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Com mortes por coronavírus, Ministério da Justiça quer vagas para presos doentes e idosos em contêineres

Departamento penitenciário pede autorização para flexibilizar normas de arquitetura de prisões

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São Paulo

Enquanto o discurso do ministro da Justiça, Sergio Moro, minimiza possíveis consequências da chegada nos presídios brasileiros da Covid-19, que já matou dois detentos, a pasta se articula para criar vagas e instalações temporárias para enfrentar a pandemia, inclusive em contêineres, sem seguir as normas técnicas de construção de celas.

Neste domingo (19), o diretor-geral do Depen (Departamento Penitenciário Nacional), Fabiano Bordignon, enviou um ofício urgente, obtido pela Folha, para o presidente do Conselho Nacional de Políca Criminal e Penitenciária (CNPCP), Cesar Mecchi Morales, pedindo que sejam suspensas temporariamente as Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal.

Tais diretrizes foram criadas pelo próprio ministério em 2011, ano seguinte ao que o Espírito Santo foi denunciado na ONU (Organizações das Nações Unidade) e na OEA (Organização dos Estados Americanos) por violação de direitos humanos. Naquela época, inspeções mostraram presos em contêineres de ferro a temperaturas que chegavam a 50 graus, os chamados "presídios de lata", classificados como "masmorras".

O uso de contêineres agora é a saída do Ministério da Justiça para criar novas vagas, segundo o documento. "Existe a possibilidade de serem criadas vagas por meio de instalações provisórias com estruturas metálicas, uso de contêineres adaptados, a exemplo do aplicado em hospitais de campanha e abrigos para refugiados ou desabrigados", diz o texto. É necessário que o conselho dê aval à proposta do ministério.

A pasta afirma que pretende apresentar os projetos elaborados na próxima reunião do CNPCP, marcada para esta quinta-feira (23).

A ideia é que parte das instalações temporárias possa ser destinada a abrigar presos não contaminados pela Covid-19, mas em grupos de risco suscetíveis a complicações, como idosos, diabéticos, hipertensos e asmáticos.

Outra parte seria para presos contaminados, mas que não apresentem quadro grave da doença, sendo necessário apenas o isolamento. "Para estas instalações, provavelmente será necessário algum nível de filtragem do ar por exaustão, evitando propagação do vírus para outras áreas", diz o documento.

E, por fim, as instalações temporárias seriam destinadas também a atendimento médico.

Ainda segundo o documento, seguir as diretrizes impede as "as soluções de implementação mais rápidas, indicadas pelo estado de emergência".

As normas estabelecem critérios como ventilação e iluminação, tipos de portas e janelas, capacidade máxima, segurança contra incêndio e tamanho de celas. Uma individual, por exemplo, deve ter, no mínimo, 6 metros quadrados ou 15 metros cúbicos.

Para que a construção ou reforma de um presídio conte com recursos do Depen, em parceria ou convênio com a União, ela precisa seguir as diretrizes do CNPCP, que já foram alvo de seguidas tentativas de flexibilizá-las.

Oficialmente, o ministro Sergio Moro vem minimizando o receio de que a pandemia se alastre nas cadeias. Antes de ser confirmada a primeira morte de preso pela doença, ele afirmou que não havia motivos para temor.

"Há um ambiente de relativa segurança para o sistema prisional em relação ao coronavírus pela própria condição do preso de estar isolado da sociedade", disse Moro.

O ministro também tem criticado a soltura de detentos, recomendada aos tribunais pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça). Até agora, foram soltos cerca de 30 mil presos no país. O órgão orienta a reavaliação da prisão para os grupos de risco e nos casos de prisões preventivas de crimes menos graves ou detentos do regime aberto e semiaberto.

Ao menos dois presos já morreram após contrair o novo coronavírus. O primeiro caso foi no Rio de Janeiro. A vítima era um detento do regime fechado de 73 anos, que morreu no dia 15 de abril e não teve o nome divulgado. O segundo morreu neste domingo (19), em Sorocaba, no interior de São Paulo. José Iran Alves da Silva, 66, era hipertenso, fazia tratamento na próstata.

Já são 59 casos confirmados e 141 suspeitos da doença no sistema penitenciário brasileiro, de acordo com informações enviadas pelos estados ao Depen até a tarde desta segunda (20).

Isso faz o Brasil ser o quinto país com mais presos diagnosticados com o vírus no mundo.

NO DF, o próprio ministério afirmou que um só preso infectado pode ter resultado na propagação do vírus para outros 20 detentos.

Medida gera críticas

A intenção de colocar presos idosos e doentes em contêineres é criticada por Gabriel Sampaio, coordenador do programa de enfrentamento à violência institucional da ONG Conectas. Para ele, o governo federal demorou a tomar decisões para conter a pandemia nas penitenciárias e gastou energia com uma ofensiva contra a recomendação de soltura do CNJ.

"O que o ofício mostra é que não existia [antes das mortes] uma estratégia para criar vagas de isolamento. Só agora, 19 de abril, que o ministério foi verificar a ausência de vagas e solicitar criação emergencial?"

A pandemia do novo coronavírus chegou ao Brasil em março.

Renato De Vitto, ex-diretor do Depen na gestão da ex-presidente Dilma Roussef (PT) e ex-conselheiro do CNPCP, também é contra a proposta.

"Essa ideia de construir contêiner não é nova nem original e é péssima. É feita para burlar requisitos mínimos, é inadequada do ponto de vista arquitetônico, de saúde pública e dos direitos humanos", diz o ex-diretor. "E tudo que é paliativo, provisório, no sistema penitenciário vira definitivo."

Caso o conselho aprove o pedido do ministério, De Vitto acredita que a proposta deve ser barrada na Justiça. A jurisprudência nos casos de denúncias sobre presos em contêiners é de decisões que consideram tratamento degradante e determinam a desativação.

A instalação também contraria acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário, como as Regras de Mandela e a Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, segundo o ex-diretor do Depen, que é também defensor público.

Para ele, o ministério deveria estar se mobilizando em outro sentido: o de identificar presos do grupo de risco e auxiliar o Judiciário a cumprir a resolução do CNJ.

Em nota, o Ministério da Justiça afirmou que a utilização de contêineres só será feita com autorização do conselho e que as estruturas provisórias "poderiam ser similares a dos hospitais de campanha, com pré-moldados, barracas de campanha e até mesmo na forma de containers habitacionais climatizados, muito utilizados há vários anos na construção civil", afirmou a pasta.

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