Hidrantes secos forçaram racionamento no combate a chamas em prédio de SP

Bombeiros reduziram a pressão nas mangueiras e só usaram caminhão-pipa

Bombeiros trabalham no combate a incêndio em prédio de 26 andares invadido por sem-teto no centro de São Paulo
Bombeiros trabalham no combate a incêndio em prédio de 26 andares invadido por sem-teto no centro de São Paulo - Willian Moreira - 01.mai.18/FuturaPress/Folhapress
São Paulo

​O combate às chamas no prédio que desabou na semana passada foi dificultado pela falta de água em hidrantes da região central de São Paulo. Isso obrigou os bombeiros a adotarem uma espécie de racionamento no auge do combate ao incêndio, com a redução da potência de jatos das mangueiras direcionadas ao fogo.

A economia forçada de água ocorreu em uma estratégia para que as mangueiras não ficassem completamente secas enquanto os caminhões-pipa da corporação se revezavam em ação de apoio à operação.

Entenda aqui o que já se sabe sobre o desabamento de prédio em SP

O reservatório de um caminhão com 20 mil litros de água dura aproximadamente 11 minutos em uma ação de combate ao fogo. Dessa forma, há necessidade de logística para fazer reabastecimentos no caso de grandes incêndios.

Essa estratégia se tornou rotina no trabalho dos bombeiros da capital em razão da pequena quantidade de hidrantes espalhados pela cidade e, ao mesmo tempo, do sistema adotado pela Sabesp de reduzir a pressão na tubulação durante noites e madrugadas.

A empresa do governo do estado adota essa medida para evitar vazamentos desnecessários nos canos em períodos de baixo consumo de água.

“Faltou água. A gente lamenta, mas é uma realidade”, disse o major Henguel Ricardo Pereira, que participou dos trabalhos do dia 1º de maio.

“Não tem água em São Paulo durante a noite, a rede de hidrantes é pequena. Aí, não tem jeito. Falta água. É um problema comum. Falta água.”

Segundo o oficial dos Bombeiros, no caso do incêndio no prédio de vidro, todas as viaturas que se deslocaram ao largo do Paissandu tiveram dificuldade para trabalhar.

“A falta d’água na região foi tremenda. Infelizmente, a gente tem uma demora para reabastecer e tem que dosar o que está jogando de água para você não ficar sem água”, disse.

A questão da rede de hidrantes de São Paulo é, segundo bombeiros ouvidos pela reportagem, uma das discussões que precisam ser travadas após a tragédia, que deixou ao menos dois mortos e outros seis desaparecidos.

De acordo com esses mesmos oficiais, porém, ainda que houvesse água em abundância na região, seria praticamente impossível controlar o incêndio em razão das características do edifício e da forma como as chamas se alastraram.

O prédio invadido pelos sem-teto tinha muito material inflamável, como papelão e madeira, e a retirada dos elevadores transformou os buracos em verdadeiras chaminés, que jogavam o calor para os andares superiores do prédio.

“Bombeiro nenhum do planeta conseguiria apagar um fogo daquele”, disse o coronel da reserva Sérgio Roberto da Costa Athayde, oficial dos Bombeiros por 20 anos e que ajudou a implantar modelos de combate a incêndio em 17 estados do país.

Para ele, além da rede hidrantes na capital, o incêndio tornou premente a discussão sobre a forma de construção de prédios. Segundo o oficial, projetos arquitetônicos não podem ser divorciados de normas de segurança —caso do edifício que desabou. ​

“Os arquitetos se preocupam, na maioria das vezes, em fazer prédios cada um mais bonito do que o outro. Oscar Niemeyer é um ícone da arquitetura do Brasil, mas suas obras são máquinas de matar gente. O Memorial da América Latina, o teatro que pegou fogo, é um forno. Ali, se pegar fogo durante uma exposição, vai morrer gente torrada.”

Ex-comandante dos Bombeiros de São Paulo, o coronel Wagner Bertollini Junior afirma que a queda do prédio também trará mudança na forma como os bombeiros trabalham. Isso porque, segundo ele, o protocolo da corporação para incêndios tinha previsão de queda de um prédio após ao menos três horas de chamas intensas.

Depois desse tempo, a área de isolamento é ampliada para evitar mortes no entorno em caso de desabamento. Mas, no caso do prédio de vidro, o colapso ocorreu com apenas uma hora e meia de chamas.

Para o coronel Reginaldo Campos Repulho, também ex-comandante dos Bombeiros, outra discussão motivada pelo desabamento é a importância da fiscalização periódica em imóveis como esse. “Este [incêndio] é um aprendizado.”

No estado de São Paulo, como mostrou a Folha, os bombeiros não têm poder de polícia para multar ou para interditar prédios inseguros.

Procurado, o Ministério Público de São Paulo não quis se manifestar sobre uma ação, movida pela entidade, que obrigava o município e o estado a resolverem juntos os problemas dos hidrantes.

A ação foi proposta com base em um relatório feito pelo Corpo de Bombeiros em 2014. Segundo o documento, apenas 95 dos 948 equipamentos na capital estavam funcionando normalmente

OUTRO LADO

Procurada, a Sabesp informou que montou um esquema especial para atender os bombeiros na região do largo Paissandu durante o incêndio, incluindo o emprego de cinco caminhões-pipa.

A empresa informou ainda ter “válvulas estratégicas com acionamento à distância”, que permitiram dar vazão mais adequada à água de tubulação durante os trabalhos de combate ao fogo.

Já a Prefeitura de São Paulo disse estar concluindo um plano de gestão dos hidrantes. Segundo o órgão, o projeto tem o objetivo de “estabelecer um processo permanente de monitoramento, manutenção e implantação de equipamentos”, que inexiste até hoje de forma articulada. 

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