Descrição de chapéu Rio de Janeiro

Polícia do RJ cometeu 1 em cada 3 homicídios no estado em maio

Em cinco meses, fatia de mortes por policiais passou de 20% a 28%; na capital, índice é de 38,3%

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Rio de Janeiro

A escalada no número de pessoas mortas pela polícia do Rio de Janeiro fez com que as forças de segurança respondessem por um terço dos homicídios no estado em maio.

A taxa recorde foi atingida em maio, quando a polícia fluminense matou 171 pessoas, 32,2% do total dos casos de letalidade violenta (531), que reúne todos os índices criminais que resultaram em morte. No mesmo mês do ano passado foram 583 casos de mortes violentas, dos quais 145, ou 24,9%, causadas pela polícia.

Nos cinco primeiros meses de 2019 somados, essa taxa é de 28,6%. Trata-se de um salto em relação aos 20% registrados no mesmo período do ano de 2018.

O percentual combina dois recordes registrados este ano: o maior número de pessoas mortas pela polícia e menor número de vítimas de assassinatos —que não inclui homicídios em decorrência de ação policial. Os homicídios em geral registraram queda de 24% neste ano no estado.

 

Para efeito de comparação, dados compilados pelo jornal americano The Washington Post indicam que a polícia dos EUA, conhecida como uma das mais letais entre os países desenvolvidos, matou 986 pessoas em 2017, o que representaria 6% dos homicídios no país naquele ano (último dado completo disponível). É 1/5 da taxa fluminense. 

A participação recorde é também fruto da política de enfrentamento defendida pelo governador Wilson Witzel (PSC), eleito com uma pauta de endurecimento na segurança pública

Nas áreas de 3 dos 41 batalhões da Polícia Militar, as forças de segurança são os principais autores de homicídios. Todas elas ficam na capital, onde as mortes decorrentes de intervenção policial representaram 38,3% entre janeiro e maio.

A participação de agentes nas mortes alcança 61% na área do 16º Batalhão de PM. A unidade é responsável pelo patrulhamento de favelas do Complexo do Alemão.

As mortes causadas por policiais também superaram as demais nas áreas do 4º e 6º batalhões, que abrangem áreas do centro da cidade e bairros da zona norte.

 

A Secretaria de Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou, em nota, "que as operações da Corporação são pautadas por planejamento prévio e executadas dentro da lei".

"Nas ações em áreas conflagradas, a missão da Polícia Militar é primordialmente a prisão de criminosos e apreensão de arma e drogas. Muitas vezes, no entanto, os criminosos fazem a opção pelo enfrentamento, dando início ao confronto. Quando a operação policial resulta em mortes ou feridos, um Inquérito Policial Militar é aberto para apurar as circunstâncias do fato", diz o texto.

Witzel tem endossado as ações policiais que resultam em morte, mesmo antes da conclusão dos inquéritos sobre os casos. Foi o que ocorreu em fevereiro, quando a polícia matou 15 pessoas no morro do Fallet, centro do Rio. A Defensoria Pública aponta indícios de abuso policial na ação e falhas na apuração do caso.

Essa operação foi a que deixou mais vítimas em 12 anos, desde uma ação no Complexo do Alemão com 19 mortos em 2007.

O cientista político João Trajano Sento-Sé, que estuda o violência urbana, afirmou que as tendências distintas dos casos de mortos em confronto e os homicídios comuns deriva do apoio oficial às ações violentas da polícia.

“Historicamente vemos que há uma certa relação direta entre os casos de homicídios e de mortes pela polícia. A letalidade policial sempre foi alta. Mas no passado os governantes postulavam um certo controle. A novidade agora é que o governador claramente estimula a ação armada com resultado morte”, disse Sento-Sé.

A maior participação das mortes provocadas pela polícia nesse período do ano havia ocorrido em 2008, quando representou um quinto (20,3%) do total. A menor taxa foi em 2013, com 7,6%. Desde 2003, esse índice oscilou principalmente entre 17% e 11% nos cinco primeiros meses do ano.

Sento-Sé afirma que Witzel corre o risco de perder o controle sobre as forças policiais caso esse incentivo se prolongue.

“Esse percentual impõe que o governador seja chamado à responsabilidade, sob o risco do estado deixar de ser um promotor da segurança para se tornar um dos vetores da violência”, disse o cientista político.

​Witzel defendeu o uso de snipers para o “abate” de criminosos com fuzil, participou pessoalmente de operação em helicóptero da polícia em Angra dos Reis, e recentemente falou em uso de um míssil contra quadrilhas de traficantes. O governador foi denunciado à ONU pela deputada Renata Souza (Psol), presidente da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

O consultor de segurança e ex-subcomandante do Bope (Batalhão de Operações Especiais) Paulo Storani afirmou que a alta da letalidade se deve a uma maior atuação das polícias.

“Quando a polícia age, a consequência é o confronto e mortes. O confronto desse tipo só se dá porque a força do oponente é semelhante à da polícia. Mas nenhuma política de segurança de longo prazo pode se basear nisso. Isso é trabalhar sobre a consequência, e não a causa, que é o tráfico de drogas e armas”, disse o consultor.

Storani afirmou ainda haver a possibilidade de que o aumento no número de operações possa estar contribuindo para a queda de homicídios comuns.

“Os criminosos podem estar deixando de atuar em razão da maior efetividade da polícia”, declarou o ex-membro do Bope.

Sento-Sé rejeita essa hipótese. O cientista afirma que a queda de homicídios está ocorrendo em todo o país e que não há uma explicação clara para esse movimento.

“Mesmo em estados onde as mortes provocadas pela polícia estão caindo, os homicídios caem. Então não é possível fazer essa afirmação”, disse ele.

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