Prédios sob risco são reocupados um ano após desabamento no Paissandu

Três edifícios interditados depois de tragédia no centro sofreram novas invasões

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São Paulo

Um dia após o desabamento do edifício Wilton Paes de Almeida, no largo do Paissandu, região central de São Paulo, a gestão Bruno Covas (PSDB) lançou uma força-tarefa destinada a vistoriar os edifícios ocupados na cidade e apontar medidas para mitigar situações de risco que pudessem evitar que tragédia semelhante se repetisse.

Ocupado por sem-teto, o prédio desabou na madrugada de 1º de maio de 2018 após um incêndio tomar conta da construção. Nove pessoas morreram na ocasião.

Um ano depois, prédios que foram interditados pela prefeitura à época por apresentarem riscos consideráveis de acidentes já estão totalmente ou parcialmente reocupados. Dos cinco prédios que foram desocupados, ao menos três estão nessa situação.

A prefeitura diz sofrer com a inércia de proprietários dos prédios em situação de risco, que ouvem as recomendações e não tomam atitudes para melhorar as instalações. 

Na rua da Independência, no Cambuci, região central, um prédio de quatro andares é residência de cerca de 50 pessoas, que dizem não fazer parte de qualquer movimento organizado por moradia. Eles estão lá há quatro meses.

Adilson Godoy, 49, liderança da ocupação, diz que as famílias que lá moram não são as mesmas que lá estavam antes da interdição no ano passado, ocorrida logo após as vistorias, que transcorreram entre maio e junho. 

Godoy diz que os atuais moradores estão fazendo melhorias para diminuir as condições de risco, como a retirada de todas as divisórias de madeira  —“agora é só concreto”.

As vistorias em 51 imóveis ocupados mostraram que 60,7% apresentam patologias físico-construtivas, ou seja, fissuras, infiltração, desagregação de materiais, entre outros. Ao procurar anomalias nas instalações da rede elétrica, a prefeitura encontrou fiação de chuveiro danificada em 79,2% deles. Tomadas em condições irregulares foram encontradas em 67,3%.

Em 22 imóveis também foram encontradas características que facilitariam um incêndio, como pavimentos e acabamentos em madeira, carpete ou outro material inflamável. A preocupação com fogo está relacionada ao fato de que o gatilho para a queda do Wilton Paes de Almeida foi um incêndio originado de um curto-circuito.

O “Caveirão”, na rua do Carmo, ao lado da praça da Sé, no centro, também foi desocupado e interditado pela prefeitura no ano passado. Caso emblemático, o edifício de 24 andares é considerado o único com danos estruturais significativos. Ou seja, se não forem tomadas medidas de adequação e os problemas se agravarem, pode vir a colapsar.

Aqueles que trabalham ou moram no entorno do prédio relatam que, a despeito da retirada daqueles que moravam ali, a rotina no edifício não mudou significativamente. Em número muito menor, ainda é possível ver algumas pessoas andando pelo esqueleto de prédio que forma a construção —o prédio não chegou a ser concluído e tem suas vigas e colunas todas expostas e esburacadas.

Flávia Silva, 33, é vizinha do prédio há 11 anos, e diz que há duas semanas um homem caiu sobre o telhado de sua casa.

“Quebrou as telhas. Ficamos bravos, mas depois ele explicou que estava atrás de um cobertor e escorregou. Entram lá muitos moradores de rua, especialmente quando chove. Quando o tempo está assim vários tijolos caem sobre a minha casa”, diz a ambulante.

Na avenida Vila Ema, na Vila Prudente, na zona leste, focos de reocupação também foram identificados pela prefeitura. O prédio, edificação da extinta padaria Amália, era habitado por cerca de 200 famílias à época da desocupação, também logo após a primeira rodada de vistorias.

No entanto, sem-teto voltaram a ocupar o local e a prefeitura tem feito ações continuamente para desocupá-lo.

“Há focos de reocupação em pelo menos dois [Cambuci e Vila Prudente], mas as subprefeituras têm adotado medidas para deixar as áreas congeladas e impedir qualquer espécie de invasão. Existem focos de reocupação, mas não há notícias de reocupação de fato”, diz o secretário de Habitação Aloísio Pinheiro.

Em 2018, a prefeitura fez a vistoria de 75 imóveis, 51 deles ocupados. Entre esses, 35 são particulares e 16 são públicos. 

Nos casos dos prédios particulares, diz Pinheiro, a prefeitura não consegue fazer, em um primeiro momento, mais do que apresentar recomendações de ações para diminuir os riscos. E que geralmente são ignoradas ou cumpridas apenas parcialmente pelos proprietários. Os três prédios reocupados são propriedades particulares.

O “Caveirão”, ruína de um prédio inacabado , no centro de SP, ocupado por sem-teto e que corre o risco de ruir
O “Caveirão”, ruína de um prédio inacabado , no centro de SP, ocupado por sem-teto e que corre o risco de ruir - Eduardo Anizelli - 02.mai.2018/Folhapress

“A responsabilidade é do proprietário, tanto pela guarda do imóvel ou se ele quiser entrar com reintegração de posse, é uma decisão dele. Entramos com uma série de recomendações para que não aconteçam sinistros ou tragédias naqueles locais”, explica o secretário.

Os cinco edifícios interditados pela prefeitura foram os que apresentaram os maiores riscos de acidentes. Atualmente, é estudada a possibilidade de solicitar à Justiça a demolição do Caveirão, já que o proprietário não tem cumprido demandas solicitadas e a construção apresenta riscos a seu entorno.

“A prefeitura pode se socorrer do Judiciário em alguma ação preventiva para, dependendo do relatório da Polícia Civil, evitar-se um desabamento ou qualquer outro tipo de sinistro. Que pode resultar em demolição, que é uma possibilidade real no caso do Caveirão”, diz o secretário.

A Defesa Civil faz, desde dezembro, uma nova rodada de vistorias, ainda não terminada, e diz que somente após a conclusão dela será possível avaliar o que foi feito ou não pelos proprietários. 

“Fizemos uma primeira reunião com lideranças de ocupações e percebemos, por meio de relatórios fotográficos, que grande parte das recomendações estão sendo adotadas, principalmente nas condições elétricas. Vamos conferir ocupação por ocupação se estão de acordo”, diz o secretário.

Em nota da assessoria de imprensa, a prefeitura diz que “todos os imóveis citados foram vistoriados e, pela situação de risco, foram lacrados, seja emparedando a entrada ou soldando os portões”. Afirma, ainda, que os locais apontados pela reportagem serão vistoriados novamente.

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