São Paulo gastou R$ 1,4 bilhão em 106 obras que hoje estão paradas

Auditoria do Tribunal de Contas do Município calcula que retomá-las custaria R$ 5,8 bilhões

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo gastou R$ 1,4 bilhão em obras que, por conta da crise econômica do país, de denúncias de irregularidades ou por mudança de prioridades, acabaram paralisadas. A constatação foi feita por um auditoria realizada pelo Tribunal de Contas do Município (TCM) entre outubro de 2018 e abril deste ano.

De acordo com o tribunal de contas, há 106 obras paradas na cidade, incluindo novas construções, reformas, trabalhos de manutenção, de adaptação e de melhorias.

São projetos de saneamento, de vias urbanas, de escolas, de unidades de saúde e de parques, entre outros. Em média, são obras paradas há cerca de três anos e meio, mas existem casos de mais de dez anos de atraso.

Obra da UPA Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, que está parada
Obra da UPA Cidade Tiradentes, na zona leste da capital, que está parada - Jardiel Carvalho/Folhapress

O número real, porém, tende a ser bem maior do que as 106 contabilizadas, pois a auditoria considerou apenas as obras de maior relevância econômica e social, com valor inicial superior a R$ 1,5 milhão.

Pelos cálculos dos auditores, para retomar e terminar essas 106 obras a cidade precisa investir mais R$ 5,8 bilhões. Para efeito de comparação, esse valor é maior do que o total de recursos que a prefeitura conseguiu destinar a investimentos nos últimos dois anos (R$ 4,3 bilhões). 

Ou seja, é muito provável que várias dessas obras paradas nunca sejam retomadas e a cidade arque com o prejuízo. É o caso do CEU Grajaú, projetado na gestão de Fernando Haddad (PT) para ser erguido numa área de 13.300 m² onde hoje funciona o Clube da Comunidade Jardim Petronita, na zona sul da cidade.

São Paulo gastou cerca de R$ 481,2 mil na elaboração do projeto do Centro de Educação Unificado, mas a obra, que custaria R$ 45 milhões, nem chegou a ser iniciada.

Em 2016, a economia brasileira sofria com uma grave recessão. Houve naquele ano uma retração de 3,3% no PIB (Produto Interno Bruto) e as receitas da prefeitura caíram 7%. Ao tomar posse no início do ano seguinte, João Doria (PSDB) adotou uma série de medidas com a intenção de enxugar ainda mais os gastos públicos.

Em razão do contingenciamento de recursos, o projeto do CEU foi suspenso em maio de 2017. “Hoje nem faz mais sentido construí-lo ali”, afirma Nelson Freitas, morador da região que dirige o Clube da Comunidade Jardim Petronita, um projeto municipal no qual equipamentos esportivos públicos são geridos por entidades comunitárias. Há 250 clubes na cidade neste modelo.

Freitas explica que, desde então, o clube recebeu melhorias por meio de emendas parlamentares. O campo de futebol foi reformado, assim como foi construída uma cobertura para a quadra. Outra obra paralisada é o prolongamento da av. Jornalista Roberto Marinho até a rodovia dos Imigrantes. Estimada em mais de R$ 2 bilhões, começou a ser discutida na gestão Paulo Maluf (1993-1996), mas foi contratada por Gilberto Kassab em 2011.

Dividida em quatro lotes, a obra previa a construção de um túnel de cerca de 2,3 km, um parque de 600 mil m² e a remoção de 10 mil famílias que vivem no entorno para conjuntos habitacionais.“Este é um projeto de requalificação urbana, não é apenas um projeto viário”, afirmou Marcelo Cardinale Branco, secretário de Infraestrutura Urbana à época.

No ano de 2013, suspeitas de superfaturamento levaram à suspensão do projeto do túnel. Um dos consórcios escolhidos para fazer a obra era liderado pela Odebrecht. Por conta da Operação Lava Jato, a empresa afirmou em delação premiada que empreiteiras contratadas haviam sido selecionadas de forma ilegal pela prefeitura.

Ao anunciar a paralisação do túnel, a gestão Haddad informou que a duplicação da avenida Chucri Zaidan, a construção de habitação de interesse social e a implantação do parque linear passariam a ter prioridade.
Dos cerca de R$ 2 bilhões previstos para o projeto, a prefeitura gastou até agora cerca de R$ 410 milhões.

Um dos contratos está oficialmente suspenso, os outros estão atrasados. Deveriam ter sido finalizados em 2014. Além dos R$ 1,4 bilhão investidos diretamente nas 106 obras paralisadas, há também de se considerar o custo de manutenção dos canteiros.

Para evitar furto de equipamentos e de materiais de construção, bem como impedir invasões, a prefeitura muitas vezes precisa contratar equipes de vigilância. A auditoria, no entanto, não levantou os valores empregados pela prefeitura para isso.

No relatório, o TCM afirma que a prefeitura deveria ter um sistema gerencial que organizasse e centralizasse informações dos andamentos físicos e financeiros das obras, contemplando os contratos principais e acessórios. 

Afirma que, por não existir esse sistema, para levantar as obras, precisou consultar diversos departamentos de uma mesma secretaria, das subprefeituras e empresas públicas.

Procurada pela Folha, a administração Bruno Covas (PSDB) afirma que “diversas obras nas áreas de Saúde e Educação foram retomadas, após serem abandonadas pela gestão anterior”. 

Apenas para o biênio 2019/2020, diz, serão destinados R$ 747,1 milhões para criar novos equipamentos para as duas áreas, conforme descrito no plano de metas. Cita, entre as obras, as do Hospital Municipal da Brasilândia, que começará o atendimento no pronto-socorro e rede hora certa no segundo semestre deste ano.

A prefeitura afirma que a redução no volume das transferências de recursos federais e a falência de empresas estão entre as causas da paralisação de algumas obras.

No setor da habitação, segundo a assessoria de imprensa da prefeitura, “mais de 90% das obras paralisadas em São Paulo são ligadas ao ‘Minha Casa Minha Vida’, programa do Governo Federal que nesse ano recebeu o menor investimento desde a sua fundação, em 2009.”

Na nota enviada à reportagem, a prefeitura não esclarece se pretende retomar as obras do túnel do prolongamento da avenida Roberto Marinho. Em junho do ano passado, no entanto, afirmou à Folha não haver, então, planos para retomar o projeto por falta de recursos.

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