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Chuvas e secas em São Paulo estão mais intensas com aquecimento, mostram dados

Análise da Folha indica mudança no clima paulistano, que esquentou quase 3ºC desde 1960

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São Paulo

O clima em São Paulo sofreu profundas mudanças nos últimos 60 anos: chuvas intensas estão mais comuns, mas longos períodos secos também aparecem mais, e a temperatura está quase 3ºC mais alta hoje (dependendo da forma de medição).

Os dados, coletados pela Folha no Inmet (Instituto Nacional de Meteorologia), e pesquisadores indicam que a cidade enfrentará cada vez mais desafios na saúde pública, com mais mortes relacionadas a doenças cardíacas, por exemplo, que são mais comuns nas ondas de calor. E sofrerá cada vez mais problemas de infraestrutura, com mais alagamentos em alguns períodos e falta d’água em outros.

A chuva é um dos grandes exemplos da mudança no clima em São Paulo no período. Até 1980, a cidade havia enfrentado apenas um evento com mais de 100 mm em um dia. Na década de 2010, foram seis.

Patamar próximo a esse foi o que a capital paulista enfrentou no começo de fevereiro, quando os 114 mm foram suficientes para alagar trechos das marginais, ilhar moradores e suspender aulas e o serviço público.

Por outro lado, os períodos sem chuva estão cada vez maiores. A década de 1960 começou com período de até 15 dias sem precipitação em alguns anos. Nesta década mais recente, já se chegou a 51 dias secos, em 2012.

Após sequência de estiagens, a cidade sofreu com a crise hídrica de 2014, quando reservatórios chegaram a operar com 10% da capacidade, levando a racionamentos.

Os dados do Inmet, que vão de 1961 a 2019 e são coletadas na zona norte, mostram também mudança no padrão de temperatura.

Há diferentes formas de se avaliar essa variação. Considerando a diferença ano a ano, o acumulado desses 58 anos aponta para uma temperatura média 2ºC superior agora em relação ao período inicial (subindo da casa dos 20ºC para 22ºC).

Se analisada a variação das temperaturas mínimas, o aquecimento é ainda maior (quase 3ºC a mais, saindo da casa dos 8ºC para 11ºC).

Visto de outra forma, as temperaturas mínimas da década de 2010 estão 2,3ºC maiores do que de 1960, considerando as medianas (medida que identifica qual a temperatura é a que divide em dois o grupo analisado).

Como as mudanças no regime de chuvas e nas temperaturas têm sido constantes ao longo das décadas, climatologistas dizem que a situação atual deverá ser o novo padrão da cidade para os próximos anos. E as projeções apontam para presença ainda maior de eventos extremos nas próximas décadas.

“A situação exige melhoria significativa em ações para redução de desastres na região metropolitana”, escreveram o climatologista José Marengo e outros pesquisadores brasileiros em trabalho acadêmico publicado na revista da Academia de Ciências de Nova York, no começo deste ano.

A pesquisa enfocou o padrão de chuvas na região —a reportagem se inspirou nessa metodologia para a análise, acrescentando dados mais recentes.

Os cientistas destacam que as mudanças podem estar relacionadas à variação natural do clima, mas também podem ser fruto do aquecimento global e da urbanização da região.

“O aumento das temperaturas é um processo natural, que pode ser acelerado pela ação humana, com urbanização, queima de combustível fóssil e desmatamento”, disse à reportagem o cientista Marengo, do Cemaden (centro nacional de monitoramento de desastres naturais). “O que não foi estabelecido é saber qual porcentagem é natural e qual é humana.”

Mesmo que a causa das mudanças no clima da cidade ainda não esteja totalmente definida, já há pesquisas sobre o impacto na saúde da população decorrente das temperaturas mais altas e pelo novo padrão de chuvas.

A população idosa parece ser mais sensível ao aumento do calor. Uma das razões é que o corpo nessa idade tem mais dificuldade para se adaptar à mudança de temperatura. E também tarda mais para perceber o aumento do calor, demorando também para se hidratar.

As pesquisas mostram que aumento da temperatura está relacionado a mais casos de mortes decorrentes de doenças cardiovasculares e respiratórias.

Em pesquisa feita no IAG-USP (instituto de ciências atmosféricas), o meteorologista Rafael Batista avaliou o impacto de altas temperaturas nos óbitos de idosos.

O trabalho verificou que houve mais mortes do que o esperado em fevereiro de 2014 na região metropolitana de São Paulo, quando ocorreu forte onda de calor (26 dias consecutivos com máximas acima dos 30ºC).

Outro impacto do aumento do calor é a elevação do consumo de água, aponta o professor da Faculdade de Saúde Pública da USP Leandro Giatti.

E a situação pode se agravar porque o novo padrão de chuvas, com pancadas cada vez mais fortes, alternadas com períodos secos mais longos, não é o ideal para se acumular águas nos reservatórios.

Nas chuvas intensas, a água passa muito rapidamente pelo solo, não sendo absorvida para os aquíferos, além de levar sujeira e sedimentos para os reservatórios.

O aumento das chuvas intensas, e consequentes alagamentos, pode contribuir ainda para aumento de doenças como leptospirose e dengue ou diarreia, especialmente em crianças. Essa relação foi apontada em pesquisas de Juliana Duarte, da Faculdade de Saúde Pública da USP.

Ela verificou que houve aumento de internações devido a essas doenças nos períodos mais chuvosos em Rio Branco (AC), entre os anos de 2008 e 2013.

Todos esses problemas devem se intensificar, de acordo com os cientistas.

A pesquisa do meteorologista Rafael Batista, do IAG-USP, estimou como deverá ser a temperatura na região metropolitana até 2099, considerando a evolução nas últimas décadas.

Segundo esse cálculo, o número de dias de risco por altas temperaturas (médias acima de 25ºC) passará a ocupar 40% do ano, dentro das próximas seis décadas; hoje, são apenas 8% do ano.

“O inverno pode passar a ficar parecido com o que conhecemos do verão”, disse o climatologista Fábio Gonçalves, do IAG (instituto de ciências atmosféricas), da USP. A unidade também faz monitoramento do clima, a partir de ponto na zona sul na cidade, e possui observações semelhantes ao verificado pela Folha.

Governos ainda tropeçam para frear problema

As temperaturas mais altas e a frequência maior de eventos extremos ganham contornos mais graves quando se pensa que a cidade não para —nem em população (cresceu uma média de 100,8 mil habitantes por ano na última década) nem em mancha urbana (que hoje ocupa 878,6 km², o equivalente a 57% do território da cidade).

A Prefeitura de São Paulo lista intervenções como a construção de piscinões, a melhoria da drenagem e a implantação de parques como respostas. Por outro lado, reportagem da Folha no começo do mês mostrou que a cidade tem ao menos 17 grandes obras de drenagem atrasadas.

A cidade instituiu em 2009, na gestão Gilberto Kassab, sua Política Municipal de Mudança do Clima, que estabelece ações para mitigar os efeitos das mudanças ambientais.

São Paulo também tem como meta reduzir em 45% as emissões de gás carbônico nos próximos dez anos em relação ao nível de 2010, e promete neutralizar as emissões de gases que provocam efeito estufa até 2050.

“Os preâmbulos de todos os planos diretores, desde o Plano Urbanístico Básico, de 1968, até o Plano Diretor Estratégico de 2014, têm capítulos dedicados a chuvas, ao meio ambiente”, diz o professor Valter Caldana, da Arquitetura e Urbanismo da Universidade Mackenzie, que afirma que o respeito a variáveis ambientais é um dos fundamentos da boa arquitetura, mesmo antes de se falar em mudanças climáticas.

“Mas nós adotamos um modelo de desenvolvimento urbano no século 20 que passou por cima dos elementos naturais da nossa topografia, geomorfologia e hidrografia”, diz ele, ao citar o encanamento e enterramento indiscriminado de rios e córregos e a impermeabilização de áreas verdes da cidade.

É preciso mudar o modo como se produzem cidades, diz o urbanista. E cita coisas práticas: cuidar do mobiliário urbano, aumentar a capacidade de drenagem, acabar com a exigência de recuos de edifícios (o que faz com que se desperdice espaços), fazer com que empresas abram espaços verdes para uso público.

“Antigamente São Paulo tinha bolsões de calor. Hoje a cidade inteira virou um bolsão de calor. Tem que parar de agir só na emergência e agir cotidianamente”, diz.

Secretário de Infraestrutura e Obras da cidade, o engenheiro Vitor Aly afirma que a atual administração tem olhado os problemas derivados das mudanças climáticas de forma propositiva, e não mais reativa como no passado, quando, segundo ele, apenas atacavam os efeitos das enchentes.

"Os alagamentos acontecem no mundo todo agora. Veja Austrália, Inglaterra, Japão. É um problema da sociedade moderna. Fomos ocupando o território e agora precisamos nos ocupar do problema", diz Aly.

Ele lista soluções estruturais que têm sido elaboradas pela prefeitura: a construção de piscinões (já foram entregues oito e planejam mais cinco para 2020); um estudo para alteamento de pontes e pontilhões, que funcionam como represas quando enchem os rios; um mapeamento das 104 bacias hidrográficas e das manchas de inundação da cidade, com o propósito de alertar moradores e construtoras com precisão dos riscos de cada região.

Um dos compromissos previstos no plano de metas da atual gestão é o de reduzir em 12,6% (2,77 km²) as áreas inundáveis da cidade.

Nas ações de manutenção, o secretário de Subprefeituras, Alexandre Modonezi, diz que a drenagem tem funcionado bem diante desse desafio pluvial que se avoluma.

Ele avalia que a limpeza de ramais e de bocas de lobo e a retirada de resíduos de córregos fizeram com que a água da chuva tivesse fluidez no último episódio de chuvas, por exemplo. Segundo ele, a drenagem da cidade levou toda a água para os rios Pinheiros e Tietê —"foram essas artérias que não suportaram todo o volume", afirma Modonezi. A manutenção dos dois rios é incumbência do governo do estado.

"Nas outras regiões da cidade tivemos alagamentos pontuais, pequenos, lâminas de água que acabaram sendo drenadas depois de passada a chuva", completa.

O plano de metas dedica diversas rubricas à problemática: recuperar 240 mil metros lineares de guias e sarjetas; limpar 2,8 milhões de metros quadrados de margens de córregos; retirar 176.406 toneladas de detritos de piscinões, entre outros.

Em 2019, o prefeito Bruno Covas (PSDB) anunciou compromisso de elaborar um plano de ação climática para zerar a emissão de gases que provocam efeito estufa nos próximos 30 anos. A proposta do tucano está alinhada às metas do Acordo de Paris, repetidamente atacado pelo presidente Jair Bolsonaro (sem partido) nos últimos anos.

Ricardo Viegas, secretário adjunto de Verde e Meio Ambiente, diz que o plano será apresentado em junho, mas diversas ações para controle do aumento de temperatura e do efeito estufa já têm sido feitas.
Ele diz que um grande esforço tem sido feito em relação ao transporte na cidade.

A chamada "lei do clima", sancionada pelo então prefeito João Doria (PSDB) em 2018, estabeleceu que as emissões de dióxido de carbono e de material particulado terão que ser zeradas até 2038 pela frota de ônibus municipal, por exemplo.

A resposta às ilhas de calor e ao aumento de temperatura vem por meio da ampliação das áreas verdes. Nesse sentido, Viegas afirma que a prefeitura implantará dez parques até o final do ano e revitalizará outros 58. A cidade hoje conta com 107 parques.

Outras propostas da gestão Covas que apontam para o longo prazo são a proibição do fornecimento de utensílios plásticos por estabelecimentos comerciais, a implantação de reuso de água em 100% dos novos equipamentos entregues e ampliação do atendimento da coleta seletiva para todos os endereços da capital.

Fábio Takahashi, Guilherme Garcia, Guilherme Seto, Thiago Amâncio e Diana Yukari

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