Desde cedo, a paulistana Alice Nakao já dava sinais de que seu lado sociável e agregador faria diferença no futuro.
Sua história começa no bairro de Água Fria (zona norte), onde cresceu ao lado de dois irmãos. Na infância, gostava de brincar na rua com amigos e vizinhos. Seguiu com os estudos até chegar ao nível superior. Prestou vestibular para economia, mas não completou o curso, segundo a aposentada Maristela Massue Nakao, 70, sua irmã.
Há cerca de 30 anos, de acordo com Maristela, Alice e o então companheiro Jô Amado viajaram de férias para Baía da Traição, na Paraíba. Gostaram tanto que resolveram trocar a capital paulista pelo lugar. Abriram o restaurante “Sol Nascente”, à beira mar, e permaneceram ali até sofrerem um assalto.
A culinária —mistura delicada entre a comida brasileira e a oriental— era um de seus seu dons, mas com temperos que encantavam: afeto, generosidade, poder de agregar as pessoas e um humor refinado.
Alice foi parceira da Funai (Fundação Nacional do Índio) em trabalhos com aldeias indígenas e orientava clientes e funcionários do restaurante em relação à importância da higiene e de não jogar lixo na praia.
“Ela era muito solidária. Vivia de bem com a vida e desejava o mesmo às pessoas ao seu redor”, diz Maristela.
De volta a São Paulo, Alice foi trabalhar em Taubaté (a 140 km de SP), conheceu São Luiz do Paraitinga e iniciou uma história de amor com a cidade. Lá, reabriu o Sol Nascente, tornou-se empreendedora, divulgadora da cultura local, produtora e ativista cultural. Incentivou artistas, artesãos e músicos e foi diversas vezes homenageada por suas contribuições.
O estabelecimento virou referência na cidade e um involuntário centro irradiador de cultura e ponto de encontro de artistas e das organizações sociais locais. Alice estava a frente de muitas associações, entre elas, da Sosaci (Sociedade dos Observadores de Saci). A Festa do Saci, que faz parte do calendário oficial da cidade, foi sua criação.
“Ela organizava festas, participava ativamente do famoso Carnaval da cidade, promovia shows musicais e atividades culturais”, afirma o amigo Cao Hamburger, autor, diretor e produtor.
“A qualidade da conexão que ela tinha com as pessoas se define pela delicadeza, profundidade, respeito e ao mesmo tempo com firmeza de ética na vida e na amizade”, completa Cao.
Desde 2007, a cantora Suzana Salles, 65, é curadora e idealizadora da Semana da Canção Brasileira, em São Luiz do Paraitinga, e o Sol Nascente apoia o evento.
“Fica difícil desvencilhar a vida cultural de São Luiz do Paraitinga, que é riquíssima, da figura dela. O próprio largo das Mercês, onde está o restaurante, ficou vivo porque ela promovia shows ali. Ela tinha um jeito especial de lidar com os funcionários e as pessoas. Transformava em uma grande família. O olhar de Alice e seu jeito calmo ao falar convidavam ao aconchego”, conta Suzana.
Em 2010, o município foi destruído por uma enchente. Na ocasião, Alice perdeu a casa onde morava e o restaurante. “Ela já abrigava a cidade dentro do seu coração. Foi assim que ela reconstruiu, com a ajuda e as memórias de todos”, diz Suzana.
Mesmo com todos os cuidados, Alice Nakao foi infectada pelo coronavírus e morreu dia 14 de abril, aos 68 anos. Separada, deixa dois irmãos.
Ela levou consigo uma parte da história de São Luiz do Paraitinga. Maristela ainda não se sabe o destino do Restaurante Sol Nascente –se será fechado ou vendido.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.