Descrição de chapéu Alalaô

Marchinhas, rodas de conversa e 'anjos' buscam combater abuso sexual no Carnaval de SP

Folia deste ano será a segunda sob a lei de importunação sexual, que pune atos como 'roubar' beijo

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

Para tentar frear casos de abuso sexual durante o Carnaval de rua de São Paulo, organizadores da festa, blocos e marcas apostam em marchinhas, “anjos” guardiões, rodas de conversa e tatuagens com “Não é Não” escrito em neon. 

A folia deste ano será a segunda com a lei de importunação sexual em vigor (foi sancionada em setembro de 2018). O crime é definido como a prática de ato libidinoso contra alguém, sem consenso, para satisfazer a própria lascívia ou a de terceiro. 

Estão inclusos atos como “roubar” um beijo, tocar nos seios, na genitália ou nas pernas de alguém sem permissão e se masturbar ou ejacular em uma pessoa. A pena para quem praticar o crime é de 1 a 5 anos de reclusão

Em 2019, a prefeitura lançou as “anjas do Carnaval”, grupo de voluntárias que se infiltra na multidão com o objetivo de prevenir casos de abuso em blocos e acolher folionas em situação de vulnerabilidade (vítimas de importunação ou alcoolizadas, por exemplo). 

A novidade deste ano é que, além delas, haverá também o trabalho de “anjos”, segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania, agentes que estarão focados nos foliões que ultrapassarem limites. O objetivo é incluir os homens no combate ao assédio. 

Serão 50 voluntários e voluntárias com alguma atuação na área de humanas ou que participam de grupos que lidam com violência de gênero. Atuarão de 22 a 25 de fevereiro nos cortejos da capital. 

As vítimas poderão ser atendidas no Ônibus Lilás, unidade móvel da Coordenação de Políticas para as Mulheres que contará com psicóloga e assistente social. 

A prefeitura afirmou não ter dados sobre atendimentos no coletivo durante a festa do ano passado. Mas disse que não houve situações nos últimos dois anos que exigiram a intervenção da equipe do ônibus. Casos de embriaguez são mais recorrentes, e os agentes prestam auxílio. 

Além do veículo, haverá também tendas ao longo do trajeto do cortejo para apoiar folionas. A pasta prepara ainda um manual com informações sobre abuso e importunação e como reagir a uma situação de violação de direitos. 

O governo do estado, por meio da Coordenação de Políticas para a Mulher, vai investir em rodas de conversa sobre abuso sexual na véspera do Carnaval. Serão realizados nos CIC (Centros de Integração da Cidadania) da Barra Funda (dia 17, às 10h) e do Jaraguá (dia 19, às 11h), e o público-alvo são moradores do entorno dos centros.

Os debates terão a participação da médica e coordenadora estadual de políticas para a mulher, Albertina Duarte, além de psicólogos, assistentes sociais, enfermeiros e neurologista. Uso de preservativos, doenças sexualmente transmissíveis e outros assuntos ligados à saúde da mulher serão temas.

A SSP (Secretaria da Segurança Pública de São Paulo) afirmou, em nota, que serão intensificadas ações preventivas e ostensivas de policiamento ao longo do Carnaval para "combater as práticas criminais, inclusive as de cunho sexual."

Diz ainda que serão instalados ao menos oito postos de apoio nos principais corredores de desfiles de blocos e no Sambódromo, todos com policiais femininas para atender vítimas de violência. Também usarão drones para monitorar os locais de evento em tempo real —as imagens serão analisadas para "identificar atitudes suspeitas em meio aos foliões e nas áreas próximas ao evento", afirma o órgão. 

Os blocos também se movimentam para criar estratégias de combate ao abuso.

Pela primeira vez, representantes femininas dos cortejos criaram uma comissão para sugerir ao poder público ações para combater o abuso sexual, garantir a segurança das folionas nas ruas e aumentar a representatividade das mulheres na festa. 

Criada em agosto do ano passado, é composta por mais de 70 mulheres, entre produtoras, cantoras e músicas, de mais de 50 blocos de São Paulo. 

“Carnaval para a gente é celebração, arte, música e alegria. Queremos vivê-lo de forma livre, tranquila e segura”, diz Lívia Nolla, uma das integrantes e fundadora do bloco Elástico. “Vimos a necessidade de unir as mulheres para a luta ganhar força.”  

Sugeriram ao governo, por exemplo, uma cartilha contra o assédio, postos de atendimento a mulheres e a distribuição de água e camisinhas (masculinas e femininas) nos blocos. Algumas sugestões foram acatadas (caso das informadas pela prefeitura e SSP), outras ainda não, diz Nolla. 

Durante o Carnaval, pretendem orientar mulheres a procurar a organização dos blocos caso tenham sido vítimas de algum tipo de constrangimento e a se acolherem mutuamente. E também cantar um jingle contra o assédio. 

Há outras iniciativas, individuais. O bloco Siriricando, por exemplo, formado por mulheres lésbicas e bissexuais e cujo símbolo é uma vulva com asas (“que as asas possam levar as xoxotas para lugares longe do assédio, do preconceito e do medo”, diz a descrição do bloco em uma rede social), criou paródias de marchinhas para inibir abusadores.

É o caso de “Olha a Atitude do Mané”, versão da famosa “Cabeleira do Zezé”, e “Mulher Não É Coisa, Não!”, inspirada em “Cachaça Não é Água”. 

A primeira, conta Barbara Falcão, integrante do bloco, costuma ser tirada da cartola quando ocorre algum caso de assédio durante o cortejo. “Será que ele é esquerdomacho? Talvez seja só um cuzão. Certeza que é bem cretino. Não vê que tem só sapatão”, diz um trecho.

O bloco Eu Acho é Coco também aposta em músicas para conscientizar foliões. Incluem no repertório músicas que tratam de assédio sexual, moral e psicológico. “Maria da Vila Matilde”, de Elza Soares, e “Seu Grito”, de Aurinha do Coco, são algumas. 

E a folia terá também as já consagradas tatuagens temporárias do coletivo feminista "Não é Não". Neste ano, a novidade será a versão em neon da tatuagem, alinhada com a estética carnavalesca do momento, além da preta e da branca. 

Serão distribuídas 50 mil tatuagens de forma gratuita no estado durante a folia. Para isso, realizaram uma campanha de financiamento coletivo online, por meio da qual arrecadaram mais de R$ 10 mil. 

Há ainda estratégias online contra abuso. O bloco Siga Bem Caminhoneira fez uma campanha nas redes sociais para lembrar que o assédio pode ocorrer “de forma sutil e imperceptível” e que é preciso “tomar cuidado com as suas atitudes e respeitar o espaço da outra”. As organizadoras também falam de racismo, homofobia e gordofobia no que definem como “campanha antiopressão”.

Já o Agrada Gregos, um dos maiores blocos da capital, planeja fazer lives no Instagram e postagens contra preconceito e assédio no período da festa, segundo os organizadores. 

Redes sociais e aplicativos de relacionamento também adotaram táticas nas redes. O Badoo, em parceria com produtores de conteúdo online, planeja publicar e promover material para alertar o público masculino sobre como deve se comportar na folia. Também farão inserções de frases antiassédio no aplicativo da rede social. 

A capital paulista terá um número recorde de blocos neste ano: serão 796 autorizados, crescimento de 62% em relação ao ano passado, quando saíram 490. Será a primeira vez em que haverá desfiles em todas as 32 subprefeituras da cidade.

O Carnaval de São Paulo será realizado, oficialmente, de 22 a 25 de fevereiro. Mas o ápice da folia será no dia 15, quando ocorrerão 141 desfiles. A semana após o fim da festa também será movimentada: no dia 29, haverá 109 desfiles. 

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.