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Prefeitura de SP contrata 12 vezes a mesma entidade sem licitação

MP viu indício de ilegalidade em ao menos dois casos; administração diz que seguiu legislação

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo fechou ao menos 12 contratos sem licitação com a mesma fundação da área de engenharia, a FDTE (Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia). Todos se referem a períodos a partir de 2018, e seus valores somados ultrapassam R$ 22 milhões.

Os contratos com a FDTE entraram no radar do Ministério Público, que apontou indícios de ilegalidades em duas contratações feitas pela prefeitura com dispensa de licitação. Os contratos também vêm sendo questionados por políticos da oposição, de partidos como PT e PSOL.

De acordo com dados da versão online do Diário Oficial, desde 2005, a FDTE havia sido contratada apenas uma vez na gestão de Fernando Haddad (PT), outra na de Gilberto Kassab (PSD) e uma terceira sob José Serra (PSDB).

Desde 2018, quando Bruno Covas (PSDB) assumiu substituindo João Doria (PSDB), houve ao menos 13 contratos com a FDTE, ainda segundo os dados do Diário Oficial. A reportagem localizou apenas um feito com licitação. Covas, que morreu em maio deste ano, foi sucedido por Ricardo Nunes (MDB).

Trabalhadores fazem recapeamento em rua de São Paulo
Trabalhadores fazem recapeamento em rua de São Paulo, um dos serviços que possuem estudos da FDTE (Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia) - Zanone Fraissat/Folhapress

A FDTE é uma entidade que reúne diversos docentes da Escola Politécnica da USP. Atua na área de projetos de engenharia civil e da computação.

Neste ano, a Justiça suspendeu um contrato sem licitação com a entidade no valor de R$ 3,5 milhões. A contratação era para prestação de serviços técnicos em apoio à revisão do Plano Diretor —sem ela, a prefeitura resolveu adiar a revisão para o ano que vem.

Outra contratação que despertou suspeitas se relaciona com o contrato de R$ 430,2 mil para o planejamento de eventos de grande porte na capital paulista, como o Carnaval de rua. Conforme a Folha revelou, o ex-assessor de programação cultural Ronaldo Bitello aparece como beneficiário do contrato.

Para o promotor Marcus Vinícius dos Santos, há indícios de improbidade administrativa nos casos.

A Secretaria Municipal das Subprefeituras é a que mais recorre à FDTE, tendo fechado nove dos contratos da fundação com a administração municipal. Parte importante dos valores tem a ver com monitoramento da pavimentação da cidade. O projeto utiliza sensores colocados em veículos para verificar a situação do asfalto.

"É um conjunto de três projetos para que chegasse ao que a gente tem hoje, que é andar 170 mil km com Uber, táxi, veículo próprio para a gente monitorar 88,4% da malha viária do município", diz Flavio Leal Maranhão, pesquisador da FDTE que coordena alguns dos projetos em parceria com a prefeitura.

Ele argumenta que a forma de contratação adotada se deve, entre outros motivos, à característica da fundação de unir profissionais multidisciplinares e ligados à academia.

"São alternativas que a lei permite de contratar institutos e fundações ligadas a pesquisas e desenvolvimento, ligadas a instituições de ensino. E aí existe um processo de não necessidade de pregão, atendendo à legislação com justificativa e provas claras. Em todos os trabalhos que fazemos tem mestrandos envolvidos, doutorandos envolvidos."

Sobre o projeto envolvendo o ex-assessor Ronaldo Bitello, ele afirmou que havia necessidade da presença de alguém que já tivesse organizado desfiles de Carnaval antes. Diz também que os valores repassados a ele são apenas uma parte pequena do contrato.

A respeito do projeto relacionado ao Plano Diretor, ele afirma que a fundação tem acervo técnico e já fez projeto relacionado ao tema. Este projeto específico tem como integrante o ex-secretário de Desenvolvimento Urbano da gestão Kassab, Miguel Bucalem.

A Secretaria da Pessoa com Deficiência também tem dois projetos para desenvolvimento de serviços digitais de plataforma para divulgar dados estatísticos relacionados a essa parcela da população.

Para o professor de direito administrativo Carlos Roberto Marques, da Universidade Candido Mendes, a lei prevê a possibilidade de contratação sem licitação, mas é necessário que haja justificativas plausíveis para cada um dos contratos.

"A fundação preenche os requisitos, desenvolve atividades na área de tecnologia, ciência, pesquisa. Tem que observar as formalidades e entender por que foram tantos contratos firmados só com ela", diz.

Em ao menos um dos casos, o relacionado ao Plano Diretor, o posicionamento judicial até o momento foi o de que havia a previsibilidade deste tipo de serviço e, por isso, a licitação deveria ter sido feita.

O assunto também chamou a atenção do vereador Antonio Donato, do PT, que questionou o TCM (Tribunal de Contas do Município) sobre as contratações sem licitação. Ele classificou como estranha a escolha da mesma entidade para assuntos tão diferentes.

Segundo o vereador, o TCM abriu procedimento sobre o assunto, mas não enviou resposta ainda.

A gestão Ricardo Nunes afirmou à Folha que todas as contratações seguem a legislação. As pastas de Subprefeituras e da Pessoa com Deficiência também afirmaram seguir os ritos da lei.

"[A lei] prevê, entre as modalidades possíveis para contratação por órgãos públicos, a dispensa de licitação em determinados casos, entre eles, quando envolver instituição de pesquisa sem fins lucrativos, exatamente o caso da Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia, ligada à Escola Politécnica da Universidade de São Paulo", diz nota da prefeitura.

Prefeito Ricardo Nunes em frente à Capela Santa Luzia, em São Paulo
A gestão do prefeito Ricardo Nunes afirma que casos de dispensa de licitação são exceção e que a contratação da FDTE está dentro da lei - Greg Salibian/Folhapress Greg Sa

A administração afirma que as contratações sem licitação são exceções e que os 12 contratos citados "representam menos de 0,0001% de todos os firmados pelo município desde 2018". "Anualmente, são cadastrados cerca de 35 mil novos contratos no Sistema de Orçamento e Finanças (SOF) e esse número mostra que não há grande quantidade de contratos com dispensa de licitação."

Além disso, a prefeitura diz que a parceria com "a FDTE, bem como diversas outras instituições ligadas a renomados centros universitários, representa importante contribuição nas políticas públicas desenvolvidas pelo município, pois permite ao poder público prestar à população serviços baseados na expertise da academia".

Sobre o contrato relacionado ao Plano Diretor, a Secretaria de Urbanismo afirmou que foi realizada consulta a entidades da mesma natureza e escolhida a de menor preço.

A FDTE enviou parecer à Folha feito pelo professor Floriano de Azevedo Marques Neto, titular da Faculdade de Direito da USP, afirmando que a fundação preenche as condições para a contratação direta.

"Como a FDTE é uma instituição sem fins lucrativos, com reconhecida reputação ético-profissional e autorizada, pelo seu estatuto social, a celebrar contratos com o poder público para promover a pesquisa e o desenvolvimento institucional, ela preenche os três requisitos subjetivos para ser contratada diretamente pelo poder público", diz o documento.

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