Descrição de chapéu The New York Times

Como o restaurante de 'O Urso' funcionaria na vida real? Chefs respondem

A série que estreia no Brasil nesta quarta (17) é elogiada por seu realismo cru, mas nem todos os detalhes são precisos

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Ella Quittner
The New York Times

Com o lançamento da 3ª temporada de "O Urso" nesta quarta (17), no Disney+, fãs do mundo da gastronomia tiveram mais uma chance de jogar o bingo da cultura dos restaurantes.

O corte preciso e incessante da fita para rotular as ervilhas descascadas durante o preparo? Verdadeiro. Os pratos novos e sofisticados de barro que o investidor do restaurante ridicularizou? Verdadeiro. A constante necessidade de papel-toalha? Sempre, chef.

Cena da série 'O Urso' com Jeremy Allen White
Cena da série 'O Urso' com Jeremy Allen White - Divulgação/FX

Nesta temporada, foodies reconheceram alguns chefs e restaurantes reais, como o Noma, o Daniel, o Ever e o The French Laundry. Também viram uma referência à "manteiga orwelliana" (produto da Animal Farm Creamery, de Orwell, Vermont). Outros detalhes —a falta de influenciadores na sala de jantar, um menu de pratos caros que muda todos os dias— pareciam menos realistas.

Se "O Urso" fosse um restaurante real, como ele realmente funcionaria? Consultamos especialistas em hospitalidade, economistas, chefs e maitres de longa data para ajudar a analisar os detalhes que fazem o show parecer tão autêntico e explicar como o restaurante operaria em busca de uma estrela Michelin. Há alguns spoilers no texto.

Mudanças diárias no menu

No 2º episódio, Carmy Berzatto (interpretado por Jeremy Allen White) afirma: "Vamos conseguir uma estrela." Para chamar a atenção dos juízes do Michelin, ele decide que o menu precisa mudar todos os dias.

Curtis Duffy, chef e co-proprietário do Ever, endereço que serviu como ambiente de algumas filmagens desta temporada, diz que um restaurante do calibre do da série deveria adotar a abordagem oposta. "Se o Michelin está de olho em você, tudo se resume a quão consistente você pode ser em uma refeição", diz ele.

"Em uma escala de um a dez, sendo dez o mais difícil, eu diria que a mudança de menu todos os dias recebe nota dez", diz Aisha Ibrahim, chef executiva do Canlis, em Seattle. "Consistência não é apenas a qualidade do molho em um prato, é também como a informação é transmitida ao cliente. Se o chef está tendo dificuldade em lembrar todos os componentes, imagine os garçons."

As Contas

Quando, no meio da temporada, a irmã de Carmy, Natalie Berzatto (interpretada por Abby Elliott), explica por que o restaurante precisa adicionar mais um "turno" durante o jantar para fechar as contas, a ideia faz sentido na vida real.

Com um menu fixo de U$ 175 (cerca de R$ 900) por pessoa, 60 lugares e 260 noites de serviço por ano, a personagem explica que cada lugar vale U$113.750 (R$ 600 mil) com dois turnos e meio. Isso significa que o restaurante está operando com um serviço completo para todos os 60 lugares duas vezes, e para 30 lugares uma terceira vez.

Duffy, do Ever, explica que a adição de meio turno, em vez de um completo, faz sentido prático, já que muitas vezes não é possível encaixar um terceiro turno completo quando se consideram horários de reserva escalonados e convidados que permanecem mais tempo.

Mas esse meio turno pode fazer uma grande diferença.

"A cada dólar que um restaurante ganha, só U$0,04 ou U$0,05 ( R$ 0,22) são de lucro", diz Hudson Riehle, vice-presidente sênior de pesquisa da National Restaurant Association. "Sempre foi uma margem operacional notoriamente estreita."

Para o restaurante da série, R$ 600 mil por cadeira multiplicado por 60 —antes de qualquer receita gerada pela venda de bebidas alcoólicas, o que Riehle observou que pode ser significativo para restaurantes de alto padrão— significa mais de R$ 36 milhões em receita bruta anual.

Com uma margem de 4%, a equipe do restaurante teria apenas U$ 273.000 (R$ 1.480.779) em lucros anuais.

Cultura Tóxica na Cozinha

O chef David, interpretado por Joel McHale, degrada brutalmente Carmy. Esse nível de abuso é verdadeiro? Não muito nos dias de hoje.

"Acho que você poderia se safar no passado, mas certamente não daria para fazer isso agora. Era a natureza da cozinha naquela época, chefs jogando coisas, pessoas xingando e fumando", diz Duffy. "Ele quer que ele seja um melhor chef. Agora, a melhor maneira de fazer isso é daquela maneira? Provavelmente não."

Ibrahim lembra que sua primeira noite em um serviço de alta gastronomia foi em um restaurante com duas estrelas Michelin em São Francisco. "O chef de cozinha pegou um prato e o jogou do outro lado da sala e ele se espatifou sobre minha cabeça."

"Continuo ouvindo sussurros sobre isso, pessoas dizendo que as coisas melhoraram e mudaram", acrescenta. "Ainda acho que existem restaurantes por aí que não foram denunciados."

Quantas Estrelas?

Grande parte da 3ª temporada gira em torno de uma avaliação iminente do Chicago Tribune. Quando um fotógrafo chega para a sessão de fotos do Tribune, ele alega ignorância sobre o que o crítico planeja publicar. Colin Clark, um fotógrafo freelancer que tirou fotos para as críticas de restaurantes no New York Times, diz que isso é verdadeiro.

"Tudo o que sei é que preciso cobrir certos pratos que o crítico quer destacar, além de coisas comuns como ambiente, retratos do chef ou proprietário, ou do exterior do prédio", diz Clark, que também tirou fotografias para críticas na revista New York e na Esquire, onde diz que o protocolo é o mesmo.

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