Descrição de chapéu Alalaô

Amor de bróder

O Zé nunca achou que fosse achar amor no Carnaval. Mas naquele momento ele amou

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“Lôco! Locolocolocoloco, isso é Mackenzie!”
Um grito de guerra de faculdade é diferente de uma marcha de Carnaval. Mas a turma de bixos da engenharia civil do Mackenzie não tem tempo para questões das humanidades como essa. Vestibular já passou. 

No sábado de Carnaval, a caminho do centro da cidade, eles querem mais é demonstrar o seu orgulho. Seu orgulho por todos terem passado na faculdade. No mesmo curso. Na mesma sala. Com o mesmo corte de cabelo: raspado na máquina zero. 

“Vamo, bróder!”, diz um. “Tô indo, bróder”, responde outro, enquanto compra três bujõezinhos plásticos de Corote de um vendedor de rua, e paga com uma nota de R$ 10.

Amor de Bróder
Amor de Bróder - Bruna Barros

Vini, Tonhão, Bomba, Marquinho e Zé se conheceram há menos de um mês, no trote, mas já se chamam de irmão enquanto descem a rua da Consolação.

Zé é o que está com o colo cheio de Corote. O que grita mais alto. É o dedo médio daquela mão. É o único que parece um homem formado nessa matilha de lobos adolescentes.

Os cinco chegam à multidão estacionada na rua para o bloco Tarado Ni Você. Mas o Zé não tá tarado em ninguém.

As aparências enganam: o Zé é um Matheus Nachtergaele preso em um corpo de um Caio Castro. Não que ele não pense naquilo. Ele, como a maioria dos garotos de 17 anos, pensa. Mas aquilo, na cabeça do Zé, geralmente vem acoplado a um filme no cinema, um jantar, um relacionamento de dez anos ou mais. 

A matilha encontra um mar de ovelhas. O Tonhão pega no braço de uma menina com chifre de unicórnio. “Não encosta!”, ela grita. “Não precisa dar coice, cavala”, ele responde. 
Zé vê a cena com um Corote de baunilha enfiado na cara.

Vini encontra uma ex-namorada de infância. Ele diz “Tá gostosa, hein?”. Ela só olha pra ele com nojo: onde está o menino gorducho e fofo com quem ela estudou na escola pública da Vila Romana? Quem é esse moleque babaca que parece ter acabado de ser eliminado do BBB?
Zé se ocupa com um Corote de morango. 

Bomba beija uma mulher com idade para ser sua mãe —sem saber que ele vai ser só uma anedota de Carnaval para contar para as amigas: “Eu peguei um menino!”. 
Zé beija a bocal de um Corote de pêssego. 

Marquinho não beija ninguém. Talvez seja porque Marquinho se acha feio. Ou talvez seja porque, pior que ser feio para um moleque de faculdade, Marquinho é tímido.

A personalidade que ele finge ter na matilha é como uma fantasia apertada demais, prestes a rasgar a qualquer momento espontâneo.
O olhar de Zé cruza com o de Marquinho enquanto engole um Corote de sabor cor azul. 

Aí, enquanto Bomba, Vini e Tonhão andam atentos a qualquer oportunidade, coluna ereta e cabeça indo para um lado e para outro, como um ventilador, o Corote de sabor azul começa a conversar com o Zé.

A garrafa já está na sarjeta, mas a cachaça radioativa se recusa a parar no estômago. Bomba leva um fora de uma mulher que não só tem idade para ser mãe, mas está com uma bebê no sling. Zé cambaleia.

Vini tenta beijar uma mulher-gato, mas toma um tapa na cara da mulher da mulher-gato. O Zé cai. Não cai que nem o Neymar. Cai de verdade. Cai porque a gravidade chama mais forte do que a coxa pode aguentar. 

A matilha segue em frente, sem notar a baixa de um soldado. A matilha não pode parar. “Lôco! Locolocolocoloco, isso é Mackenzie!”. Mas Marquinho olha pra trás. E para frente de novo. Vê os outros três se dissipando na multidão. Não está na matilha, nem fora dela. Ele se vira. E volta. 

Agacha do lado do Zé e pergunta: “Cê tá bem, bróder?”. Responder com vômito costuma ser uma falta de educação, mas pelo menos nesse caso foi um espasmo e uma informação ao mesmo tempo: não, o Zé não está bem. Nada bem.

Marquinho se aproxima do Zé no chão. O corpo pequeno de um mal fazia sombra no do outro. Um David que decidiu estender uma mão para Golias, em vez de jogar uma pedra. 

Marquinho abraça a cabeça de Zé. A mão na testa e a outra segurando a pele áspera da nuca raspada tocam a pele suada e gelada. Mas também tocam algo mais fundo. E Zé relaxa. “Põe pra fora, bróder”, o Marquinho diz. E o Zé expurga o veneno que o está matando, uma mistura de cachaças e ácido clorídrico da cor do arco-íris.

O Zé nunca achou que fosse achar amor no Carnaval. Mas naquele momento ele amou. Ele amou o seu bróder.

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