Escritório de Ibaneis tem condenação por desvio do Fundeb e é ligado a campeão de honorários indevidos

Firma do governador do DF, que é advogado, foi sentenciada em 1ª instância a devolver R$ 3,3 milhões de dinheiro da educação básica

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Brasília

O escritório de advocacia do governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), político com uma das maiores fortunas do país, foi condenado em primeira instância a devolver R$ 3,3 milhões aos cofres da Prefeitura de Jacobina, cidade de 80 mil habitantes no interior da Bahia, em decorrência do desvio de verbas do antigo Fundef, hoje Fundeb (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica).

Conforme a Folha revelou nesta segunda-feira (14), pelo menos R$ 332 milhões de verba do fundo —a maior fonte de financiamento da educação básica de cidades pobres do país— foram usados para pagar honorários de advogados.

Em consonância com posicionamento do Ministério Público e de tribunais do país, o TCU (Tribunal de Contas da União) concluiu em outubro uma mega-auditoria em mais de 300 cidades do país em que concluiu que esses pagamentos representam desvio " ilegal, imoral e inconstitucional " e abriu mais de 100 tomadas de conta especiais para tentar reaver os recursos para a educação.

Além da condenação em Jacobina, o Ibaneis Advocacia e Consultoria, firma do governador do DF, atuou em outras ações ligadas às bilionárias verbas do Fundeb e é um dos principais parceiros do escritório João Azêdo e Brasileiro Sociedade de Advogados, líder em contratos para abocanhar fatias do fundo.

O governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB) - Pedro Ladeira/Folhapress

O escritório João Azêdo e Brasileiro é sediado em Teresina. O sócio fundador, João Ulisses Azêdo, tem forte atuação no Piauí, Maranhão, Ceará e Brasília. "Há 20 anos conheço Ibaneis. Desde menino”, diz Azêdo.

O governador tem família e negócios no Piauí, onde passou a infância. Em 2018, quando venceu a disputa para o governo do DF, Ibaneis declarou fortuna de R$ 94 milhões, o que incluía imóveis, embarcações e diversos objetos de arte.

O sócio do escritório João Azedo diz ser parceiro da banca tocada por Ibaneis há duas décadas. Com eleição do emedebista ao governo do DF, a parceria se dá com um sócio do governador que segue à frente dos trabalhos, segundo o advogado. “Todos os meus processos são com eles”, afirma o sócio do escritório do Piauí.

O João Azêdo e Brasileiro é o principal beneficiário de recursos que deveriam ser empregados em educação básica, dentre escritórios e advogados que atuaram para destravar o dinheiro do Fundeb. Parte das tomadas de contas especiais do TCU mira os honorários da banca piauiense.

Ao todo, o TCU identificou R$ 254,6 milhões em pagamentos indevidos a escritórios de advocacia até 2018. Esses pagamentos prosseguiram em 2019 e em 2020, como a Folha constatou no painel de informações alimentado pelo TCU, com base no compilado de decisões judiciais feito pelo CJF (Conselho da Justiça Federal). Foram mais R$ 77 milhões em honorários.

Tanto as auditorias do TCU quanto a base de dados do CJF e do tribunal mostram pagamentos ao escritório João Azêdo e Brasileiro. Os honorários somam R$ 188 milhões entre 2016 e 2020. Azêdo afirma que não recebeu esse dinheiro e que os precatórios foram expedidos, mas não pagos.

O caso do uso de dinheiro do Fundeb para a educação teve início no final dos anos 90, quando o Ministério Público Federal moveu ação apontando erro de cáclulo do repasse das verbas do Fundef a estados e municípios, o que levou à condenação definitiva da União em 2015, gerando um passivo a ser distribuído de ao menos R$ 95 bilhões.

Mesmo antes da condenação da União, municípios do Norte e Nordeste, principalmente, firmaram contratos sem licitação com escritórios de advocacia para mover ações paralelas à do Ministério Público, embora baseadas nela, com vistas a receber a sua fatia. Na maioria foi estabelecido como honorários advocatícios uma taxa de sucesso em torno de 20% do valor a ser recebido.

Em uma das procurações dadas pelo escritório de João Azedo a Ibaneis e seus sócios, em junho de 2017, a principal atribuição do escritório do hoje governador era a de "impetrar mandado de segurança contra atos praticados pelo Tribunal de Contas do Estado do Maranhão".

O Maranhão é um caso simbólico. Foi com base em uma ação movida pelos órgãos de controle do estado que o TCU firmou, em 2017, o entendimento de que verbas do Fundeb não podem ser usadas para outros fins, como pagamento de honorários.

Ibaneis figura como advogado da João Azêdo e Brasileiro Sociedade de Advogados, por exemplo, na Suspensão de Segurança —instrumento jurídico para proteger os interesses públicos— movida no STF (Supremo Tribunal Federal) pelo Tribunal de Contas do Maranhão para tentar derrubar uma decisão da Justiça local que permitiria o pagamento de honorários ao escritório João Azêdo e Brasileiro relativos a 104 ações movidas em nome de prefeituras maranhenses.

Nesse caso, a ministra Cármen Lúcia reproduziu relatório da Controladoria-Geral da União no Maranhão apontando estimativa de que o escritório João Azêdo poderia receber R$ 680 milhões de honorários das prefeituras, várias delas figurando no grupo das mais pobres do país.

Cármen suspendeu a decisão da Justiça local até que o Tribunal de Contas do estado conclua a análise da regularidade dos contratos.

No caso de Jacobina, a condenação é de outubro de 2019 e foi dada com base em ação movida pelo Ministério Público. O escritório de Ibaneis recebeu R$ 3,3 milhões para atuar apenas na liberação dos recursos obtidos em ação movida por outro escritório em nome da prefeitura. A firma de Ibaneis recorreu e o caso está em tramitação.​

A Folha procurou o governador Ibaneis Rocha, por meio de sua assessoria, desde a última sexta-feira (11). Além dos telefonemas, enviou perguntas específicas sobre os pontos abordados nesta reportagem. Não houve manifestação do governador.

O Fundeb foi renovado neste ano por meio de uma emenda constitucional que ampliou a previsão de recurso. O fundo reúne parcelas de impostos e recebe uma complementação da União. Hoje a complementação é de 10% e vai chegar, de modo escalonado, até 23%. A regulamentação já foi aprovada na Câmara é pode ser votada nesta terça-feira (15) no Senado.

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