Moradora da favela Santa Marta, na zona sul do Rio, Sandra Gomes de Barros, 51, lamenta não ter conseguido comprar um peixe para cozinhar na Sexta-feira da Paixão, como costuma fazer todos os anos. Também não conseguiu comprar ovo de Páscoa para a filha.
"Para mim não teve semana santa nem páscoa nem nada", reclamou ela, que está evitando sair de casa por já ter tido tuberculose três vezes. O almoço na sexta foi arroz com feijão, que ganhou em uma cesta básica. A filha recebeu um ovo de presente de uma vizinha.
A crise econômica gerada pela pandemia de coronavírus pegou a família em um momento já delicado. O barraco de madeira em que moram precisou de obras emergenciais, que estão consumindo parte do salário do marido de Sandra, que é coveiro.
Encravada na montanha aos pés do Cristo Redentor, no bairro de Botafogo, zona sul do Rio, a favela Santa Marta foi a primeira comunidade do Rio a receber uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora), política do governo Sergio Cabral que prometia livrar as comunidades do tráfico de drogas.
Chegou a virar ponto turístico, mas hoje, já depois da falência das UPPs, continua convivendo com os antigos problemas de infraestrutura. Os moradores da parte mais alta têm que lidar com o abastecimento errático de água, o que dificulta o trabalho de higienização contra o coronavírus.
"Eu estou tentando sempre manter a casa limpa, higienizada, trocando até coberta de cama, lavando a varanda...", diz Kíssila Rosa Conceição, 35. "Mas como não tenho caixa d'água, tenho que aproveitar quando chega água para armazenar nuns baldes para lavar as coisas."
Kissila trabalha em uma lavanderia e deixou os filhos com a irmã, que está de férias e pode cuidar das crianças enquanto as escolas estão fechadas. "Está muito desanimado, tudo parado, tudo fechado. Acho que a pior Páscoa que eu já passei a minha vida foi essa, tendo que ficar longe dos meus filhos."
Neste domingo (12), havia pouco movimento nas ruas e vielas da comunidade, que foram higienizadas na semana passada em iniciativa bancada por uma ONG. A praça Corumbá, que dá acesso à comunidade, estava praticamente vazia. Ainda assim, a reportagem da Folha flagrou um bar aberto em uma das vielas.
Com a percepção de que a população está relaxando nas medidas de isolamento, a Prefeitura do Rio tem feito fiscalizações em estabelecimentos pela cidade e usa carros de som para alertar sobre os riscos de sair às ruas. Um serviço de denúncias por telefone tem recebido cerca de 150 ligações por dia.
Segundo a prefeitura, o bairro de Botafogo, onde está a favela Santa Marta, tem 73 dos 1.996 casos confirmados de Covid-19 na cidade, com 2 dos 106 óbitos. Ainda não há confirmação de contaminação na comunidade, que tinha cerca de quatro mil habitantes em 2010, quando foi feito o último Censo Demográfico no país.
Com 64 anos, a doméstica Lucimar Lopes da Silva divide com quatro pessoas uma casa na parte alta da favela. Poderia optar por um dos hotéis que a prefeitura reservou para abrigar moradores de comunidades que estão no grupo de risco mas ainda não têm a doença confirmada.
Diz, porém, que não conseguiria ficar parada durante o isolamento. "Eu gosto de lidar com as minhas plantas, gosto de lidar com a minha horta. Todo dia eu estou lá cuidando delas", diz ela. "Deus me livre de ficar lá três meses presa."
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