Doria recua e muda decreto que o beneficiaria após deixar o cargo

Para prefeitura, mudança mostra que medida é necessária, e não desejo do prefeito

Guilherme Seto Rogério Pagnan
São Paulo

Diante de ações na Justiça, atrito com a Polícia Militar e mobilização de vereadores, o prefeito João Doria (PSDB) recuou e decidiu mudar, na noite desta quarta (7), um decreto assinado por ele que estendia para ex-prefeitos os serviços de segurança pessoal prestados pela PM atualmente para o chefe do Executivo da cidade de São Paulo. O caso foi revelado pela Folha na última segunda (6).

Após 15 meses no cargo, Doria deve deixar a prefeitura no início de abril para concorrer ao governo do estado nas próximas eleições. Do jeito que estava o decreto, o tucano poderia desfrutar da proteção policial no período em que eventualmente estivesse em campanha, por exemplo. Como ex-prefeito, ele teria direito ao serviço pelo período de um ano a partir do momento em que deixasse o cargo —por isso, o tucano seria o primeiro beneficiado.

Agora, com a alteração, que será publicada na edição desta quinta (8) do “Diário Oficial” do município, o decreto só passará a valer para o próximo prefeito eleito. Sendo assim, tanto ele como seu vice, Bruno Covas (PSDB), não serão contemplados pelo decreto.

Segundo a assessoria de imprensa da gestão, a mudança foi decidida para deixar claro que a medida está ligada a uma necessidade do cargo, e não a um desejo específico de Doria.
 
Mais cedo, Doria já tinha dado um passo atrás em relação ao decreto com a promessa de devolver todo o valor correspondente aos cofres públicos da cidade. Os policiais militares que fazem a segurança do prefeito são pagos pelo governo do estado e têm suas gratificações custeadas pelo município.
 

O tucano disse que decidiu pelo decreto após ter sido ameaçado quando iniciou a prisão de traficantes na cracolândia, numa referência à ação do governo do estado em maio do ano passado que desobstruiu vias e prendeu traficantes no centro de São Paulo.

Segundo a Folha apurou, há cerca de 10 dias o secretário estadual da Segurança Pública, Mágino Alves Barbosa Filho, foi consultado pela gestão Doria sobre a possibilidade da criação de escolta da PM para ex-prefeitos da cidade.

O secretário, por sua vez, consultou o comando da PM e, este, acenou com a possibilidade, mas com condições. Precisaria, primeiro, receber da prefeitura um pedido formal para ser analisado, quanto a prazos e efetivo, para eventual publicação de uma portaria interna da Polícia Militar. Quem define o envio de homens para a segurança do prefeito é o comandante-geral da PM paulista, por meio de portaria da corporação.

Ainda segundo a reportagem apurou, o comando da PM foi surpreendido com a publicação do decreto municipal, sem ter recebido nenhum tipo de pedido formal para análise, como havia sido sugerido à prefeitura. A avaliação na PM é que o decreto não tem nenhum efeito legal, já que o prefeito não tem poderes sobre a polícia estadual.

Somente na tarde desta quarta (7), após atrito com a corporação, representantes da prefeitura buscaram a PM para tentar acertar a questão. Mas oficiais da PM ouvidos pela reportagem disseram que a cúpula da polícia não aceitou assumir o ônus da ideia, como a gestão tentou sustentar.

CRISE COM A PM

Nesta quarta (7), a Polícia Militar negou que integrantes da corporação tenham recomendado a Doria a publicação do decreto. A negativa da PM foi uma reação ao secretário Julio Semeghini (Governo). À Folha ele disse que o decreto era uma recomendação de PMs que atuam na prefeitura --justificativa também repetida por Doria. Mais tarde a prefeitura emitiu nota na qual afirma que os policiais foram consultados, mas que não fizeram recomendações acerca da necessidade desse decreto.

Desde a publicação do decreto, ao menos duas ações foram protocoladas na Justiça contra a medida. Já na Câmara Municipal, 21 vereadores assinaram proposta de decreto legislativo, de autoria do vereador Gilberto Natalini (PV), com objetivo de anular o decreto.

Ao longo de seu mandato, Doria tem convivido com polêmicas em torno de supostos benefícios pessoais auferidos de decisões políticas. 

Diferentemente do que acontecia com seus antecessores, um carro e uma base comunitária da GCM (Guarda Civil Metropolitana) passaram a fazer a vigilância de sua casa 24 horas por diadesde o início da gestão. Questionado, Doria defendeu-se ao dizer que mora em “casa lindeira a uma calçada” que vinha sendo alvo de manifestações.

No mesmo mês, determinou que o viaduto da avenida Nove de Julho fosse reaberto para carros—anteriormente, era restrito a ônibus. O prefeito passa pela via no trajeto da sua casa à prefeitura, e a medida fez com que encurtasse o tempo do percurso. À época, o secretário dos Transportes, Sérgio Avelleda, disse que havia ociosidade no local.

Por fim, em fevereiro de 2018, a Justiça proibiu que sua gestão utilizasse a marca e o slogan Cidade Linda, depois de ação movida pelo Ministério Público Estadual. A Promotoria acusa o prefeito de fazer uso indevido da marca do programa de zeladoria para fazer divulgação própria. A prefeitura respondeu na ocasião que as campanhas “jamais veicularam o nome do prefeito João Doria, símbolo ou imagem que guardem relação direta ou promovam a sua figura”.

Colaborou Artur Rodrigues
 

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