Parque Augusta abre com trilhas do século passado, ruínas e cachorródromo

Após ocupações, brigas com poder público e descobertas arqueológicas, terreno no centro de SP está, enfim, pronto

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São Paulo

O parque Augusta, na região central de São Paulo, está pronto para, enfim, abrir as portas ao público. Os últimos acertos que envolvem o local, agora, dizem respeito à data de inauguração.

A previsão, por enquanto, é que ocorra em 6 de novembro (sábado). O espaço, que ocupa parte do quarteirão entre as ruas Augusta, Caio Prado e Marquês de Paranaguá, deve ficar aberto todos os dias das 5h às 21h.

A data de entrega do parque, no entanto, parece mero detalhe perto da novela que envolve o terreno e se arrasta há 50 anos.

O bosque do parque Augusta. Durante a reforma do local, foram retiradas 73 árvores e 193 novas mudas. Hoje, o local reúne 920 árvores
O bosque do parque Augusta. Durante a reforma do local, foram retiradas 73 árvores e 193 novas mudas. Hoje, o local reúne 920 árvores - Eduardo Knapp/Folhapress

Os primeiros registros da área são de 1902, quando o Palacete Uchoa foi construído —arquitetado por Victor Dubugras foi transformado no Colégio Des Oiseaux. Na entrada principal, na rua Caio Prado, os visitantes atravessarão parte do que sobrou dessa escola: o portal tombado pelo Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo).

Ali circulavam as alunas do colégio que funcionou entre 1907 e 1969, exclusivamente para as filhas da elite paulista —passaram pela instituição nomes como Marta Suplicy e Ruth Cardoso. Para o parque, o portal foi restaurado a fim de abrigar uma guarita.

Ele funcionará como porta para os 24 mil m² de terreno. Lá dentro o público terá acesso a um bosque, a uma arquibancada para apresentações, a um cachorródromo, a parquinhos para crianças e a equipamentos de ginástica, entre outros atrativos.

Há ainda locais para instalação de redes (redário), slacklines e a chamada Casa das Araras —também tombada pelo Conpresp—, que foi restaurada para receber eventos e pequenas exposições.

O prédio do Colégio Des Oiseaux não existe mais, pois foi derrubado em 1974. Alguns anos depois, em 1977, o terreno foi comprado pela construtora Teijin. A empresa pretendia transformá-lo em um complexo hoteleiro. O projeto, porém, naufragou, e o local passou a ser usado para shows e apresentações.

Na sequência, um ex-banqueiro adquiriu o pedaço de terra e anunciou um hipermercado, que também não saiu do papel. E, em 2006, em meio a essas indefinições, começaram os embates com moradores da região.

Os anos seguintes foram marcados por discussões entre vizinhos, novas compras e vendas do terreno e também novos anseios na região. Em 2013, as construtoras Cyrela e Setin adquiriram a área e anunciaram que ergueriam ali torres.

Após um longo processo de negociação, idas e vindas, ocupações, festivais e mobilização de moradores, o terreno foi doado à Prefeitura de São Paulo em 2019 pelas construtoras. Em troca, as empresas receberam créditos para erguer outros empreendimentos na cidade.

Como parte do acordo, os custos de implantação do parque foram realizados pelas empresas. De acordo com a prefeitura, os investimentos com a obra giram em torno de R$ 11 milhões.

Além da iniciativa do parque, a análise de potencial arqueológico do terreno também partiu de moradores e frequentadores da região que encaminharam um pedido ao Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional).

Por isso, as obras foram atrasadas, em meio à pandemia em 2020, quando houve a descoberta de atrativos arqueológicos —nas escavações foram achados 2.126 materiais como louças, vidros, pisos, soleiras de porta, cerâmicas e metais, entre outros itens.

Ruínas encontradas durante a escavação permanecem no parque. "A ideia futura é fazer um parque arqueológico dentro do parque Augusta, e isso é inédito em São Paulo", diz a arqueóloga Angélica Moreira, que acompanhou a obra.

Moreira explica que os fragmentos de materiais construtivos estão no Centro de Arqueologia de São Paulo, onde ainda passam por um tratamento. "Depois devemos fazer uma exposição para que as pessoas possam ter contato com esse material."

Durante as obras, em 2019, também foram descobertas trilhas do século passado, que foram mantidas. Além disso, também foi preservado um muro com antigos arcos. Acredita-se que antigamente ele contivesse tubulações que serviam para escoar água até a região da avenida Nove de Julho.

Grafites e pichações realizadas ao longo das décadas também foram deixados, como registro histórico. Diretora da Divisão de Implementação, Projetos e Obras da Secretaria do Verde e Meio Ambiente, Isabella Armentano lembra que manter o muro com essas intervenções também foi uma reivindicação da sociedade, já que o projeto anterior previa a demolição de partes dele.

Quem passa pela rua Augusta, vê no letreiro "Parque Augusta - Prefeito Bruno Covas". O nome é fruto de um projeto de lei do vereador Rodrigo Goulart (PSD), promulgado em julho, a fim de homenagear o ex-prefeito, morto neste ano em decorrência de um câncer.

A iniciativa, contudo, não agradou a todos os moradores do entorno, diz Mauricio Bertoni, que atua no conselho gestor do parque. "O projeto do parque veio de iniciativa popular e foi uma briga com o poder público para que houvesse um acordo", afirma ele, que relata ter recebido reclamações de vizinhos.

Com as obras finalizadas e o parque prestes a abrir, Bertoni se diz esperançoso de que o poder público olhe mais para a região central. "O centro é muito visado quando se precisa fazer algum tipo de evento, como Virada Cultural e Carnaval, mas é necessário que seja bem cuidado."

Agora o conselho gestor do parque se prepara para criar um calendário de eventos. Artistas da região estão ansiosos para se apresentar ali, lembra o grupo. Para isso, no entanto, precisam equilibrar outro interesse: o bem-estar de moradores do entorno que resistem à programação por conta do barulho —além disso, os sons podem afetar aves que habitam a área.

Ana Cláudia Banin, socióloga e membro do conselho que está à frente do movimento desde 2014, relembra que os shows e manifestações populares realizados no local foram essenciais para chamar atenção na época. "Queríamos dar uma dimensão de tudo aquilo que a cidade estava perdendo se aquilo não virasse um parque."

Agora, ela avalia, a inaguração parece ter um caráter devolutivo. "Sinto que é a devolução de algo que nunca deveria ter sido retirado da sociedade. Mostra como a demonstração popular consegue, sim, dobrar grandes poderes e fazer frente a pautas de seus interesses", diz.

A HISTÓRIA DO TERRENO DO PARQUE AUGUSTA

1902 - Palacete Uchoa é construído no terreno onde hoje é o fica o parque

1907 a 1969 - Tradicional colégio feminino Des Oiseaux funciona no local

1970 - Prefeitura decreta utilidade pública do espaço para fazer um jardim

1973 - Decreto é revertido pelos proprietários, que anunciam a construção de um hotel

1974 - Palacete é demolido sem autorização; sobra apenas uma casa, hoje tombada

1977 - Construtora Teijin compra o terreno para fazer um complexo hoteleiro, mas projeto naufraga

Anos 1980 - Uma lona circense no local abriga o Projeto SP, com shows e atividades

1989 - Decreto obriga a manutenção da área aberta

1996 - O ex-banqueiro do BCN Armando Conde adquire o terreno da Teijin

2004 - Bosque que existe no local é tombado

2006 - Conde anuncia hipermercado, e embate com moradores começa. Ele desiste e decide construir três torres comerciais, mas projeto também é rejeitado

2008 - Prefeito Kassab (PSD) decreta utilidade pública do local novamente

2011 - Câmara aprova a criação de parque

2012 - Empresas Setin e Cyrela apresentam seu projeto para a área, com construção de torres

2013 - Decreto de utilidade pública caduca, Cyrela e Setin formalizam compra do terreno, e portões são fechados ao público. Haddad (PT) sanciona lei autorizando a criação do parque

2014 - Em janeiro, Secretaria do Verde e do Meio Ambiente afirma que não tem verba para bancar a construção

2015 - Cerca de 300 ativistas ocupam o terreno por dois meses, enquanto conselho municipal aprova projeto de construtoras para empreendimento. Em abril, Justiça concede liminar para abertura do portão

2016 - Ação do Ministério Público contra construtoras pede devolução da área e indenização por danos morais coletivos

2016 - Na campanha eleitoral, Doria (PSDB) diz ao jornal Estado de S. Paulo que parque não sairia do papel: "A prefeitura não vai gastar dinheiro público nisso"

2017 - Doria anuncia que vai oferecer terrenos públicos às empreiteiras em troca da área do parque e que ela será aberta em 2018. Acordo é abandonado no ano seguinte

2018 - Gestão Covas (PSDB) e construtoras anunciam novo acordo e prometem parque para 2020​

2020 - Pandemia e encontro de artefatos paralisam obra; prefeitura cataloga objetos encontrados

2021 - Inauguração é marcada para novembro

Erramos: o texto foi alterado

Versão anterior do texto grafou incorretamente o nome da socióloga Ana Cláudia Banin.

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