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Decreto de Bolsonaro é um déjà-vu autoritário

É inconcebível que um decreto altere lei votada no parlamento e discutida com sociedade

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Além de ferir gravemente o Estatuto do Desarmamento, o decreto presidencial que facilita o porte de armas de fogo e munições surpreendeu pela quantidade de “jabutis” que carrega em seu bojo. Ele amplia de forma irresponsável o porte para categorias formada por profissionais que não têm necessidade de portá-las, como jornalistas, caminhoneiros, advogados ou conselheiros tutelares.

Haverá um inédito incremento no número de armas nas ruas. Lamentavelmente, boa parte delas terminará nas mãos do crime organizado ou provocará mortes por conflitos banais. Mas esse não é o maior problema do decreto.

A medida assinada pelo presidente Jair Bolsonaro é claramente uma tentativa de enterrar o Estatuto do Desarmamento, que está em vigor no país desde 2003. Deixa a impressão que estamos voltando aos tempos da ditadura, quando os governos preferiam legislar por “decretos-lei”.

Como não estamos na ditadura, é inconcebível que um decreto altere uma lei votada no Parlamento e longamente discutida na sociedade.

Manifestante atrás do cartaz que exibe o "Jardim da Morte" com mil e trezentas rosas "plantadas" pelo Movimento Rio de Paz, na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro - Ana Carolina Fernandes 26.nov.10/Folhapress

Bolsonaro simplesmente ignora a discussão no Legislativo de um assunto de tal gravidade e vai contra as centenas de estudos que demonstram a ineficiência de armar civis para tentar melhorar a segurança pública.

O decreto ainda desmonta a estrutura de fiscalização e controle criada a partir do Estatuto do Desarmamento. Nem mesmo a separação de armas por categoria, que era uma forma de melhorar o rastreamento de armas usadas em crimes, ficou de pé.

Armas outrora restritas às forças de segurança, como as pistolas .40 ou 9 mm, poderão circular nas ruas nas mãos de civis classificados com “colecionadores “. 

A nova legislação ainda falha ao não deixar clara a responsabilidade das lojas de armamentos no registro da venda junto ao Exército. Fala apenas que o comprador é obrigado a fazer o registro, isentando as lojas de uma obrigação legal que elas têm hoje.

Aparentemente o lamentável decreto de Bolsonaro não encontrou respaldo em parte de sua equipe. O próprio ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, declarou nesta terça, no Congresso, que ele não faz parte de uma estratégia de combate à criminalidade. Completando que ele seria um “atendimento ao resultado das eleições”.

Dentro dos limites permitidos a um ministro, ele foi bastante enfático ao demonstrar sua contrariedade. O rosto do vice-presidente Hamilton Mourão, na foto comemorativa do decreto, também contrasta com os sorrisos dos deputados da “bancada da bala” com os dedinhos em riste fazendo pistolinhas.

O que realmente chama a atenção é que o governo demonstra claramente desprezar os caminhos que já se mostraram viáveis para o combate à violência. A começar pela implantação de uma política pública de segurança fundamentada e que possa de fato melhorar os índices de segurança pública.

Seria importante nesse momento, por exemplo, identificar as razões que levaram à queda dos homicídios em 2018, e assim documentá-las para serem replicadas em todo o Brasil. Mas como o próprio presidente disse, ele não está preocupado com a segurança pública. 

RENATO SÉRGIO DE LIMA, professor da Fundação Getulio Vargas, é diretor-presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública 

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