Ficha carcerária do Pará derruba versão oficial sobre mortes em presídio

Ao contrário do que divulgou governo, nenhum suposto invasor foi morto

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Familiares choram durante velório de Pedro Paulo Batista Martins, um dos detentos mortos durante tentativa de fuga do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará 3, na Grande Belém
Velório de Pedro Paulo Batista Martins, um dos detentos mortos durante tentativa de fuga do Centro de Recuperação Penitenciário do Pará 3, na Grande Belém - Bruno Santos - 12.abr.2018/ Folhapress
Belém

Um cruzamento feito pela Folha entre as fichas cadastrais do sistema penitenciário e a lista de mortos em presídio da Grande Belém derruba parte e coloca em xeque outros pontos da versão oficial do governo do Pará sobre a tentativa de fuga que terminou com 22 mortos na última terça (10).

O governo de Simão Jatene (PSDB) havia informado que: 1) presos que tentaram fugir contaram com a ajuda de criminosos do lado de fora do complexo, e as mortes se deram durante os confrontos; 2) entre os mortos, além de 16 presos e de um agente carcerário, havia cinco integrantes do grupo invasor do presídio.

Nesta quinta (12), porém, a reportagem teve acesso à lista desses cinco supostos invasores mortos e, ao cruzar com as fichas do sistema carcerário paraense, descobriu que todos eram na verdade presos —da unidade do semiaberto.

As listas foram obtidas extraoficialmente pela Folha. O governo paraense não havia divulgado os nomes dos mortos até então, sob a alegação de ainda estar ocorrendo a identificação de todos.

Na quarta (11), disse inclusive ter confirmado os nomes de três mortos integrantes do grupo invasor e que não faziam parte da massa carcerária.

Confrontada pela reportagem nesta quinta, a gestão Jatene recuou e mudou de versão. Admitiu que todos os mortos são detentos do sistema prisional e afirma agora que houve uma falha na identificação do trio. Diz, porém, que a versão divulgada não estava totalmente errada.

O governo divulgou desde terça que um grupo de detentos iniciou um motim, enquanto criminosos do lado de fora tentavam uma invasão para resgatá-los da prisão —utilizando até explosivos.

O confronto com detentos e com esse grupo externo, segundo a gestão estadual, resultou nos 22 mortos —um deles morreu só nesta quinta.

O coronel André Luiz de Almeida e Cunha, secretário-adjunto da Secretaria de Segurança, disse à Folha que a versão de que havia um grupo do lado de fora do presídio ainda está mantida, apesar da confirmação dos cinco mortos que eram detentos.

“Sim, eles são internos. Mas isso não tira deles o rótulo de serem membros da equipe de apoio externo.”
O estado diz que essa equipe de apoio seria formada por criminosos armados que atiraram contra as guaritas dos policiais que tentavam evitar a fuga dos presos da unidade.

O governo paraense decidiu divulgar na noite desta quinta uma nota com os nomes da maioria dos mortos —mas sem falar em invasores.

CIRCUNSTÂNCIAS

Esses cinco homens classificados inicialmente de forma equivocada pelo estado foram mortos em um setor do complexo prisional chamado de colônia —e reservado a presos do regime semiaberto e de baixa periculosidade. As circunstâncias dessas mortes ainda são desconhecidas.

O próprio secretário admite que ainda não há provas da participação desses cinco no ataque. A advogada Ivanilda Pontes, do conselho estadual penitenciário, diz que funcionários da unidade afirmaram para ela que nenhum deles teve ligação com esse episódio.

Já os outros 16 morreram do lado externo dos muros da unidade, quando tentavam alcançar uma mata nos fundos da prisão. Com agentes como reféns, eles haviam chegado até ali após usarem explosivos para abrir buracos nas paredes do presídio e cortarem a cerca de alambrados.

O governo diz que esses 16 foram mortos pelos sentinelas das muralhas durante troca de tiros, já que teriam saído atirando contra os PMs.

Todos eles aparecem em vídeo gravado logo depois do fim da troca de tiros. Estão espalhados pelo gramado e vestidos de camisetas com cores vermelha ou laranja, que fazem parte do uniforme.

Já a unidade do semiaberto, segundo a versão oficial, teria sido usada como uma das rotas dos criminosos invasores para atacar os sentinelas das unidades ao lado.

RELATO

O relato da mãe de um dos mortos torna mais obscuras as circunstâncias do episódio. Ela afirmou ter falado com seu filho no final da tarde de terça e, segundo ela, ele afirmava que a tentativa de fuga com troca de tiros já havia ocorrido no complexo.

“Ele me ligou dizendo: ‘Mãe, venha me buscar’”, disse a dona de casa Cristiane do Socorro Costa de Oliveira, 40, mãe do preso Carlos, 25.

O rapaz, segundo ela conta, estava preso em regime semiaberto havia três meses por ter sido apanhado com um carro roubado e iria ao regime aberto ainda neste mês. “Me disseram que ele foi morto na rede”, disse a mãe.

O complexo penitenciário é dominado pela facção criminosa Comando Vermelho e, no total, reúne 3.500 presos, em 9 unidades, entre elas a do centro de segurança máxima —estopim do conflito.

Neste espaço, a capacidade é para 432 detentos, mas abrigava 660, em condições definidas como “péssimas”, segundo relatório do CNJ (Conselho Nacional de Justiça).

O órgão divulgou um relatório em fevereiro deste ano dizendo que as fugas em massa eram recorrentes, apontando uma série de fragilidades e cobrando providências.

Ele solicitava a construção urgente de uma muralha para isolamento da unidade e pedia uma solução para a “profunda superlotação”.

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