Decreto de Bolsonaro amplia acesso a armas para 19 milhões de pessoas

Cálculo é do Instituto Sou da Paz e leva em consideração beneficiados de quatro categorias

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São Paulo

Ao menos 19 milhões de pessoas poderão solicitar o porte de arma de fogo desde o decreto que flexibilizou o uso de armamentos passou a valer em todo o país.

A estimativa foi calculada pelo Instituto Sou da Paz. O estudo levou em consideração todas as pessoas que foram incluídas na medida publicada no Diário Oficial pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) nesta quarta-feira (8). 

Entre os beneficiados estão políticos, agentes penitenciários, repórteres policiais, conselheiros tutelares, funcionários de empresas de segurança privada e de transporte de valores, caminhoneiros autônomos de cargas e moradores de áreas rurais.

Para chegar aos 19 milhões, o instituto cruzou dados públicos existentes de quatro categorias.

A que tem o maior número de beneficiados é a das pessoas que vivem na zona rural e com idade superior a 25 anos. Nesse grupo, segundo a entidade, estão 18,6 milhões de pessoas. Na sequência estão mais 492 mil caminhoneiros autônomos, 30 mil conselheiros tutelares e 8.400 defensores públicos.

O instituto reitera que o número de pessoas que poderão andar armadas é bem maior, porque não existem dados disponíveis para as demais categorias —o decreto libera o porte para 20 categorias diferentes no total.

A reportagem da Folha, no entanto, contabilizou o número de pessoas que integram mais duas categorias contempladas pelo decreto: advogados e políticos.

Entre os advogados, o decreto deixa claro que só terão porte de arma os profissionais que atuam como agentes públicos —ou seja, os bacharéis de direito com algum cargo no funcionalismo público.

A OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) disse não saber a quantidade de advogados empregados nas esferas municipal, estadual e federal. Afirmou apenas que 1.212.765 profissionais estão com cadastro ativo na entidade.

Já entre os políticos, o decreto autoriza o porte de arma para quem ocupa cargo eletivo. A medida beneficia desde o próprio presidente, Jair Bolsonaro, aos milhares de vereadores do país.

Ao somar todas as vagas para os cargos de vereador, prefeito, vice-prefeito, deputado estadual, deputado federal, governador, vice-governador, senador, presidente e vice-presidente, o novo decreto alcança mais 70.774 pessoas.

Para o Instituto Sou da Paz, a ampliação do porte é a "medida com maior potencial danoso". "Esta medida ignora o consenso científico de que aumentar a quantidade de armas em circulação aumentará a quantidade de homicídios, especialmente na realidade brasileira de altos índices de criminalidade e de resolução violenta de conflitos", diz a entidade, por meio de nota.

POSIÇÕES CONTRÁRIAS

Segundo a última pesquisa do Datafolha, de dezembro do ano passado, 61% da população é contrária à liberação da posse de arma no país, e 68% também são contra facilitar o acesso das pessoas a armamentos.

Para Melina Risso, diretora do Instituto Igarapé, ao permitir o porte para "uma série de categorias que não dependem de arma e não têm treinamento adequado", o texto vulnerabiliza esses profissionais e os torna alvos. "É o que já acontece com policiais; muitos são mortos quando estão fora de serviço, mas armados."

Ainda facilita o acesso a armas pela criminalidade e o desvio de armamento, diz a diretora do Igarapé. 

A possibilidade de calibres mais letais na mão de pessoas comuns, "fragiliza as forças de segurança pública e coloca os policiais em risco". "É uma receita do fracasso." 

"É o maior retrocesso em relação ao tema que o país já viu", resume Risso.

Na posição contrária, o coronel da reserva da PM Marcel Lacerda Soffner, especialista em segurança pública, diz considerar a medida positiva.

"Antes a criminalidade tinha certeza que se deparasse com um caminhoneiro ele estaria desarmado. A partir de hoje, passa a existir o princípio da dúvida", afirma ele. 

Presidente da Associação Brasileira da Pela Legítima Defesa e ex-comandante metropolitano da PM paulista, o Coronel Jairo Paes de Lira considera o texto um "avanço que devemos comemorar", mas diz que ainda é pouco. 

"Não é tudo que esperávamos do governo. Achamos que não deveria haver distinção de categorias, todo cidadão de bem deve ter direito a arma", diz, referindo-se ao Estatuto do Desarmamento, de 2003, como "lei draconiana".

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