Copa mostrou que não somos loucos andando na rua com ursos e vodca, diz Vladimir Mukhin

Pesquisador da culinária, chef viu filas de turistas para seu restaurante em Moscou, o White Rabbit

Luisa Belchior Moskovics
Moscou

Com um repolho acompanhado por três tipos de caviar, o chef russo Vladimir Mukhin marcou um gol na mesma semana que a Copa do Mundo começava em seu país, só que longe dali e dos campos de futebol.

Líder da cozinha de vanguarda russa, Mukhin conquistou em junho o 15º lugar entre os 50 melhores restaurantes da revista britânica Restaurant, o principal prêmio da gastronomia mundial. Foi o maior posto alcançando por uma casa do Leste Europeu.

Principal representante da nova cozinha russa, Mukhin lidera o White Rabbit, restaurante no terraço de um arranha-céu de Moscou que foi um dos pontos mais disputados na capital russa durante a Copa do Mundo. 

O chef Vladimir Mukhin, do White Rabbit
O chef Vladimir Mukhin, do White Rabbit - Divulgação

A casa de dois andares —com um salão de cerca de 100 metros de comprimento no segundo—, serviu cerca de 500 pessoas por dia durante os quase 30 que duraram o campeonato, além de ter de dispensar centenas de turistas que faziam filas na porta.

Com o fim da competição, Mukhin recebeu a Folha em uma das mesas do White Rabbit, que tem o nome baseado no coelho do livro “Alice no País das Maravilhas”.

Crítico feroz da culinária exercida pela União Soviética, Mukhin, 35, defende como a verdadeira cozinha russa a anterior regime comunista, que, para padronizar a alimentação, catalogou alguns poucos pratos, inventou outros e proibiu os que não queria, segundo ele. 

Da quinta geração de uma família de cozinheiros, Mukhin diz ter assumido como missão resgatar e revelar a cozinha antiga aos russos e ao mundo. Para isso, passou meses viajando pelo país antes de assumir, em 2012, os fogões do White Rabbit, onde mistura ingredientes e técnicas que conheceu. 

Um desses pratos, o repolho selvagem regado com molho de champanhe e três tipos de caviar —de truta, salmão e esturjão— virou um dos carros-chefe da casa.

 

A Rússia e o White Rabbit são outros depois da Copa? 

Com certeza. Eu mesmo conheci uma nova Rússia com a Copa. A cozinha russa é outra. Agora eu percebo isso, mas durante ela foi uma loucura. Tivemos a casa cheia o tempo inteiro, e este não é um restaurante pequeno. 

Já esperávamos muita gente e países diferentes, mas não nessa dimensão. Servíamos como mínimo 500 pessoas ao dia, e sempre havia uma fila enorme na porta. Muitos jogadores também vieram, mas não sei o nome deles porque não sou muito fã de futebol. Quando meus amigos jogavam futebol na infância, eu já estava na cozinha.

Foi legal mostrar a essas pessoas que não somos uns loucos andando na rua com ursos, tomando vodca o dia inteiro e comendo caviar ou maionese de arenque [salada de arenque, maionese e beterraba criada durante o regime soviético]. Sinto que agora somos realmente internacionais.

Sair do 23ª lugar para o 15º no 50 Best Chefs da revista Restaurant já era esperado?

Foi uma grande surpresa para mim e um grande prazer para a Rússia. Mas eu comecei a perceber que pessoas de mais países começaram a vir aqui. Antes, todo mundo vinha à Rússia para ver museus ou para fazer negócios, sobretudo em Moscou, já que São Petersburgo é mais turística. Agora passo entre as mesas e converso com pessoas de Nova York, Londres, São Paulo, México. E quando eu pergunto por que vieram à Rússia, respondem que vieram para conhecer o White Rabbit.

Você se identifica mais como uma nova expressão da cozinha russa ou como um protetor das antigas tradições? 

Eu me identifico com esse rótulo da vanguarda. Mas esse não é o meu ponto. Essa cozinha é nova para as pessoas de outros países. Para nós, na verdade ela é a antiga. Não só os produtos, mas também as técnicas. Eu escolhi usar técnicas antigas como, por exemplo, a do repolho. E, em partes do sul e da Sibéria, as pessoas misturam diferentes tipos de caviar, é um molho popular na Rússia. 

Então nenhuma delas são técnicas que você criou? 

Eu apenas encontro histórias. Claro que eu as adapto ao meu estilo, até porque na Rússia não temos receitas escritas. A profissão de cozinheiro era impopular, então quem tinha essa profissão não sabia ler e escrever, apenas cozinhar. 

Já que as receitas não estavam catalogadas em livros, como foi essa pesquisa para encontrar pratos como o lábio de alce? 

O lábio de alce ficou famoso, todos que vêm aqui perguntam por ele. É que nossos ingredientes centrais na Rússia são animais grandes e selvagens, como o urso, por exemplo. Eu caço desde os sete anos com o meu pai. Está no nosso sangue.

Mas esses são os verdadeiros pratos populares russos, e não a maionese [de arenque]. Eu odeio o período da maionese, que chegou na Rússia na verdade só em 1934, por meio de um embaixador soviético que foi a Chicago. Ele encontrou lá essa receita e decidiu trazê-la para Moscou. 

Cinco anos depois, a receita foi inserida em um livro sobre comida “saborosa” e “saudável” do regime, e o prato virou popular, mas apenas porque todos os restaurantes só podiam cozinhar a partir desse livro. Não era permitido mudar as receitas.

Eu lembro que o meu avô, que trabalhava o dia todo como professor em uma escola de culinária, chegava em casa e ia para a cozinha para poder cozinhar o que ele realmente queria mas sem que ninguém visse porque era proibido. Ele conseguiu fazer anotações que eu guardei.

De resto, foi simplesmente viajar pela Rússia e conversar com pessoas idosas.

Seu menu à la carte tem também referências externas, como gaspacho [sopa fria espanhola de tomates e pimentões], ‘jamón’ de carne de cavalo, chimichurri… 

O White Rabbit é uma história sobre os ingredientes russos, em primeiro lugar, e até por isso está em Moscou, que para mim é o centro de todo o país. Mas há muita gente da Rússia que não pode viajar e quer provar pratos como o gaspacho, então por que não [servi-lo]?

Também temos borscht [sopa do leste europeu feita com beterraba e músculo ou outros pedaços de carne]. Mas o nosso menu degustação é feito inteiramente com ingredientes russos e técnicas tradicionais. A apresentação pode parecer futurista, mas de perto é um menu 100% russo. 

Você diz que vê o futuro como um espaço de intercâmbio de chefs ao redor do mundo. É uma visão compartilhada por cozinheiros como o René Redzepi, do Noma [em Copenhague], do Virgílio Martínez, do Central [em Lima]. Pode ser uma nova tendência?

Acho que o futuro da gastronomia na Rússia, e no mundo também, é que todos os chefs tenham uma cota internacional. Ninguém gosta dos mesmos pratos sempre regionais, acho que isso é exagerado.

O que a Espanha fez para mim foi a grande cozinha de vanguarda, mas acho que agora o futuro aponta mais para a combinação de bons ingredientes em um prato, e, claro, que a comida seja gostosa e com um espaço para pratos de outros países. 

E por que o nome White Rabbit? 

Porque nossa história é como a de Alice no País das Maravilhas. Um lugar mágico em que podemos olhar através do espelho, que seriam os lugares comuns da Rússia.


Vladimir Mukhin, 35

Desde 2012 à frente do White Rabbit, ocupa atualmente o posto de 15º melhor chef do mundo, segundo ranking da revista Restaurant; é personagem-tema de um episódio da terceira temporada da série ‘Chef’s Table’, da Netflix

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