Polícia impõe sigilo de cinco anos a informações sobre operação no Jacarezinho

Corporação diz que divulgar dados pode comprometer investigação, mas entidades veem tentativa de ocultação

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Rio de Janeiro

A Polícia Civil do Rio de Janeiro impôs um sigilo de cinco anos a informações sobre a operação que deixou 28 mortos na comunidade do Jacarezinho no dia 6 de maio, a mais letal da história do estado. Com isso, apenas o Ministério Público terá acesso aos dados.

Criticada por várias entidades, a classificação como "reservado" vale para diversos documentos, incluindo a justificativa para a ação enviada à Promotoria naquele dia, o relatório final da operação que descreve o que ocorreu e até os custos e os nomes dos policiais envolvidos.

Na última sexta (21), a força-tarefa criada pelo Ministério Público pediu que a polícia enviasse uma série de arquivos e imagens aéreas da ação em um prazo de dez dias, incluindo laudos de necropsia e fotos dos ferimentos nos corpos produzidos pelo IML (Instituto Médico Legal).

O sigilo desses dados foi informado pela própria Polícia Civil depois que veículos de imprensa solicitaram documentos via LAI (Lei de Acesso à Informação). A medida foi determinada pelo delegado Rodrigo Oliveira, subsecretário de Planejamento e Integração Operacional da corporação.

Entre os motivos para a classificação, Oliveira cita que a divulgação pode "comprometer atividades de inteligência, bem como de investigação ou fiscalização em andamento, relacionadas com a prevenção ou repressão de infrações", segundo o UOL.

Esse é um dos argumentos que constam no decreto estadual que regulamenta a LAI no Rio de Janeiro, que também elenca "prejudicar ou causar risco a planos ou operações estratégicos dos órgãos de segurança do estado" como justificativa para a imposição de sigilo a documentos estaduais.

Tanto a lei federal quanto o decreto determinam que "as informações sobre condutas que impliquem violação dos direitos humanos praticadas por agentes públicos ou a mando de autoridades públicas não poderão ser objeto de classificação em qualquer grau de sigilo nem ter seu acesso negado".

Sobre isso, a polícia afirmou que "falar em violação aos direitos humanos antes da conclusão das investigações é precipitado e busca politizar a discussão” e que “os órgãos responsáveis pela investigação têm amplo acesso a todas as informações, sem qualquer sigilo".

Várias organizações da sociedade civil, porém, veem tentativa de ocultar dados. A ONG Human Rights Watch publicou nota ressaltando que no caso do Jacarezinho "há evidências de execuções extrajudiciais, abusos contra pessoas detidas e destruição de provas mediante a remoção de corpos do lugar dos tiroteios".

"Existe um claro conflito de interesse quando a Polícia Civil, que investiga se os próprios agentes violaram a lei, agora decide decretar sigilo de informações sobre a operação com o argumento de que a sua publicação pode comprometer a investigação ou atividades de inteligência", afirma.

A entidade lembra ainda que, no dia da operação, mesmo antes das apurações, a corporação declarou que não houve nenhum abuso: "É difícil acreditar que a motivação para decretar o sigilo seja verdadeiramente proteger uma investigação cuja conclusão eles já anteciparam". Por fim, sugere que o sigilo seja revisto por autoridade independente.

A ABI (Associação Brasileira de Imprensa) também divulgou comunicado dizendo que está estudando medidas jurídicas para derrubar a classificação. A organização já havia entrado com uma notícia-crime no STJ (Superior Tribunal de Justiça) contra o governador Cláudio Castro (PSC) após o massacre.

"A operação no Jacarezinho foi a mais letal na história do estado e está sob investigação, agora prejudicada pelo sigilo decretado pelo seu maior responsável, o governo estadual. Está claro que o objetivo de tornar sigilosas as informações é impedir uma investigação isenta", escreve.

Já Álvaro Quintão, presidente da comissão de direitos humanos da OAB-RJ (Ordem dos Advogados do Brasil), declarou que "tornar sigilosa toda a investigação é esconder o que de fato aconteceu" e "viola inclusive tratados de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário".

"O STF [Supremo Tribunal Federal] tem que se posicionar mais uma vez e tornar público tudo que aconteceu durante a operação do Jacarezinho, quem autorizou aquela operação e quais os motivos reais que levaram à operação que vitimou quase três dezenas de pessoas", afirmou.

Na última sexta, o ministro Edson Fachin, relator do Supremo na ação que restringiu operações policiais no Rio de Janeiro durante a pandemia (a ADPF 635), se posicionou contra o sigilo de protocolos das polícias —mas não falou sobre operações e investigações.

"Não há justificativa para que os protocolos de atuação das polícias, que constituem os verdadeiros parâmetros de controle da legalidade de sua atuação, seja mantidos em sigilo, impedindo o controle externo da atividade policial e o próprio controle cidadão da atividade policial e dos membros do Ministério Público", escreveu.

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