Era sábado de Carnaval. Eu, ainda no trabalho, aguardava o fim da sentença que é saber de todos os rolês e não poder ir.
MC 3L no fone, eterno gosto de café velho na boca, mas pronto para aproveitar a madrugada do Grajaú, rumo ao Baile da ZR. Lá, a noite já é maior de idade e a rebordose só bate quando o sol aparece.
Último trem na estação Santa Cecília e meus planos começaram a ter limites. Plataforma lotada já era um indício de que o último trem poderia não vir e agora gozar estava ficando distante.
Às 23h30, entro no trem e ali começa a jornada de três baldeações entre estações, um ônibus e muita história.
Primeira parada, estação República em direção a Pinheiros. Sento no lugar dos idosos –é meia-noite, parça, não tem idoso no trem esse horário. Olho para frente e, pá! Simplesmente vejo Iemanjá, ou seria Afrodite? Não importa, era uma mulher tão linda que deixaria a Gisele Bündchen parecendo o Palmeiras no mundial, sem graça.
Negra de black power, vestida de branco e atentamente no meio do caos lendo “Mulher, Raça e Classe”, da Angela Davis, só pode ser miragem. Qual será o nome dela? Dandara, Lumena, Ruth? Será que ela se casaria comigo? Como seriam nossos filhos? Acho que a gente se daria muito bem.
Chegou a estação Fradique Coutinho e ela acaba com tudo o que construímos. Rapidamente guarda o livro, se levanta e sai, como se nunca tivéssemos nos visto. Peixes com ascendente em câncer é assim, parceiro.
“Um sábado desse, uma lua dessa. Todos os caminhos te levam à favela.” Chego em Pinheiros e o ambiente é bem mais carnavalesco. Pessoas vomitando nas escadas, fantasias rasgadas jogadas nos corredores, brigas e pessoas sangrando, um suco de Carnaval paulistano.
No Grajaú isso não acontece porque lá a gente é educado. Meu amigo Serpinha me manda uma mensagem:
Serpinha TIM: “E aí menor que horas você vai pousar? Tá de roda gigante pra cima de mim ramelão? Chega de oreada e cola logo. Tá só mandela aqui”.
Sem entender nada o que ele escreveu, ignorei a mensagem.
Em pé no trem lotado. Estação Rebouças, “O guarda sumiu o shopping trem ressurgiu”. 1h30 e os marretas tão vendendo três balas Finn por R$ 5. Comprei, lógico, estava morrendo de fome.
“Estação Santo Amaro, desembarque pelo lado direito do trem”, quem é usuário da CPTM e mora na sul de São Paulo sabe que esse é o sinal para uma das cenas mais incríveis da natureza. Nem o choque entre as águas do Rio Negro e Solimões proporciona esse espetáculo. Uns entrando, outros saindo, e o rio de pessoas está mais ressacado que o dia seguinte de uma balada com Skol a R$ 0,50.
Chego no terminal Grajaú, olho o relógio embaixo do letreiro do ônibus e já passa das 2h30 da manhã. Desistir não é comigo, parceiro, missão dada é missão cumprida! “Que horas passa o próximo Cocaia?” pergunto para um marronzinho. “Ele sai às 3h45”. Não tem problema desistir também, é só o primeiro dia de Carnaval.
Uma hora depois eu entro no ônibus vazio e com um cheiro forte de cerveja velha. Alguém deve ter curtido muito aqui. Meu rolê ainda não está perdido.
O motorista vai lendo as mensagens no WhatsApp enquanto eu penso que só quero chegar vivo no baile.
Desço no BNH e o bairro está um breu, vazio, cheio de garrafas quebradas no chão, cenário de “The Walking Dead”. Pessoas vão embora enquanto eu estou chegando.
Será que o Serpinha tá aqui?
Eu: “E aí parceiro tá onde?” Serpinha TIM: “Tô na leste. Teve operação aí no BNH. Voa pra cá!” Ele só pode estar de brincadeira. Vou meter o pé, abandonar o rolê. Também, que horas são? 5h45.
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