Remoção de grafite em prédio gera polêmica em São Paulo

Desenho foi assinado pelos artistas latino-americanos Inti e Alexis Diaz

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São Paulo

A remoção parcial de um grafite da parede de um edifício que contorna a praça das Artes, na região central da capital paulista, colocou a secretaria de Cultura, comandada por Alê Youssef, no centro de uma polêmica.

O grafite semiapagado mostrava uma mulher com aparência de um cadáver coberta por um manto —a obra preenchia 300 metros quadrados da parede. O desenho foi assinado pelos artistas latino-americanos Inti (Chile) e Alexis Diaz (Porto Rico).

A dupla usou tinta nanquim e levou um mês para concluir o trabalho que integrou a 1ª edição (2015) do O.bra, festival internacional de arte de rua sediado na capital paulista.

Grafite em edifício que contorna a praça das Artes é apagado pela gestão Bruno Covas (PSDB)
Grafite em edifício que contorna a praça das Artes é apagado pela gestão Bruno Covas (PSDB) - Reprodução

Nesta terça (19), a "mulher cadáver" começou a ser coberta por uma tinta cinza a mando da secretaria de Cultura chefiada por Youssef. O processo parou com a chegada de Kleber Pagú, produtor e ativista cultural de São Paulo.

Pagú disse à reportagem da Folha que precisou literalmente "desligar as máquinas" para conter o que ele chamou de um ato "arbitrário e desnecessário". "Fiz um protesto, gritei e pedi para eles pararem. Como ninguém me ouviu, desliguei as gruas que eles usavam para cobrir o grafite de cinza", disse.

O ativista afirmou que livrou o espaço do mesmo destino da 23 de maio, avenida que perdeu uma dezena de grafites para um jardim vertical concebido pelo hoje governador João Doria. E ainda fez mais.

Denunciou o ocorrido em uma carta que chegou nesta quarta-feira (20) às mãos do juiz Adriano Marcos Laroca, da 12ª Vara da Fazenda. O magistrado é o mesmo que condenou em fevereiro a Prefeitura de São Paulo e Doria a pagarem uma indenização de R$ 782 mil pela remoção dos grafites na 23 de maio.

Na carta, o ativista pediu "socorro" e afirmou que os ataques ao grafite dão "erroneamente a ele uma característica de efêmero, quando na verdade é, sem dúvida, a arte de maior resistência da qual temos conhecimento". 

Pagú ainda pediu ao magistrado que os valores resultantes das multas decretadas em sua sentença no caso dos grafites da 23 de maio fossem "revertidos para a arte urbana, por meio de editais de convocação pública".

A Folha procurou o juiz Adriano Laroca, mas ele ainda não havia se manifestado sobre o pedido do ativista.

A carta que chegou ao juiz Adriano Laroca também foi assinada pela produtora cultural Vera Santana, uma das organizadoras do festival O.bra. Ela disse que também foi pega de surpresa. "Ninguém me avisou sobre a remoção. Eu fiz o contrato com o dono do imóvel e deveria saber do processo até para informar os artistas que o trabalho deles estava indo para o ralo", afirmou.

Grafite de prédio que contorna a praça das Artes é apagado pela secretaria de Cultura de SP
Grafite de prédio que contorna a praça das Artes é apagado pela secretaria de Cultura de SP - Divulgação

Santana afirmou que o primeiro contrato firmado com o condomínio Guanabara estipulava a permanência do grafite no espaço por um ano. O acordo foi prorrogado até vencer em 2017. Depois disso, o proprietário do imóvel teria autonomia para fazer o que quisesse com o desenho, inclusive, removê-lo.

Mariana Rolim, diretora do Departamento de Patrimônio Histórico da cidade, confirma. "Em caso de imóveis privados, o proprietário tem total autonomia tanto para fazer como para remover grafite."

Segundo nota da secretaria de Cultura, "o imóvel que acolhia a obra é privado e o contrato já estava vencido, assim, foi feita uma mediação no sentido de garantir que fosse realizada uma nova intervenção." 

"Mas sempre insistimos pela permanência da obra. Doamos tintas ao condomínio para o grafite não sair de lá. Havia um ativismo com aquilo", completou Santana.

O processo de remoção do grafite foi tocado por Luan Cardoso e Marcelo Instagrafite, outros dois produtores do festival O.bra —tudo sob a chancela da prefeitura. Eles conseguiram um novo contrato até dezembro de 2021 com o dono do imóvel.

Após a polêmica, a pasta da Cultura afirmou que o mural não vai mais ser pintado de cinza, e que os artistas Inti e Alexis serão trazidos novamente a São Paulo para fazerem um novo grafite no local. A data não foi divulgada porque depende da disponibilidade da agenda dos artistas.

A nota diz ainda que os artistas foram informados com antecedência sobre a retirada da obra e concordaram com isso. 

"A nova obra vai dialogar com o projeto de reabertura da Praça das Artes, que será reinaugurada no sábado (23) com enfoque no direito à cidade, ocupação de espaços públicos e multiculturalismo", segundo trecho do comunicado da pasta.

"O que me deixa triste é o descaso com o dinheiro público. Agora, eles vão pagar passagem, estadia e materiais para os mesmos artistas fazerem uma nova obra. Não faz sentido", conclui Vera Santana.

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