Reduzir a letalidade não é uma obrigação da polícia, diz Doria

Agentes foram responsáveis por uma em cada três mortes violentas em SP; governador diz que corporações obedecem protocolos

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São Paulo

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou em entrevista coletiva na manhã desta sexta-feira (27), que não existe obrigatoriedade para que haja redução no número de mortes durante intervenções policiais.

A declaração é dada na semana em que o país se viu diante da quinta morte de uma criança por bala perdida no Rio, a menina Ágatha Félix, 8, e o aquecimento da discussão em torno do abrandamento de punições a policiais que matarem durante o serviço, como propõe o pacote anticrime do ministro Sergio Moro (Justiça)

Neste primeiro semestre de gestão do tucano, a polícia foi responsável por uma a cada três mortes violentas. Também cresceram 11,5% as mortes provocadas por PMs de serviço, na comparação com os primeiros seis meses do ano passado. Até agosto, a polícia matou ao menos 506 pessoas no estado.

Os agentes, segundo Doria, "tem orientação clara de obediência aos protocolos de uso progressivo da força. Não vamos no uso máximo da força”, afirmou. Durante a campanha eleitoral, o tucano não apresentou entre suas propostas ações para reduzir a letalidade policial. 

Doria voltou a afirmar que entre a vida de um criminoso e a de um policial, o governo ficará ao lado do policial e "quem vai pro cemitério é o bandido". "Mas nós somos legalistas. Somos da paz. Não queremos a violência, atuamos com inteligência", disse.

O governador acaba de lançar uma campanha com números positivos da segurança pública, que custou R$ 12,7 milhões e servirá de piloto para a venda de uma de suas principais bandeiras eleitorais.

O filme para a televisão fala diretamente ao eleitorado conservador, mas busca diferenciar-se do discurso mais duro associado ao presidente Jair Bolsonaro (PSL) e ao governador do Rio de Janeiro Wilson Witzel (PSC-RJ), prováveis nomes na disputa pelo Planalto em 2022.

Indagado se a sua gestão adotou o slogan “polícia de respeito” para se diferenciar de outras corporações como a do Rio, Doria negou. 

“[Fazemos] uma política de trabalho e de gestão, não para estabelecer diferença com esse ou aquele governo, seja estadual ou federal”, disse.

Governador João Doria (PSDB) homenageia policiais em cerimônia no Palácio dos Bandeirantes nesta terça-feira (9)
O governador João Doria (PSDB) em homenagem a policiais em abril - Divulgação - 9.abr.2019/Governo de São Paulo

A principal suspeita em relação ao tiro que matou Ágatha é de que o disparo tenha partido de agentes da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) Fazendinha, que tentaram atingir um motociclista, mas acabaram acertando a criança. Não há, porém, uma conclusão final sobre isso.

O governador do Rio, que já defendeu o "abate" de criminosos, só falou sobre o caso dois dias depois e culpou o tráfico de drogas e os usuários. "Quem fuma maconha e cheira cocaína ajudou a apertar este gatilho." 

No Rio, em média três pessoas são mortas por policiais para cada fuzil apreendido. No Alemão, onde Ágatha foi morta, metade dos homicídios foram provocados pela ação policial, de acordo com o Instituto de Segurança Pública do Rio.

O comandante-geral da PM de São Paulo, coronel Marcelo Vieira Salles, que já havia contrariado Doria no ano passado, quando o tucano afirmou que a polícia iria "atirar e atirar para matar", disse nesta sexta que nenhum policial sai de casa com essa intenção.

"A opção do confronto é do infrator. Estamos atuando onde precisa, com os meios necessários. A primeira orientação é proteger as pessoas. A segunda, seguir a lei. Somos legalistas. Ninguém sai de casa para matar", afirmou.

O discurso foi corroborado pelo secretário de Segurança Pública, o general João Camilo de Pires Campos.

"Com crimes ocorrendo, há uma possibilidade de confronto. Não desejamos, mas ocorre. Se houver o confronto, existe a probabilidade de uma morte, ou do lado deles ou do nosso. O policial sai para policiar, mas infelizmente acontece", afirmou.

O governador reuniu jornalistas e secretários para divulgar que houve mais um recorde na queda de vítimas de homicídio no estado. Entre janeiro e agosto, a taxa foi de 6,2 para cada 100 mil habitantes. O menor desde que o governo começou a contabilizar os dados, no fim da década de 1990, e o menor do país (posto que SP ocupa desde 2015).

Outros índices também estão mais baixos na comparação com janeiro a agosto de 2018, a exemplo de latrocínios, roubos a banco, de carga e de veículos. Os estupros tiveram uma pequena queda, de 2% e, na contramão, os furtos cresceram 5%.

Estiveram no encontro o presidente da Alesp (Assembleia Legislativa de SP), o deputado Cauê Macris (PSDB) e o deputado federal Alexand​re Frota, recém-expulso do PSL, o partido do presidente, e levado por Doria à legenda tucana

Assim como Frota, Doria foi eleito na esteira do bolsonarismo, mas agora busca se descolar do presidente, a quem tem dirigido críticas. 

Especialistas criticam discurso 

A afirmação de Doria foi criticada por especialista que veem nela uma política da vingança e da relativização. 

A exemplo de Renato Sérgio de Lima, presidente do FBSP (Fórum Brasileiro de Segurança Pública). “A voz do governador não pode ser de relativização do excesso de uso da força. O controle não joga contra a polícia, mas a fortalece”, disse. 

A diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, comparou Doria ao presidente. “A declaração do governador demonstra que, assim como o Bolsonaro, ele não está preocupado com a redução da violência e sim com a reprodução de uma política pautada na vingança.”

Para ela, “reduzir o número de mortes violentas deveria ser sempre um objetivo a ser perseguido por qualquer governante”. 

O professor de gestão pública da FGV (Fundação Getúlio Vargas) Rafael Alcadipani  chamou de “lamentável” a afirmação. “Como chefe das polícias, ele deveria ver a letalidade como problema. Porque é um problema grave, que mostra uma atuação pouco profissional”, disse.

Segundo o especialista, “o governador fica num jogo ambíguo. No contexto da morte da menina Ágatha, ele fala que a polícia jamais deveria fazer uso pleno da força. Depois, defende a letalidade. Ele fica nessa dança das cadeiras, nadando conforme a onda”.

Com UOL

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