Descrição de chapéu Coronavírus Rio de Janeiro

'Foi a pior Páscoa da minha vida', diz moradora da favela Santa Marta, no Rio

Bairro de Botafogo, onde está a comunidade, tem 73 dos 1.996 casos confirmados de Covid-19 na cidade

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Nicola Pamplona Tércio Teixeira
Rio de Janeiro

Moradora da favela Santa Marta, na zona sul do Rio, Sandra Gomes de Barros, 51, lamenta não ter conseguido comprar um peixe para cozinhar na Sexta-feira da Paixão, como costuma fazer todos os anos. Também não conseguiu comprar ovo de Páscoa para a filha.

"Para mim não teve semana santa nem páscoa nem nada", reclamou ela, que está evitando sair de casa por já ter tido tuberculose três vezes. O almoço na sexta foi arroz com feijão, que ganhou em uma cesta básica. A filha recebeu um ovo de presente de uma vizinha.

A crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus pegou a família em um momento já delicado. O barraco de madeira em que moram precisou de obras emergenciais, que estão consumindo parte do salário do marido de Sandra, que é coveiro.

Encravada na montanha aos pés do Cristo Redentor, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio, a favela Santa Marta foi a primeira comunidade do Rio a receber uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), política do governo Sergio Cabral que prometia livrar as comunidades do tráfico de drogas.

Chegou a virar ponto turístico, mas hoje, já depois da falência das UPPs, continua convivendo com os antigos problemas de infraestrutura. Os moradores da parte mais alta têm que lidar com o abastecimento errático de água, o que dificulta o trabalho de higienização contra o coronavírus.

"Eu estou tentando sempre manter a casa limpa, higienizada, trocando até coberta de cama, lavando a varanda...", diz Kíssila Rosa Conceição, 35. "Mas como não tenho caixa d'água, tenho que aproveitar quando chega água para armazenar nuns baldes para lavar as coisas."

Kissila trabalha em uma lavanderia e deixou os filhos com a irmã, que está de férias e pode cuidar das crianças enquanto as escolas estão fechadas. "Está muito desanimado, tudo parado, tudo fechado. Acho que a pior Páscoa que eu já passei a minha vida foi essa, tendo que ficar longe dos meus filhos."

Neste domingo (12), havia pouco movimento nas ruas e vielas da comunidade, que foram higienizadas na semana passada em iniciativa bancada por uma ONG. A praça Corumbá, que dá acesso à comunidade, estava praticamente vazia. Ainda assim, a reportagem da Folha flagrou um bar aberto em uma das vielas.

Com a percepção de que a população está relaxando nas medidas de isolamento, a Prefeitura do Rio tem feito fiscalizações em estabelecimentos pela cidade e usa carros de som para alertar sobre os riscos de sair às ruas. Um serviço de denúncias por telefone tem recebido cerca de 150 ligações por dia.

Segundo a prefeitura, o bairro de Botafogo, onde está a favela Santa Marta, tem 73 dos 1.996 casos confirmados de Covid-19 na cidade, com 2 dos 106 óbitos. Ainda não há confirmação de contaminação na comunidade, que tinha cerca de quatro mil habitantes em 2010, quando foi feito o último Censo Demográfico no país.

Com 64 anos, a doméstica Lucimar Lopes da Silva divide com quatro pessoas uma casa na parte alta da favela. Poderia optar por um dos hotéis que a prefeitura reservou para abrigar moradores de comunidades que estão no grupo de risco mas ainda não têm a doença confirmada.

Diz, porém, que não conseguiria ficar parada durante o isolamento. "Eu gosto de lidar com as minhas plantas, gosto de lidar com a minha horta. Todo dia eu estou lá cuidando delas", diz ela. "Deus me livre de ficar lá três meses presa."

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.