro fim de semana.

Hoje, a rotina da ex-jornalista lembra a de qualquer padeiro das antigas – seis dias por semana, o expediente começa às 4h da manhã para que a primeira fornada esteja pronta logo cedo.

Por mês, ela e três ajudantes transformam 1 tonelada de farinha de trigo em pães rústicos, brioches e croissants.

Hanny diz não ter ambição de abrir a própria padaria, pelo menos por enquanto. Acha que tem muito a aprender e planeja fazer estágios fora do Brasil. Voltar à antiga profissão, porém, nem pensar.

“É maravilhoso trabalhar com pão, porque ele nunca fica igual. É o que me faz voltar todos os dias.”

Futuro Refeitório

R. Cônego Eugênio Leite, 808, Pinheiros, tel. (11) 3085-5885; futurorefeitorio.com.br


A QUATRO MÃOS

Aprender a se relacionar com os melindres do fermento natural é o maior desafio para um padeiro estreante. Quem diz é o designer gráfico Demian Takahashi, 38 anos, que se lançou na atividade há cerca de seis anos.

No início, ele e a mulher, a diretora de arte Claudia ​Fugita, 39, tentaram superar a frustração de assar pães duros e pesadões estudando bastante. Até que, de livro em livro, Takahashi foi parar no curso do San Francisco Baking Institute, nos Estados Unidos.

“Aprendi que não é um jogo de dominação do homem sobre o pão. É uma simbiose da qual nós fazemos parte, tanto quanto o fermento”, ele poetiza.

De tão envolvidos no assunto, os dois acabaram por largar suas carreiras para viver de pão. Desde julho de 2015, o casal comanda a Farinoca, que funciona na garagem de casa. O espaço foi reformado e ganhou forno de lastro, fermentadora, amassadeira e bancadas de aço inoxidável.

Os pães são assados três vezes por semana, mas a lida é diária – mesmo quando o forno não é ligado, Takahashi cuida do fermento natural, que deve ser “alimentado” diariamente com farinha, e modela os pães para que fermentem por várias horas. Em média, o processo do início ao fim leva 40 horas.

“Em dias bons, uso uns 15 quilos de farinha para fazer cerca de 50 pães”, diz o padeiro.

Depois de fazer o pedido por WhatsApp, os clientes recebem os pães em casa pelas mãos de um motoboy. O de campanha, com 450 gramas, sai por R$ 18, enquanto o de cacau com nozes torradas custa R$ 26.

Também é possível pagar por mês, em sistema de assinatura, montada a gosto conforme a frequência e o tipo de produto que o cliente escolher.

Em breve, anuncia Takahashi, a Farinoca deve ganhar instalações mais espaçosas. Mas abrir uma micropadaria aberta ao público, ele emenda, não faz parte dos planos do casal.

“Não me vejo abrindo uma portinha para vender os pães, acredito que essa operação de entrega em domicílio tem seu valor. Vamos insistir no delivery”, diz.

Farinoca

Tel. (11) 98881-3931; facebook.com/farinoca


SEM VONTADE DE CRESCER

Imagine a reação da família quando a biológa Flávia Maculan, 37 anos, anunciou que abandonaria o doutorado para virar padeira.

“Minha decisão gerou uma crise familiar, me chamaram de louca”, ela se diverte com a lembrança.

Hoje, passados seis anos, todos admitem que valeu a pena. Depois de fazer cursos na primeira turma da Levain Escola de Panificação, do chef Rogério Shimura, e no San Francisco Baking Institute, nos Estados Unidos, Flávia abriu a Toast e tornou-se uma padeira respeitada.

São três fornadas semanais – todos os pães, de 16 variedades, pesam de 680 a 700 gramas e custam de R$ 35 a R$ 40. A exceção é o de centeio nórdico, assado em fôrma, que tem massa mais densa e sai por R$ 45.

Para comprá-los, é preciso ir até o ateliê, no bairro do Sumarezinho, com horário agendado.

“Faço tudo bem devagar porque não sou uma pessoa com preparo para os negócios. Prefiro arriscar pouco e continuar pequena. Se oferecer delivery, por exemplo, sei que a demanda vai aumentar, o que não quero por enquanto”, diz.

Seu maior medo, explica, é que as demandas de uma empresa mais complexa tirem o prazer de fazer os pães um a um.

“Tenho um ajudante, mas quem trabalha duro sou eu. Todos os pães passam pelas minhas mãos e prefiro que continue assim”, avisa.

No entanto, ela planeja se mudar para uma casa maior – quer voltar a promover oficinas de panificação, atividade que deixou de lado por falta de tempo e espaço. E não falta gente querendo se matricular para virar padeiro também.

Embora o investimento inicial seja pequeno – para assar os primeiros pães em casa, basta ter forno doméstico e uma panela de ferro que faça as vezes de forma –, Flávia avisa que não se trata de uma profissão fácil de seguir.

“Para ter uma produção um pouquinho maior, como a minha, é preciso investir uns R$ 40 mil. O mais importante, no entanto, é estudar muito. Ser bióloga me ajudou a compreender o que acontece durante a fermentação. Não dá para assistir a um vídeo na internet e achar que já sabe fazer pão.”

Toast

toast.fm


OS VETERANOS DO PEDAÇO

Saiba quem foram os primeiros em São Paulo a apostar nos pães artesanais

Muito antes que o assunto virasse modinha em São Paulo, já era possível comprar ótimos pães de longa fermentação na cidade.

Lá se vão 24 anos desde que o padeiro-celebridade Olivier Anquier abriu sua primeira padaria em São Paulo – a Pain de France, em Higienópolis.

A casa não existe mais (funcionou de 1995 a 2005), mas Anquier mantém-se firme no setor. Há um ano, ele está à frente da Mundo Pão do Olivier, localizada no térreo do edifício Esther, no Centro.

Nos anos seguintes, outros pioneiros se aventuraram na panificação artesanal – e até os supermercados pegaram carona em seu sucesso.

Eataly

Av. Presidente Juscelino Kubitschek, 1489, Itaim Bibi, tel. (11) 3279-3300; eataly.com.br

Da padaria do mega empório saem de três a sete fornadas por dia. Pães de fermentação natural são assados no forno a lenha e os demais, no elétrico. O mais vendido é o rústico, a R$ 26 o quilo, mas há versões de nozes e de azeitonas (R$ 35 o quilo).

Julice Boulangère

R. Deputado Lacerda Franco, 536, Vila Madalena, tel. (11) 3097-9162; julice.com.br

Pão rústico de centeio (R$ 8,80), pão de campanha (R$ 8,15) e de gorgonzola (R$ 18,60) são algumas especialidades da padeira Julice Vaz. Dos 180 tipos, 50 estão disponíveis a cada dia.

Le Pain Quotidien

R. Wisard, 138, Vila Madalena (mais nove unidades), tel. (11) 3031-6977; lepainquotidien.com.br

A rede belga chegou ao Brasil em 2012. São assados cinco variedades de pão de fermentação natural, à base de farinha orgânica. O integral, que pesa cerca de 2 kg, sai por R$ 31,90.

Mundo Pão do Olivier

R. 7 de Abril, 425, loja 1, Centro, tel. (11) 3120-3521

Olivier Anquier não usa levain, mas seus pães fermentam por 72 horas. Ele cobra R$ 2,90 por cada 100 gramas da baguete tradicional e R$ 9,00 pelo folhado com recheio de fruta.

Padaria da Esquina

Al. Campinas, 1630, Jardim Paulista, tel. (11) 2387-0149; padariadaesquina.com

A casa tem como sócio o chef português Vitor Sobral. São oito tipos de pão, que custam de R$ 19,90 a R$ 34,90 o quilo. Entre eles estão o pão caco, que leva batata-doce na massa, e o folar, com bacon e chouriço português.

Padoca do Maní

Rua Joaquim Antunes, 138, Pinheiros, tel. (11) 2579-2410; manimanioca.com.br

Filhote do restaurante de Helena Rizzo, a padaria abriu as portas em 2015. Entre as 20 receitas de pão, oito estão disponíveis por dia. Os rústicos, com cerca de 450 gramas, são o carro-chefe – tem de sete grãos (R$ 18) e de cacau com cranberry (R$ 22), entre outros.

Pão – Padaria Artesanal Orgânica

R. Bela Cintra, 1618, Jardim Paulista (mais sete unidades), tel. (11) 2193-2116; padariaartesanal.com.br

Inaugurada em 2007, a rede do padeiro Rafael Rosa fabrica 10 variedades de pão. Além do 100% farinha integral orgânica, carro-chefe da linha (R$ 19,50, com 500 g), faz sucesso o rústico, que pesa 1 kg (R$ 36 inteiro, R$ 19 a metade).

Santo Pão

R. Padre João Manuel, 968, Jardim Paulista, tel. (11) 2309-5594

O chef Gustavo Young responde pela padaria, inaugurada em 2014. Pães como o de azeitona com alecrim (R$ 18) e o de nozes (R$ 20) concorrem com o clássico baguete (R$ 8).


MINIPADOCAS ARTESANAIS

Focadas nos pães de longa fermentação, elas combinam ambiente acolhedor e receitas exclusivas que sempre mudam

Na cidade das megapadarias, tem feito sucesso um modelo que é o extremo oposto: lojas pequenas, onde geralmente um único padeiro responde pelas fornadas de fermentação natural.

Inaugurada em outubro de 2017, a Santiago integra o time das minis. Com 70 m², a loja de Perdizes pertence a Tiago Saraiva, que entrou no mundo dos pães artesanais como tantos outros padeiros: começou a assá-los em casa até abrir uma padaria para chamar de sua.

Tiago produz de seis a oito tipos por dia – o de alecrim e sal grosso é o hit da casa. A estrutura enxuta permite que os pães, com cerca de 500 gramas cada um, custem de R$ 20 a R$ 25 conforme a receita – o preço regula com os praticados pelos padeiros sem loja aberta.

Veja esse e outros endereços do gênero:

Fabrique Pão e Café

R. Itacolomi, 612, Higienópolis, tel. (11) 4801-4318

De família portuguesa, José Carlos Gomes assina a linha de pães tradicionais, como a ciabatta (R$ 6), o francês (R$ 15,90 o quilo) e o croissant (R$ 7,80). No mezanino, funciona a Aquitã Nanotorrefação.

Fazemos Pão

R. Simão Álvares, 127, Pinheiros, tel. (11) 99947-0186; fazemospao.com

O casal Priscila Imai e Thiago Dragrão acaba de inaugurar a micropadaria. Por enquanto, a linha é reduzida. São três tipos de pão de fermentação natural – branco, de azeitonas e de nozes, que pesam 450 g em média e custam de R$ 12 a R$ 16.

Santiago Padaria Artesanal

R. Tavares Bastos, 750, Perdizes, tel. (11) 3864-7416

Do forno de Tiago Saraiva saem somente pães de fermentação natural. O de nozes com figo custa R$ 25.

St. Chico

R. Fernão Dias, 461, Pinheiros, tel. (11) 3031-5096

A padeira Helena Mil-Homens assa baguetes (R$ 8,25), pão francês (R$ 15,50 o quilo), ciabatta (R$ 44 o quilo) e brioche (R$ 3,80), entre outros.

Vis Savour

Av. Horácio Lafer, 523, Itaim Bibi, tel. (11) 3073-0699; vissavour.com.br

A cargo da pâtissière Carmen Visconde, a padaria vende pães de fermentação natural à base de farinha francesa. O pão de abóbora sai a R$ 25,90 o quilo e a baguete, a R$ 39,90 o quilo.

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.