OAB classifica morte de entregador do Rappi de desmonte das relações de trabalho

Thiago Dias, 33, agonizou por horas em calçada sem receber auxílio médico e morreu em SP

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São Paulo

A OAB-SP (Ordem dos Advogados do Brasil de São Paulo) classificou a morte do entregador do Rappi, Thiago de Jesus Dias, 33, como um resumo “do desmonte de políticas públicas somada, concomitantemente, à ampla fragilização das relações de trabalho no Brasil”.

Thiago morreu após uma série de negligências cometidas pelo próprio aplicativo de compra e entrega de produtos, bem como pelos serviços públicos, como a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros e o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência), que não prestaram atendimento à vítima.

O entregador do Rappi, Thiago de Jesus Dias
O entregador do Rappi, Thiago de Jesus Dias - Reprodução

Reportagem da Folha mostrou que Thiago passou mal no momento em que entregava de moto um vinho para um grupo de quatro amigos em Perdizes (zona oeste da capital paulista), na noite do dia 6 deste mês. O entregador agonizou na calçada por mais de 1h30 à espera de auxílio médico especializado.

Nesse intervalo de tempo, Thiago teve uma corrida negada por um motorista da Uber, que não quis transportá-lo até um hospital porque o entregador "sujaria seu carro" com urina.

O Rappi, quando avisado sobre o estado de saúde de Thiago, preocupou-se apenas com as próximas entregas, que deveriam ser canceladas, como lembrou a advogada Ana Luísa Ferreira Pinto, uma das clientes do aplicativo que prestou socorro ao entregador.

“Entramos em contato com a Rappi que, sem qualquer sensibilidade, nos pediu para que déssemos baixa no pedido para que eles conseguissem avisar os próximos clientes que não receberiam seus produtos no horário previsto”, disse a advogada.

Thiago só conseguiu sair da calçada quando seu amigo chegou de carro e o levou às pressas para o Hospital das Clínicas. Diagnosticado com AVC (acidente vascular cerebral), o quadro de saúde dele piorou. Thiago morreu na manhã da última segunda (8) e foi enterrado na terça (9).

A nota da OAB, assinada por Ana Amélia Mascarenhas Camargos, vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da entidade, diz ainda que a falta de suporte médico adequado ao entregador “causou revolta” e, ao mesmo tempo, “consternação”.

“Ainda que não se possa afirmar que o atendimento adequado preservaria a vida de Thiago, é certo que teria lhe poupado imenso sofrimento e dor”, escreveu a representante da OAB-SP.

OUTRO LADO

O Rappi lamentou a morte de Thiago de Jesus Dias e informou que está buscando melhorias em seus procedimentos.

"A empresa está desenvolvendo um botão de emergência, que estará disponível dentro do aplicativo dos entregadores, por meio do qual os mesmos poderão optar por acionar diretamente o suporte telefônico da Rappi ou as autoridades competentes", disse a empresa.

O serviço, segundo o Rappi, poderá ser usado pelos seus entregadores em situações relacionadas à saúde ou à segurança.

O Samu disse que o chamado de Thiago chegou até sua central às 22h15 de sábado, como dor de cabeça e classificado com prioridade média, recebendo monitoramento à distância até ser cancelado com a informação de que o paciente havia sido removido em carro particular.

O órgão ressaltou que abriu um procedimento para verificar todas as circunstâncias que envolveram o atendimento de Thiago e, após sua conclusão, a direção do serviço disse que adotará as medidas cabíveis.

A Secretaria de Segurança Pública informou que a Polícia Militar não registrou nenhum pedido de resgate para Thiago. A pasta da gestão Doria (PSDB) diz que analisou os chamados recebidos pela PM na noite do último sábado (6) e não encontrou o endereço informado pelos solicitantes.

O Corpo de Bombeiros, sob o guarda-chuva da gestão Doria, também negou ter recebido as ligações. Disse que no caso do entregador, é o Samu o responsável pelo atendimento. “Casos clínicos são de responsabilidade do Samu. Os bombeiros atendem ocorrências de traumas e acidentes”, afirmou.

Procurada pela Folha, a Uber não se manifestou sobre o comportamento de seu motorista e sobre os procedimentos da empresa em casos como este.


Confira, abaixo, a íntegra da nota da OAB-SP

Causou revolta e consternação a morte de Thiago de Jesus Dias, de 33 anos, entregador da  empresa Rappi, aplicativo de compra de produtos, na madrugada do último domingo (07/07), em São Paulo.

Ele passou mal, após fazer uma entrega em um prédio no bairro de Perdizes. Ajudado por moradores do local, foi praticamente ignorado pela Rappi, para a qual prestava serviço. Seu atendimento foi empurrado da PM para os bombeiros e destes para o SAMU, que não enviou ambulância para socorrê-lo. Após ter seu transporte negado por um motorista de Uber, foi transportado no carro de um amigo, que teve dificuldade de entrar com ele no Pronto Socorro do Hospital das Clínicas. Diagnosticado às 2h da madrugada de domingo como tendo sofrido um AVC, Thiago faleceu por volta das 10h da manhã.

A Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP solidariza-se com a família de Thiago, consternada pela tragédia. Ao mesmo tempo, alertamos e lamentamos para as graves consequências para o direito à vida causadas por uma conjuntura sociopolítica marcada pelo acelerado desmonte de políticas públicas somada, concomitantemente, à ampla fragilização das relações de trabalho. Ainda que não se possa afirmar que o atendimento adequado preservaria a vida de Thiago, é certo que teria lhe poupado imenso sofrimento e dor.

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