Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Nunca mais vou ver isso, pai?, perguntou Matias, 5, hipnotizado por fogo em museu

Matias não conseguia parar de olhar para a TV e chorou ao saber que havia múmias

José Roberto Torero

As chamas que queimavam o Museu Nacional hipnotizaram meu filho Matias, de cinco anos. Ele não conseguia parar de olhar para a tevê. Só depois de algum tempo me perguntou: “Que prédio é esse?”.

Respondi que ele tinha mais de 200 anos, que era uma mistura de museu e escola, e que se chamava Museu Nacional. Também poderia ter dito que era o museu mais antigo do Brasil e que quase 200 mil pessoas o visitaram no ano passado.

Poderia ter dito que, vinculado à UFRJ, ele abrigava cientistas e alunos com produção científica em áreas como paleontologia, arqueologia, geologia, antropologia e entomologia, que ele era muito importante e que atraiu visitantes ilustres como Albert Einstein e Marie Curie, mas que o último governante a visitar a instituição foi Artur da Costa e Silva, em 1968, durante a ditadura.

Depois disso, nem a comemoração do bicentenário do museu contou com a presença de um ministrinho sequer. Um desprezo histórico e que deve continuar, porque apenas 2 dos 13 programas presidenciais (Rede e PT) usam a palavra “museu” em seus textos. Mas achei que era informação demais.

Matias, ainda olhando as chamas, fez cara de curioso e disse: “Por que isso pegou fogo?” Essa pergunta era mais difícil. O que eu deveria responder?

Que os repasses do governo federal para o Museu Nacional caíram de R$ 1,3 milhão em 2013 para R$ 643 mil em 2017? Que de janeiro a agosto deste ano o governo gastou apenas R$ 98 mil com o museu, quando no mesmo período, em 2013, a verba foi de R$ 666 mil, uma queda de 85%? Que a UFRJ, que administra o museu, repassou à instituição R$ 709 mil em 2013, mas, no ano passado, apenas R$ 166 mil?

Talvez isso lhe desse a impressão de que faltava dinheiro. Mas não é bem assim. Com o valor gasto na reforma do Maracanã para a Copa seria possível bancar 2.000 anos de manutenção básica do Museu Nacional.

Os R$ 268,4 mil gastos pelo Museu Nacional em 2018 equivalem a dois minutos do custo da máquina judiciária. E os R$ 520 mil anuais para a manutenção básica do Museu Nacional são menos do que a Câmara dos Deputados gasta por ano para lavar seus 83 carros oficiais.

Achei que esses números seriam muito complicados, apesar de Matias já contar até mil. Então respondi apenas levantando os ombros e apertando os lábios, o que na minha língua paterna quer dizer “Não faço ideia”.

O questionário ainda não tinha acabado. Matias perguntou o que tinha dentro daquele prédio. Falei que havia coisas espetaculares, como o Dino Prata, um fóssil de dinossauro com esqueleto de 13 metros de comprimento, e tinha muitas relíquias de índios, de africanos e de egípcios.

“De egípcios?!”, ele perguntou e exclamou ao mesmo tempo. Aí eu percebi que teria um problema. É que Matias é apaixonado pelo Egito Antigo. Não sei explicar como isso começou, mas ele torceu pela seleção egípcia na Copa, prefere Salah a Neymar e o tema de sua festa de cinco anos não foi um super-herói da Marvel nem personagens da Disney, mas múmias, faraós e pirâmides. Tenho fotos para provar. 

Quando percebi que me movia em terreno movediço, preferi não contar que o Museu Nacional abrigava a maior coleção de arte egípcia da América Latina, boa parte arrematada por Dom Pedro 1º em um leilão de 1826, numa época em que o comércio de antiguidades do Egito ainda era legal.

Não contei que a coleção egípcia possuía 700 itens, nem que uma das principais peças era o sarcófago de Sha-Amun-em-su, uma cantora do santuário do deus Amun, presente do vice-rei do Egito ao imperador D. Pedro 2º durante sua viagem ao país, em 1876.

Mas tive que contar que havia múmias.

Foi o que bastou. Matias começou a chorar. Um choro triste, decepcionado, daqueles que não adianta assoprar nem prometer chocolate. Aí ele me perguntou: “Eu nunca mais vou ver isso, pai?”

E eu respondi: “Nunca mais, Matias.”

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