Caso Marielle é exemplo de como tecnologia pode ajudar a solucionar crimes

Policiais usaram dados de telefonia e de aplicativos para chegar aos acusados

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Bruno Fávero
Rio de Janeiro

A prisão do PM reformado Ronnie Lessa e do ex-PM Élcio Queiroz, acusados de matar a vereadora Marielle Franco, ilustra o que há anos é um mantra de especialistas em segurança pública no Brasil: para melhorar a resolução de crimes, é preciso investir em tecnologia e inteligência.

A investigação do assassinato usou uma combinação de diferentes técnicas que incluem extrair e analisar informações de telefones, câmeras de segurança, radares inteligentes, torres de celular e aplicativos para chegar aos suspeitos, além de uma força-tarefa envolvendo dezenas de policiais.

O uso dessas tecnologias não é inédito —outros casos famosos como o assassinato da juíza Patrícia Acioli, em 2011, e o roubo da joalheria Lisht, no Rio, em 2016, usaram recursos similares—, mas tampouco é a regra das polícias brasileiras.

"São técnicas pouco utilizadas porque demandam tempo e domínio da manipulação de dados, que não faz parte da cultura de investigação brasileira. A gente pode achar um caso ou outro, principalmente os de grande repercussão, mas não é o mais comum", diz Vasco Furtado, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutor em ciência da computação.

Para a investigação do assassinato de Marielle, 47 policiais da Delegacia de Homicídio do Rio e quase toda a equipe de tecnologia do Ministério Público do Estado ficaram exclusivamente dedicados ao caso.

"O uso desses recursos é muito trabalhoso e exige gente especializada, custa tempo e dinheiro, então a gente não usa em qualquer demanda, depende do nível de complexidade do crime", diz a promotora Elisa Fraga, coordenadora do CSI (Centro de Segurança e Inteligência) do MP-RJ.

Um especialista em segurança pública de uma grande empresa de tecnologia, que quis permanecer anônimo, afirma que um caminho para aumentar a frequência de uso dessas tecnologias é investir em equipamentos que economizem o tempo dos investigadores.

A rede de telefonia é um exemplo. Ele explica que em alguns países, como os Estados Unidos e Israel, as torres de celular têm um equipamento que facilita a localização dos telefones. Já no Brasil, que não usa esse recurso, estimar onde está um aparelho depende de cálculos e triangulações trabalhosos e demorados.

Para Furtado, além do gasto em aparato, é preciso investir nas formação dos profissionais para lidar com essas tecnologias e também em uma reestruturação para agilizar certos processos, como a requisição de dados para a Justiça. "A análise pelo Judiciário de pedidos de dados sigilosos tem que ser criteriosa e levar em conta o direito à privacidade, mas precisa ser célere", afirma.

Apesar dos apelos de especialistas por mais atenção à área, o investimento dos governos em inteligência tem caído. Segundo estimativa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a verba investida em "Informação e Inteligência" foi de R$ 1,38 bilhão para R$ 624 milhões (queda de 54%) de 2016 para 2017, último dado disponível.

Mesmo com essas dificuldades, há sinais de que o uso de evidências digitais nas investigações esteja aumentando –nunca empresas de tecnologia receberam tantos pedidos de cessão de dados de usuários por autoridades brasileiras quanto em 2018.

CASO MARIELLE

Com poucas provas convencionais como impressões digitais, testemunhas e amostras de DNA, o uso de grandes volumes de dados foi crucial para chegar aos suspeitos de assassinar Marielle.

Segundo o delegado Giniton Lages, responsável pelo caso, a investigação começou a afunilar quando polícia recebeu uma dica no Disque-Denúncia que acusava o policial reformado Ronnie Lessa de participar do crime e indicava de onde ele teria saído com seu carro para matar a vereadora.

Com essa informação, a polícia, que já sabia que o carro dos assassinos era um Cobalt prata, passou a analisar imagens de múltiplas câmeras de segurança e de radares inteligentes para tentar traçar o trajeto exato feito pelos criminosos.

Processou cerca de 760 Gbytes de dados até descobrir todo o caminho, do Quebra-Mar, na Barra da Tijuca, de onde saiu o veículo, até o cruzamento das ruas Joaquim Palhares e João Paulo I, onde Marielle foi morta.

Após estabelecer o percurso, os policiais então requisitaram dados de 2.428 torres de telefonia nas imediações e analisaram mais de 33 mil linhas para tentar descobrir quais aparelhos estavam no carro e, assim, chegar ao autores.

Cada torre, chamada de estação rádio-base (ERB), registra o número de identificação e os metadados (informações sobre horário, duração e destino de ligações e mensagens) de todos os aparelhos em seu raio de cobertura. Por lei, as empresas telefônicas têm que armazenar essas informações por cinco anos e disponibilizá-las às autoridades se a Justiça assim determinar.

Com os dados das ERBs, a polícia pôde verificar quais linhas telefônicas foram usadas nos locais por onde o carro passou e, assim, refinar a busca pelos aparelhos dos suspeitos. Segundos os investigadores, das 33 mil linhas analisadas, 318 foram grampeadas.

Por fim, os investigadores também obtiveram a quebra do sigilo dos dados dos aplicativos de celular usados pelos suspeitos. Essas informações também podem ser obtidas com autorização judicial e são guardadas por empresas de tecnologia como Google, Apple e Microsoft.

Verificou-se que, no dia anterior ao crime, Lessa fez uma busca pelo endereço de Marielle e, antes disso, procurou por armas e equipamentos similares aos que foram usados no assassinato, reforçando a suspeita de que era o autor do crime.


Pedido de autoridades por dados de aplicativos cresce no Brasil

Dados de grandes empresas de tecnologia mostram que autoridades brasileiras têm recorrido cada vez mais ao uso de dados para investigar crimes. Veja a evolução entre 2013 e 2018:

DADOS OFICIAIS
Cresce o número de requisições de dados feitos a empresas de tecnologia por autoridades brasileiras
           
Semestre Apple Google Facebook    
2018/1 612 1620 2991    
2017/2 498 1345 2529    
2017/1 287 1046 2056    
2016/2 197 1011 1819    
2016/1 111 874 1751    
2015/2 82 912 1655    
2015/1 32 774 1265    
2014/2 27 784 1212    
2014/1 14 684 1307    
2013/2 24 1085 1165    
2013/1 42 1239 715    
           

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