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Flexibilidade de rotina da pandemia melhorará cidades, diz urbanista do MIT

Para Carlo Ratti, possibilidade de alternar horários e locações reduz tráfego e gera ganho de infraestrutura

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Rio de Janeiro

O enfrentamento atual da Covid-19 gira em torno de um principal objetivo: reduzir a transmissão para achatar a curva de novos casos do vírus. O intuito é diminuir o número de pessoas doentes ao mesmo tempo, evitando a superlotação nos hospitais.

O arquiteto italiano Carlo Ratti, professor de planejamento e tecnologias urbanas e diretor do SENSEable City Lab, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), sustenta que o mesmo princípio de redução do pico da curva pode ser aplicado ao uso das cidades. O departamento tem como missão estudar como as tecnologias afetam as cidades e como podem vir a afetar.

"Uma das tragédias no século 20 é todos terem que fazer as coisas ao mesmo tempo. Isso traz congestionamentos pela manhã, no fim de semana. Se você faz as coisas com um cronograma mais flexível, a cidade fica muito mais apta às sensações ["sense-able"] , funciona muito melhor", diz à Folha.

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O arquiteto Carlo Ratti, do MIT, durante evento do Fórum Econômico Mundial - Jakob Polacsek-11.dez.16/World Economic Fo

O inventor esteve de passagem pelo Brasil na última semana para compromissos profissionais —entre eles, encontros com o urbanista Washington Fajardo para o desenvolvimento de um projeto que pretende escanear favelas cariocas. A intenção é, a partir da análise computacional, identificar riscos e problemas a serem compreendidos e solucionados.

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Como serão as cidades do futuro no pós-pandemia?

Tem uma coisa muito interessante que a pandemia nos trouxe, que é mais flexibilidade nas nossas vidas. Uma das tragédias das cidades no século 20 é todos terem que fazer as coisas ao mesmo tempo. Isso traz congestionamentos pela manhã, no fim de semana. Se você faz as coisas com um cronograma mais flexível, a cidade fica muito mais sensível, funciona muito melhor.

Podemos fazer teleconferências pela manhã e ir ao escritório apenas à tarde, por exemplo. A pandemia nos ensinou a achatar a curva, reduzir os picos para não ver catástrofes nos hospitais. Podemos aplicar o mesmo princípio às cidades, reduzir os picos para podermos usar melhor a infraestrutura urbana. Não teremos todo mundo acordando às 8h30 para sair para trabalhar, por exemplo.

Foi o choque causado pela pandemia que mudou nosso estilo de vida?

Isso já estava acontecendo, mas a pandemia acelerou esse processo. As cidades enfrentam pandemias ao longo de toda a história. Acontece desde sempre.

Como os espaços públicos das cidades estão sendo alterados pela pandemia?

Os espaços públicos são espaços onde somos forçados a encontrar com pessoas diferentes de nós. São muito importantes para evitarmos fragmentação e segregação nas cidades. E estão sofrendo atualmente, pois as pessoas não podem estar próximas umas das outras. Em Paris, estive lá agora, acabaram de fechar tudo novamente, os espaços públicos estão mortos. Mas tenho certeza que vai voltar ao que era antes.

Como as tecnologias e telecomunicações vão adaptar o mundo a esse novo normal?

Sem tecnologia não conseguiríamos encontrar essa flexibilização que falamos. Se a mesma pandemia acontecesse há 20 anos, não poderíamos fazer muitas coisas que estamos fazendo hoje. Seria devastador. A gente precisava estar no lugar, não existia 3g, 4g, smartphones, laptops, tablets, nada que nos conectasse.

A tecnologia nos fez dar continuidade aos negócios mesmo com a pandemia. Também nos permitiu ter cidades sob demanda. Estou aqui no Rio, ando de patinete elétrico, ando de Uber, as startups nos permitem viver a vida de um jeito que não poderíamos há alguns anos.

É possível construir cidades 'aptas a sentir' no Brasil, com toda desigualdade social, alto índice de informalidade e sem que todos sejam igualmente beneficiados pela tecnologia?

A informalidade é um grande problema. Como reconectar setores informais à cidade? Mas a tecnologia tem um bom nível de alcance e efetividade. Se pensar em smartphones, tem lugares no mundo sem água encanada, mas pessoas têm smartphones em favelas. É empoderador ter acesso a conhecimento e ao mundo.

Pode falar sobre seu projeto de escanear favelas do Rio?

Estamos fazendo um projeto para escanear as favelas em 3D, começando pela Rocinha, que nos ajudará a entender melhor como intervir. Pensar na melhor forma de inserir uma escada rolante, por exemplo. Esse é mais um exemplo de como podemos usar a tecnologia para nos ajudar a diminuir essas diferenças.

O que a tecnologia nos trará para combater futuras pandemias?

Precisamos trabalhar em duas coisas: o atendimento na saúde precisa de infraestrutura melhor, mais rapidez em responder —não fomos capazes de parar o vírus porque fomos lentos; e temos que ser muito mais uniformes ao redor do mundo.

Às vezes tem um país inteiro com menos UTIs do que uma única cidade nos Estados Unidos. Temos que ter um mundo mais igualitário. E ser mais rápidos para desenvolver a infraestrutura e a vacina.

Também queremos desenvolver nossas cidades para se adaptarem mais rápido. Precisamos tentar fazer as coisas e, se não dar certo, voltar atrás. Tentar uma abordagem mais de tentativa e erro.

Um mundo polarizado politicamente, como acontece hoje no Brasil, acaba atrapalhando o processo de darmos respostas mais rápidas à pandemia?

A democracia é dividida, por definição, porque são diferentes pessoas com opiniões diferentes. Sempre vai ser devagar no tempo que respondemos, mas no longo prazo a pluralidade de opiniões é o que permite que haja diferentes opções. [Em sociedades não democráticas] se é mais rápido tomar decisões, quando a decisão é errada é um desastre. A democracia é mais lenta para começar, mas a longo prazo tende a ganhar.

A responsabilidade maior para conseguirmos ter cidades mais aptas é das pessoas ou dos governos? Como podemos fazer as pessoas serem mais sensíveis?

Na maior parte, das pessoas. Não há cidades sensíveis sem pessoas sensíveis. O engajamento é muito importante, ter as pessoas tomando parte na decisão das cidades. Dar às pessoas a possibilidade de compartilhar suas ideias sobre as cidades, a ter voz, é muito importante.

Qual será o futuro dos transportes coletivos no pós-pandemia?

Precisamos separar o que está acontecendo agora, que fica mais difícil pelo distanciamento social. Isso, mais cedo ou mais tarde, acaba. O transporte publico tem muito a oferecer, mas acredito muito na micromobilidade, patinetes elétricos, bicicletas.

É muito bom e também torna o trânsito em massa mais eficiente. Poder pegar o metrô e no fim fazer o trajeto de patinete elétrico. O interessante é como a micromibilidade pode tornar o trânsito mais efetivo, mais rápido na forma que você se conecta.

Como serão as cidades daqui a 20 anos?

Não podemos prever o futuro, vai depender de muitas descobertas.O que é importante dizer é o que podemos fazer. Em vez de prever o futuro, construir. O melhor jeito de prever o futuro é inventá-lo.


Carlo Ratti, 49

Engenheiro pelo Politecnico de Torino e pela École Nationale des Ponts et Chaussées em Paris coom doutorado em arquitetura pela Universidade de Cambridge (Reino Unido), é professor de planejamento e tecnologias urbanos e diretor do SENSEeable City Lab no MIT, além é co-presidente do Conselho do Futuro Global do Fórum Econômico Mundial sobre as Cidades.

Carlo Ratti, 49 anosCarlo Ratti, 49 anos​ *

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