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Governo Bolsonaro monitora crimes com banco de dados incompleto

Sistema criado em 2012 começou a ser alimentado em 2018 sem regularidade nem padrão por estados

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São Paulo

O sistema público de informações usado pelo ministro da Justiça, Sergio Moro, para embasar declarações recentes sobre redução dos índices de homicídio no país não obedece a critérios básicos de padronização estatística e, por isso, é alvo de desconfiança de pesquisadores. 

Criado há sete anos com custo de cerca de R$ 200 milhões, o Sinesp (Sistema Nacional de Informações da Segurança Pública) foi citado pelo ministro em rede social em junho para dizer que os “crimes [estão] caindo em todo país. 23% de homicídios a menos”. 

Sem exigir um critério técnico dos estados e distritos nem fiscalizar a origem da coleta de dados, o Sinesp cumpre o papel de plataforma tecnológica que reúne informações sobre ocorrências criminais enviadas pelos estados de forma genérica e, muitas vezes, incompleta.

O banco de dados começou a ser alimentado sistematicamente pelos estados apenas no fim do ano passado. Procurado, o Ministério da Justiça afirmou que os dados são analisados, mas não explicou o método. Apenas afirmou que “os parâmetros de integração devem ser considerados pelos estados”.

Ministro da Justiça, Sergio Moro, se baseia em banco de dados incompleto para divulgar queda nos índices de violência no país
Ministro da Justiça, Sergio Moro, se baseia em banco de dados incompleto para divulgar queda nos índices de violência no país - Folhapress

A Folha questionou as secretarias de segurança dos 26 estados e do Distrito Federal a respeito dos critérios usados para classificar crimes violentos, como homicídio e lesão corporal seguida de morte. 

Ao menos 15 estados afirmaram se basear no sistema penal para catalogar os atos criminosos ao preencher o programa do Sinesp segundo as ocorrências exigidas, como homicídio, latrocínio, estupro, tentativa de homicídio, lesão corporal seguida de morte e crimes patrimoniais. 

O amparo no código penal, segundo pesquisadores, fragiliza a credibilidade do banco de dados por ser amplo e não especificar derivações importantes do ponto de vista estatístico, como feminicídio e mortes decorrentes de confrontos policiais. “Até o momento não temos como confiar no Sinesp como sistema de informações”, diz Daniel Cerqueira, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e coautor do Atlas da Violência. 

Para ele, além da ausência de critério estatístico, o Sinesp é falho por causa da recusa de alguns estados em fornecer dados e da falta de rigor no preenchimento dos boletins de ocorrência nas delegacias, matéria-prima do sistema. “Temos uma federação em que cada unidade classifica os tipos criminais a sua maneira, diz Cerqueira. 

Ao agrupar todas as mortes violentas como homicídio, por exemplo, como é feito pelos estados com raras exceções, fica impossível quantificar outros crimes que partem da mesma premissa, com margem a erros de interpretação. “O Sinesp é falho porque impede análises nacionais para estabelecer um mapa da situação criminal no país”, diz João Trajano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro). 

 

Além disso, há dúvidas quanto à abrangência dos dados disponibilizados. De acordo com Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, um dos critérios para os estados serem considerados aptos para o Sinesp é enviar dados criminais das capitais. “Os dados das cidades do interior podem nem estar no sistema”, diz. 

Os problemas do Sinesp, segundo Cerqueira, tiveram origem na aprovação da lei que o criou, em 2012. “Não houve clareza quanto aos seus objetivos. Pensou-se em criar a ferramenta para organizar desde despachos de viaturas até comunidades terapêuticas”, diz Cerqueira. “Gestores do Ministério da Justiça ficaram perdidos”, completa. 

O ex-ministro da Segurança Pública Raul Jungmann conta que ao assumir a pasta, em março de 2018, encontrou a estrutura do Sinesp praticamente paralisada. “Não se produzia quase estatística. Havia levantamentos de dados, mas sempre tinham buracos.”

Em dezembro do ano passado, quase um ano depois de ser nomeado, Jungmann publicou uma portaria que estabelece parâmetros de padronização para o registro de dados criminais com base na classificação internacional desenvolvida pelo UNODC (Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes). 

A portaria é citada no site do Sinesp como referência para os estados coletarem os dados, mas o Ministério da Justiça não respondeu quantos deles se baseiam na portaria para organizar as informações.

A falta de um sistema nacional de estatísticas criminais impede a elaboração e aplicação de políticas públicas efetivas para reduzir a criminalidade no país. “Em 2018, houve um investimento enorme na operação de GLO (Garantia da Lei e da Ordem) no Rio, enquanto havia estados em situação mais grave naquele momento devido ao aumento da criminalidade”, diz João Trajano. 

O ex-ministro Jungmann lembra que durante os 30 meses em que chefiou as pastas da Defesa e da Segurança Pública foram deflagradas 11 operações de GLO no país, sendo três no Rio Grande do Norte. “Isso dá a dimensão da falta de política pública na área de segurança”, afirma. 

Há um entrave legislativo para a padronização das informações criminais no país. Como a Constituição atribui aos estados o dever de manter a segurança pública, de acordo com o artigo 144, seria preciso uma reforma constitucional para criar uma responsabilidade federativa em relação a essas informações. 

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