Descrição de chapéu Mobilidade Urbana

Crianças sofrem ao ficar longe da escola e das ruas

Além dos problemas relacionados à aprendizagem, pequenos se viram impedidos de interagir com a cidade onde vivem

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Filipe Pimentel Raiana Lucas
Porto Alegre e Juazeiro do Norte

Ainda que as aulas estejam sendo retomadas, cerca de 1 bilhão de estudantes ficaram em casa em mais de 160 países, de acordo com dados da ONU (Organização das Nações Unidas). No Brasil, segundo levantamento feito pela Fundação Abrinq, 48,6 milhões de alunos da educação básica ficaram fora da escola desde março.

Dentre as consequências dessa situação, além dos problemas relacionados à aprendizagem, muitas crianças se viram impedidas de interagir com a cidade onde vivem, já que o trajeto até o colégio era uma das oportunidades que tinham de sair às ruas com maior autonomia.

 Ilustração para caderno de mobilidade urbana - Desafio das crianças
Kleverson Mariano

Aline Restano, psicóloga especialista em infância e adolescência, explica que, por volta dos sete anos, as crianças passam a assimilar os caminhos que realizam e conseguem entender melhor os espaços ao seu redor. “Mas, para isso, elas precisam ser estimuladas”, diz, mostrando preocupação com esse longo período de isolamento.

Além das escolas, os espaços públicos próximos de casa são outra opção de lazer e de interação social para as crianças. Arthur Nunes, 11, de Juazeiro do Norte, no Ceará, conta que a rua e o campinho de terra sempre foram seus lugares preferidos. Enquanto ainda não pode retomar a rotina, ele se distrai com a televisão, o celular e o quintal. “Mas eu sinto falta de jogar bola no campinho e andar de bicicleta na rua”, diz.

Em Porto Alegre, as primas Júlia Castro Fagundes, 5, e Luiza Castro Severo, 6, estão isoladas, cada uma em sua casa, desde o começo da pandemia, e sentem falta da época em que iam juntas para a escola. “A gente ia toda arrumadinha, com saia, blusa e mochila”, lembra Júlia.

Essa falta de interação das crianças com os espaços públicos, escola e outras pessoas pode afetar a saúde e o desenvolvimento intelectual e motor dos pequenos. Para a psicóloga Aline Restano, é importante que a criança tenha liberdade na sua própria cidade porque isso influencia na conquista da independência.

Criança, de costas, andando de bicicleta
Crianças se divertindo, no final da tarde, na Praça do Centro de Convenções do Cariri (CE) - Raiana Lucas


Aline diz que os pais devem ficar atentos à saúde física e mental dos pequenos. Além da carência de vitamina D, causada pela falta de contato com o sol, podem surgir doenças como depressão e mudanças de comportamento. “É importante que, dentro do possível, a criança tenha vida social, se movimente, pois isso estimula seu desenvolvimento motor e ajuda a ter menos transtornos de humor.”

Arquiteta e urbanista, Irene Quintáns acompanha de perto questões que envolvem o deslocamento das crianças no meio urbano e critica a falta de planejamento das cidades, afirmando que elas não são pensadas para garantir segurança nos trajetos realizados por crianças ou demais grupos com mobilidade reduzida, como idosos, grávidas, obesos e portadores de algum tipo de deficiência.

Apesar de problemas como ruas sem iluminação, calçadas malconservadas e espaços inadequados, algumas iniciativas tentam enfrentar a situação, estimulando os trajetos a pé e a ocupação do espaço público pelas crianças.

Criado em 2015, o projeto Carona a Pé surgiu a partir da iniciativa da professora Carolina Padilha. No trajeto a pé da sua casa até a escola, em São Paulo, ela observou que muitos alunos andavam sozinhos ou acompanhados de um único adulto. A partir disso, teve a ideia de criar pequenos grupos de caminhada.


O projeto teve que ser suspenso na pandemia, mas foi uma oportunidade para desenvolver guias que auxiliam no retorno escolar e incentivam a caminhada como uma maneira segura de deslocamento entre casa e escola.

O Instituto Corrida Amiga, também de São Paulo, fundado em 2014 por Silvia Stuchi, tem como objetivo conectar as pessoas com os espaços em que vivem. A iniciativa não é voltada somente para criança, também inclui idosos, universitários e pessoas com algum tipo de deficiência.

Entre as principais atividades estão o circuito do pedestre, montado dentro das escolas, e o “bonde a pé”, que leva os pequenos para a rua com o intuito de mostrar os espaços urbanos.

Promovido pelo governo do estado, o programa Mais Infância Ceará nasceu em 2015 e reúne projetos voltados para as crianças, entre eles o Tempo de Brincar. O objetivo é aproveitar os espaços públicos para implantar e revitalizar áreas que garantam o direito da criança aos brinquedos e às brincadeiras.


O conteúdo deste especial foi produzido pelos participantes do Lab 99+Folha de Mobilidade Urbana. Ao longo de dois meses, 30 estudantes do último ano do curso de jornalismo e recém-formados de 21 cidades do Brasil participaram de um programa que envolveu, além de palestras online com especialistas e profissionais da Folha, a elaboração de reportagens com diagnósticos e desafios da mobilidade em tempos de pandemia.

Devido ao risco de contágio pelo novo coronavírus, os integrantes do programa foram orientados a priorizar os canais digitais na produção dos seus trabalhos.

A iniciativa, fruto da parceria da Folha com a empresa de tecnologia em mobilidade urbana 99, busca contribuir para a formação e o aperfeiçoamento de profissionais voltados para a cobertura dessa que é uma das mais urgentes questões no dia a dia das cidades brasileiras. Dentre essas contribuições está a edição inédita do Manual de Jornalismo de Mobilidade Urbana Folha/99, com verbetes específicos sobre o tema.

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