Bancada de Doria tenta aprovar projeto que tira recurso de universidades e extingue autarquias

Especialistas dizem que proposta fere autonomia de entidades; governo tucano quer tapar rombo de R$ 10,4 bi

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São Paulo

A bancada do governo João Doria (PSDB) tentará votar nesta semana projeto de lei que retira recursos de universidades, extingue autarquias e toma uma série de medidas para enxugar a máquina pública estadual.

Para reitores e especialistas, ​se aprovada, a medida retirará das instituições de ensino a autonomia administrativa que têm há 31 anos.

No texto que apresenta o projeto de lei 529, o governador afirma que as medidas propostas são voltadas ao ajuste fiscal e ao equilíbrio das contas públicas. O objetivo é diminuir o rombo de R$ 10,4 bilhões nas contas no contexto da pandemia do novo coronavírus.

O projeto determina que o superávit financeiro de 2019 das universidades estaduais (USP, Unesp e Unicamp) e da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de S. Paulo) seja transferido ao tesouro estadual para uso no orçamento de 2021. Além disso, extingue dez órgãos públicos, responsáveis por diferentes áreas como saúde, habitação e transporte.

Cercada de polêmica, a discussão do projeto na Assembleia Legislativa se iniciou em sessão extraordinária na noite de segunda-feira (28). O líder do governo, deputado Carlão Pignatari (PSDB), pretendia terminar a discussão nos próximos dias e votar o projeto ainda nesta semana.

O projeto teria de ser debatido por seis horas e, depois, precisa obter 48 votos, de um total de 94 deputados. Nesta terça (29), o secretário de Planejamento de Doria, Mauro Ricardo, deve estar presente na Comissão de Finanças da Alesp.

Os dirigentes das universidades e da Fapesp afirmam que, apesar das prestações de contas anuais indicarem superávit, o recurso que perderão vêm de reservas financeiras já comprometidas com gastos futuros para custeio e fomento de pesquisas em andamento e que são de longo prazo.

Segundo levantamento da Aciesp (Academia de Ciências do Estado de São Paulo), se aprovado, o projeto retira R$ 1 bilhão das quatro instituições ainda este ano.

"O governo trata esse recurso como excedente, um dinheiro que está sobrando nas universidades. Na verdade, é um recurso que já está comprometido para as atividades-fim das instituições. Penaliza a boa gestão do dinheiro, quem se planejou para usá-lo futuramente", diz Nina Ranieri, professora da Faculdade de Direito da USP.

Para ela, o projeto viola o princípio da autonomia universitária. A Constituição prevê a autonomia nas esferas didático-científica e também administrativa e de gestão financeira e patrimonial.

As universidades paulistas são financiadas com uma parcela da arrecadação do ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) desde 1989, quando o então governador Orestes Quércia assinou o chamado “decreto da autonomia”. ​

Em 2007, o ex-governador José Serra (PSDB) também tentou retirar recursos das instituições e recuou depois de uma das mais longas greves da história da USP, com ocupação da reitoria por 51 dias.

​Para Vanderlan Bolzani, presidente da Aciesp, o governo procura solução imediatista para o atual problema da queda de arrecadação, mas provocará prejuízos de longo prazo à ciência.

"Essa medida afeta as pesquisas que estão em desenvolvimento e as que havia planejamento para serem feitas, porque não há mais segurança de que o dinheiro poderá ser usado pelas instituições. Desenvolvimento científico exige planejamento", diz Bolzani.

Os dirigentes das instituições afirmam que a medida coloca em risco as atividades já deste ano, uma vez que enfrentam queda de receitas com a redução da arrecadação no estado decorrente da quarentena. Elas calculam perda de R$ 1,45 bilhão em 2020. O superávit é um reserva que elas planejavam usar para diminuir os impactos da redução de receitas.

O líder do governo na Assembleia, Carlão Pignatari, se queixa das críticas do setor ligado às universidades paulistas, que definiu como uma “ilha de prosperidade”.

“Você não pode ter uma ilha de prosperidade, que são as universidades, a Fapesp, com um continente com dificuldade como está o estado. Agora é hora de solidariedade”, disse o deputado, que elogiou as boas universidades estaduais.

Pignatari afirma que as universidades não perderão dinheiro para pesquisa. “Fizemos o superávit ordinário. Tudo que já estava empenhado para pesquisa ficou. O caixa deles é muito maior do que isso. Elas têm duas vezes mais dinheiro. Isso é um recurso que não usaram em 2019, que agora o governo está precisando. A gente aprovando o projeto no ano que vem eles vão ter um dinheiro maior do que esse com benefício do ICMS”, disse.

O projeto de lei também prevê a extinção de dez autarquias, que teriam suas funções transferidas à iniciativa privada ou absorvidas por outras instituições ligadas ao estado, o que gera apreensão em muitos setores.

O líder do governo nega que a extinção das autarquias possa deixar serviços descobertos pelas secretarias. Segundo ele, haverá 18 meses para que a transição seja feita.

Para o deputado Paulo Fiorilo (PT), Doria vai na contramão do que o momento de pandemia exige. “É um absurdo o que o governo está querendo fazer num momento que precisa valorizar as universidades. Quando é para investir mais recursos e ampliar as pesquisas, ele vem para retirar recursos”, disse.

A oposição tentará de obstruir a votação, uma vez que o projeto não desagrada somente partidos de esquerda.

A deputada Janaína Paschoal (PSL) propôs uma emenda excluindo alguns dos órgãos do projeto. “Objetiva excluir a Furp (Fundação para o Remédio Popular), o Oncocentro, o Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia) e o Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo)”, disse, pouco antes do horário previsto para início da discussão na noite desta segunda.

Janaína afirma que tentava obter um consenso em torno, principalmente, de entidades ligadas à área de saúde. Ela cita como um caso simbólico o do Imesc, que atua em reconhecimento de paternidade e atende muitas famílias pobres. “O órgão produz 50 mil laudos por ano, dos quais 20 mil são de investigação de paternidade”, diz o texto da emenda apresentada por ela.

Questionado, o governo Doria afirmou que a proposta visa “medidas para garantir o pagamento de professores, profissionais da saúde, policiais e demais servidores em 2021 e manter a qualidade dos serviços públicos”.

“A proposta inclui enxugamento da máquina com extinção de fundações e autarquias, cujas funções, atribuições e quadros técnicos podem ser absorvidos pelas secretarias e outros órgãos da administração”, diz a gestão em nota.

Também diz ser “imprescindível” a retirada do superávit das instituições. “A medida é emergencial e não compromete pesquisas, não altera cronogramas e não interfere na autonomia financeira e acadêmica das instituições”.


Principais pontos do projeto

Extinções

  1. Fundação Parque Zoológico de São Paulo
  2. Furp (Fundação para o Remédio Popular)
  3. Fundação Onocentro de São Paulo
  4. CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano de São Paulo)
  5. EMTU (Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos de São Paulo)
  6. Sucen (Superintendência de Controle de Endemias)
  7. Imesc (Instituto de Medicina Social e de Criminologia)
  8. Daesp (Departamento Aeroviário do Estado de São Paulo)
  9. Itesp (Fundação Instituto de Terras do Estado de São Paulo)
  10. Instituto Florestal, unidade administrativa da Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente

Aumento da contribuição

Iamspe (plano de saúde dos funcionários públicos) - Hoje, os servidores pagam 2% sobre o rendimento mensal para seu atendimento médico e de seus familiares. A nova regra propõe cobrança por pessoa, conforme faixa etária, variando de 0,5% a 3% ao mês.

Superávit
O superávit financeiro de autarquias e fundações ao final de cada exercício poderá ser transferido à conta única do Tesouro estadual para o pagamento de aposentadoria e pensões. A mudança pode captar recursos das três universidades paulistas (USP, Unesp e Unicamp) e da Fapesp (fundação de fomento à pesquisa científica do estado).

Demissão Incentivada
Institui programa para demissão voluntária de servidores.

Nota Fiscal
Diminui a validade dos créditos da Nota Fiscal Paulista de 60 para 12 meses

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