Sorveteria em Santa Cecília atrai com sabores judaicos e minimuro das lamentações

Glidah, em bairro de São Paulo que concentra comunidade de judeus, oferece opções de strudel e de mel com flor de laranjeira

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São Paulo

Numa galeria no pé de um prédio em Santa Cecília, entre comércios tão diversos quanto uma loja de malas de viagem, outra de produtos congelados e uma barbearia, um letreiro em branco chama a atenção, tanto pelo ar moderninho em meio a estabelecimentos de visual tradicional quanto pela palavra que estampa.

Compreensível para muitos da comunidade judaica do bairro paulistano e estranha para a grande maioria, Glidah —sorvete, em hebraico— batiza a sorveteria aberta há seis meses com receitas que fogem do óbvio.

Não é que não tenha sabores mais comuns, mas o que salta aos olhos são opções como o Malabie, com água de rosas, pistache e coco, o Dvash, de mel com flor de laranjeira, e o Strudel da Babe, com calda de maçã e canela, uma sobremesa clássica associada à culinária dos judeus ashkenazi, do Leste Europeu.

Preparação do sorvete de strudel da Glidah, sorveteria judaica no bairro de Santa Cecília, em São Paulo
Preparação do sorvete de strudel da Glidah, sorveteria judaica no bairro de Santa Cecília, em São Paulo - Danilo Verpa/Folhapress

"Tentei me lembrar de doces da casa da minha avó, e por isso o sorvete de strudel é da Babe, que é como eu a chamava", diz Ronny Trojbicz, 48, dono da Glidah, citando a palavra "vovó" em ídiche. "Também resgatei coisas não só relacionadas ao judaísmo, como pratos do Oriente Médio em geral. Há muito em comum."

O Malabie, por exemplo, faz referência ao manjar árabe presente no Líbano que pode ser servido de várias maneiras, muitas vezes com damasco. Já o Dvash leva ganache de halwa, outro doce árabe, feito com gergelim torrado. O fato de ser um sorvete de mel, segundo Trojbicz, é também uma forma de espelhar uma passagem da Torá, o livro sagrado do judaísmo, que descreve Israel como uma terra que emana leite e mel.

O ofício é algo um tanto recente para o paulistano, que começou a mexer com uma sorveteira por volta de 2017, tudo na base da tentativa e erro. Passou a vender o que produzia em casa para amigos, fez cursos, e, com a Covid, a atividade caseira virou negócio sério, já que o trabalho no ramo de confecção teve de parar.

"O sorvete salvou a minha sanidade na pandemia. A confecção estava fechada, mas eu trabalhava 14 horas por dia. Das 8h até as 22h", afirma ele, que naquela época fazia os sorvetes, atendia os pedidos, entregava-os de bicicleta pelo bairro e, ao voltar para casa, iniciava a preparação para a produção do dia seguinte.

Até então, vendia sorvetes mais tradicionais, algo que a Glidah ainda conserva. Assim, quem não for afeito a experimentações pode provar sabores como chocolate branco ou belga e, num nível intermediário, queijo. Outras opções do tipo, como o sorbet de laranja e o de figo com mel, remetem a frutas comuns em Israel.

Seja qual for o sabor, é possível pedir o sorvete numa laffa, como Trojbicz chama os cones que criou, em outra referência árabe. No original, o pão folha, salgado, é muitas vezes usado em shawarmas, enquanto na versão da Santa Cecília a receita é aromatizada com baunilha, o que deixa a base levemente doce.

Mesmo que ofereça versões de receitas judaicas, judeus ortodoxos não costumam frequentar a sorveteria, já que a loja abre aos sábados, o dia do descanso semanal segundo o judaísmo, e os sorvetes não são kosher, cujo preparo obedece regras como o veto ao consumo de produtos oriundos de alguns animais.

Ainda assim, os ortodoxos, quem sabe, podem passar pela Glidah para ao menos visitar o minimuro das lamentações numa parede da fachada da loja, onde os clientes colocam bilhetes entre as suas pedras, como no original, em Jerusalém. "É mais um simbolismo. Brinco que é o muro das tentações, a gente não lamenta nada. Não tem que colocar só desejo, só sugestão, pode colocar o que quiser", afirma Trojbicz.

Segundo ele, desde que abriu a sorveteria, não tirou os papéis e, assim, não sabe quais são as mensagens. A reportagem, porém, flagrou uma criança escrevendo um bilhete para colocar no muro. Com a letra de quem foi alfabetizada há pouco e articulação admirável, ela pediu "o fim das guerras e da dengue".

Glidah

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