Juízes e ministro querem lei para gravar conversa de presos com advogados

Ideia é evitar que detentos usem defensores para transmitir ordens

Rubens Valente
Brasília

Juízes federais defenderam nesta segunda-feira (3) em Brasília que os presídios federais passem a gravar as conversas entre advogados e presos das quatro penitenciárias federais no país. Eles querem saber se os presos estão usando advogados para transmitir, a criminosos fora dos presídios, ordens de ataques de facções a prédios públicos, ônibus e servidores públicos.

Há atualmente 422 internos nos quatro presídios federais, dos quais 28,6% são ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital) e 20,8% ao CV (Comando Vermelho), segundo dados do Depen (Departamento do Sistema Penitenciário Nacional).

A ideia é apoiada pelo ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, mas enfrenta resistência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). Mudanças na lei que trata dos presídios federais são tratadas em workshop realizado no Conselho de Justiça Federal, em Brasília.

Jungmann disse a jornalistas que uma proposta nesse sentido, recebida dos juízes federais semanas atrás, já se encontra em estudo na assessoria jurídica do Palácio do Planalto, que poderá encaminhá-la ao Congresso na forma de um projeto de lei.

A posição dos juízes foi divulgada pelo juiz corregedor do presídio federal de Mossoró (RN), Walter Nunes da Silva Júnior, e pelo corregedor-geral da Justiça Federal, o ministro do STJ (Superior Tribunal de Justiça) Raul Araújo, em suas palestras na cerimônia de abertura do evento.

Silva Júnior disse que a lei de 2008 que tratou dos presídios federais foi feita de forma emergencial e precisa ser aperfeiçoada. Os juízes querem gravar não só as conversas entre advogados e clientes, nos parlatórios, mas também as conversas entre presos nas áreas de convivência, como a do banho de sol diário.

Eles querem ainda que as chamadas “visitas íntimas” —encontros entre presos e mulheres—​​, hoje vetadas em presídios federais, sejam expressamente proibidas na nova lei.

“São temas delicados e relevantes, mas é preciso que o Parlamento decida como será o sistema penitenciário federal”, disse o ministro Araújo, para quem a “sociedade está assustada e até acuada com o nível atual de violência”.

O juiz federal de Mossoró disse que as lacunas da atual legislação têm exposto os agentes penitenciários e os juízes “perante os presos e notadamente as organizações criminosas” porque “é crescente o sentimento de revolta sob argumento de que [os agentes] são opressores porque impõem coisas não previstas em lei”.

“Uma organização criminosa executou, mandou matar três agentes penitenciários. O 'salve' [ordem dada pelas facções] continua aberto, a situação é de alerta geral. Isso vale para agentes e juízes. Há juiz diariamente ameaçado andando com escolta”, disse o juiz Silva Júnior.

Aos jornalistas após o evento, o ministro Jungmann disse que a proposta de mudança da lei, em estudo no Planalto, definirá de que forma e com quem seriam armazenadas as gravações. Segundo ele, a ideia é permitir averiguar as conversas não sobre aspectos da defesa jurídica do preso, mas sim sobre fatos ligados a crimes cometidos fora dos presídios.

As iniciativas dos juízes e do ministro Jungmann encontram resistência da OAB. Em maio passado, o presidente nacional da Ordem, Claudio Lamachia, disse que a privacidade das conversas entre réus e seus advogados é preservada por lei. “Nós precisamos enfrentar a criminalidade, mas não se combate o crime cometendo um outro crime. Qual o outro crime? Desrespeitar a lei. A conversa entre o advogado e o cliente é inviolável por lei e pela Constituição Federal. Isso não é uma garantia só dos advogados, mas da própria sociedade, do cidadão. É algo inerente a um estado democrático de direito”, disse o presidente da OAB.

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