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Rio lidera redução de gastos em segurança e perde R$ 888 milhões

Mesmo com avanço da violência, Orçamento caiu 9% de 2015 a 2017

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Homens do Exército e tanques circulam entre população do Rio após intervenção federal
Homens do Exército e tanques circulam entre população do Rio após intervenção federal - Danilo Verpa/Folhapress
 
São Paulo

De 2015 a 2017, 11 estados fizeram cortes no Orçamento da área de segurança. O que mais chama a atenção, porém, é o fato de o Rio de Janeiro, onde a disparada da violência resultou em recente intervenção federal, aparecer na liderança dessa lista.

O estado governado por Luiz Fernando Pezão (MDB) fez, nesse intervalo de três anos, o maior corte do país em gastos com segurança pública em valores absolutos —R$ 888 milhões, já atualizados pela inflação, uma queda de 9%.

Os números foram consolidados pela Folha a partir de relatórios do Siconfi (Sistema de Informações Contábeis e Fiscais do Setor Público), que são organizados pela Secretaria do Tesouro Nacional com base em informações dos próprios governos estaduais.

No Brasil inteiro, os gastos estaduais com segurança tiveram pequena alta no período —pouco acima de 1%.

Como os anos foram de recessão e de queda abrupta na arrecadação, especialistas em contas públicas avaliam que ajustes eram previsíveis.

O paradoxal é que outros estados igualmente arrastados pela crise tiveram comportamento inverso ao do Rio.

Em grave situação fiscal, o Rio Grande do Sul colocou mais R$ 420 milhões no combate ao crime nos três últimos anos. Segundo a Secretaria da Fazenda gaúcha, foi preciso cortar em outras áreas para conseguir o montante.

Houve redução de cargos comissionados, horas-extras, passagens aéreas, além de aumento de ICMS e cobrança da dívida ativa, por exemplo.

De 2015 a 2016, o estado gaúcho sofreu com a escalada da criminalidade. Os latrocínios (roubos seguido de morte) aumentaram 35% e os roubos tiveram alta de 19,5% na comparação dos primeiros semestres de cada ano. Com a piora dos índices, a decisão foi priorizar essa área.

No Rio, a escalada da criminalidade foi a justificativa do presidente Michel Temer (MDB) para decretar a intervenção na segurança do estado no mês passado.

O general do Exército Walter Braga Netto assumiu o comando tanto das polícias como do setor penitenciário.

O ex-secretário da Segurança Roberto Sá culpou a falta de dinheiro pelos problemas. “Com os recursos que tínhamos, a gente fez o possível”, afirmou, ao sair do cargo com a intervenção federal.

COMPARAÇÃO

A correlação entre dinheiro e segurança pública tem peculiaridades que não podem ser tratadas com simplismo, afirma Leandro Piquet, conselheiro do NUPPS (Núcleo de Pesquisas em Políticas Públicas da USP).

“Não existem estudos comprovando que mais dinheiro é garantia de mais segurança, mas, com certeza, a boa gestão do dinheiro produz efeitos positivos”, afirma.

Piquet faz uma comparação entre Rio e São Paulo. O governo paulista foi o segundo que mais cortou a verba da área em valores absolutos: R$ 779 milhões, retração de 6%.

Em termos per capita, São Paulo gasta metade do que o Rio: R$ 254, contra R$ 511 destinados aos fluminenses.

Mas São Paulo é líder absoluto entre os estados no investimento em informação e inteligência. Colocou em 2017 R$ 279 milhões na área —quase metade de todo o gasto feito pelos estados em inteligência, que foi de R$ 482 milhões. 

O Rio está no extremo oposto. O dado mais preocupante para os especialistas é a queda na verba para informação e inteligência.

O valor gasto era diminuto em 2015: menos de R$ 24 mil. No ano passado, despencou para R$ 2.470. A título de comparação, a quantia é insuficiente para comprar duas pistolas com o desconto aplicado a governos.

“É brincadeira, né?”, diz o economista Daniel Cerqueira, conselheiro do Fórum Nacional de Segurança e pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). 

“O coração do combate ao crime nos países desenvolvidos está na área de informação e inteligência, que permite o mapeamento dos grupos e de como eles agem para levar à prisão dos cabeças das organizações”, afirma.

“No Brasil, mas especialmente no Rio, a polícia prende o pequeno criminoso, o aviãozinho; na cadeia, ele precisa escolher uma facção e, quando sair, fica em dívida com a organização para o resto da vida. O Estado arregimenta quadros, em massa, para o crime organizado.”

Tanto Piquet quanto Cerqueira afirmam, porém, que não há dúvidas de que cortes severos e aleatórios do dinheiro da segurança levam à deterioração da infraestrutura e, claro, também dos serviços prestados à população.

O grosso do dinheiro dos estados vai para a folha de pagamento, em especial para aposentadorias. Assim, numa crise severa, é aí que a conta estrangula. No Rio, policiais ficaram com os salários atrasados —e até hoje há pendências, como parte do 13º salário de 2017.

“O cerne do problema do gasto com segurança no Rio está na folha de pagamento  que drena de 80% a 90% do dinheiro. Se não mexer na estrutura, não tem solução”, diz José Roberto Affonso, pesquisador do Ibre/FGV (Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas).

Já se sabe, porém, que apenas passar a tesoura nos salários pode ter o efeito oposto. Em 2016, o governo do Espírito Santo represou o reajuste das polícias para equilibrar as contas. Inconformados, os PMs entraram em greve no começo de 2017.

Os 21 dias de paralisação deixaram mais de 200 mortos e um rastro de violência. Em 2016, o estado registrou o menor índice de homicídios em 28 anos; nos quatro primeiros meses de 2017, houve alta de 36%. “Faltou diálogo do governo”, diz o sargento Renato Martins Conceição, presidente da Associação de Cabos e Soldados do estado.

DOAÇÕES E MEIA FROTA

Sem recursos, a área de segurança pública do Rio de Janeiro passou nos últimos anos por um processo de sucateamento, com impactos na disponibilidade de viaturas, na qualidade do armamento e até 
na oferta de insumos administrativos. 
 
Delegacias da Polícia Civil, por exemplo, vêm recorrendo a doações de materiais de escritório para conseguir manter as suas atividades.
 
“Faltam papel, tinta de impressora, materiais básicos”, diz Rafael Barcia, presidente do Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Rio (Sindepol).
 
O primeiro pedido de socorro nesse sentido foi feito em dezembro de 2016, com a publicação no “Diário Oficial” do estado de um programa batizado de “Juntos com a Polícia”.
 
O projeto pedia a empresas para “colaborarem com doação de bens e serviços para a Polícia Civil”.

Hoje, afirmam equipes da segurança, até a fita que isola os locais para perícia de crimes vem de doadores privados.

O atendimento à população é prejudicado também pela falta de pagamento a fornecedores: não há mais atendentes nas delegacias, e os serviços de limpeza estão sendo prestados de forma irregular.

“Isso explica muito o caos em que a gente está vivendo agora. A Polícia Civil está abandonada”, afirma Barcia.
 

FORA DE CIRCULAÇÃO

Na Polícia Militar, responsável pelo patrulhamento das ruas, faltam veículos, pessoal e equipamentos. A PM contabiliza uma frota de 6.585 viaturas, das quais apenas 3.323 estão em serviço. 

Do restante, 1.838 estão em manutenção, 189 paradas para inquéritos e 1.335 são irrecuperáveis e estão sendo desativadas. 

“Às vezes a viatura enguiça em meio à perseguição, o que coloca em risco a vida dos PMs”, diz o presidente da Associação de Praças da Polícia Militar e dos Bombeiros Militares do Rio, Vanderlei Ribeiro.

Ele diz que o armamento e coletes à prova de balas usados pelos policiais são antigos e oferecem risco para os agentes. 

“Espero que a intervenção seja um pontapé inicial na reestruturação da segurança pública do Rio”, afirmou Ribeiro.

RETOMADA

A PM afirma que retomou em dezembro a manutenção de um lote de 748 viaturas, com 50 oficinas credenciadas.

Em abril, começam a chegar veículos novos de um contrato de 580 encomendados por R$ 37,6 milhões no fim de janeiro.

Além disso, prepara uma licitação para a compra de 170 camburões, avaliados em R$ 25,2 milhões.

O governo Pezão comentou os números sobre a diminuição dos recursos para a segurança no período de 2015 a 2017. 
 

OUTRO LADO

Procurado pela Folha, o governo do Rio não comentou os cortes na área de segurança entre 2015 e 2017. Só disse que, especificamente em 2016, houve R$ 2,9 bilhões adicionais do governo federal devido à Olimpíada.

O governo do ES diz que seu corte foi “discreto” e necessário devido à recessão. “A prioridade era manter o pagamento em dia de todos os servidores”, disse o secretário de segurança, André Garcia. 

Ele diz que, em 2017, reforçou a PM com 400 viaturas e fuzis e avalia reajuste salarial.

Colaboraram Nicola Pamplona, do Rio, e Carolina Linhares, de Belo Horizonte

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