Descrição de chapéu Tragédia em Capitólio

Fraturas nas rochas e erosão por água e vento explicam desabamento em Capitólio

Lagoa criada por barragem e turismo geram impacto contínuo do paredão de rochas

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São Paulo

As rochas da parede do cânion em Capitólio (MG) que se desprenderam e caíram sobre quatro lanchas, causando um acidente com pelo menos oito mortos e 32 feridos, já possuem naturalmente diversas fraturas que favorecem esses deslizamentos de blocos de tempos em tempos.

Essa condição, que é um processo natural da própria formação rochosa, aliada à erosão causada pelo impacto da água e do vento no paredão podem ter levado ao acidente registrado neste sábado (8).

Um deslizamento de pedras no Lago de Furnas, em Capitólio, no Centro-Oeste de Minas, atingiu três embarcações com turistas neste sábado (8 - Reprodução

Segundo o geólogo do Instituto de Geociências da USP Cláudio Riccomini, as rochas que formam os cânions de Capitólio são essencialmente sedimentares, depositadas ao longo de milhares de anos em uma posição quase horizontal (o que explica o estrato rochoso em várias camadas que pode ser visto em fotos da região) e que depois sofreram um processo conhecido como metamorfismo. Essas rochas posteriormente sofreram pressões e foram fraturadas. "Esse processo levou às fraturas que também podem ser observadas ao olhar por exemplo uma imagem aérea desses cânions", explica.

As fraturas presentes são, inclusive, responsáveis pela formação das escarpas verticais tão populares entre os turistas que visitam o local. "Aquele cânion só existe porque em outros momentos no passado houve também o desabamento da rocha, e isso é evidenciado pelas fraturas quase verticais [em posição próximo a um ângulo de 90˚) vistas nas imagens do acidente de hoje", afirma o pesquisador, que também é professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da universidade.

O processo de desprendimento dos blocos, no entanto, foi acelerado por dois outros processos que ocorrem: o intemperismo e a erosão. O primeiro é caracterizado pelo desgaste físico ou químico da rocha, e pode ter como causa a água, que altera e dissolve lentamente as rochas, ou a inserção de raízes das árvores que aumentam sua degradação. O segundo é o processo de retirada e transporte dos sedimentos produzidos pelo intemperismo, com a deposição no leito do rio, e está também associado à água.

O Lago de Furnas, criado em 1963 e principal atração turística em volta dos cânions, intensificou esse processo de erosão pela água.

De acordo com Riccomini, as barragens artificiais, seja para uso da água como reserva, seja para fins comerciais ou turísticos geralmente contornam o segundo problema com algum tipo de impermeabilização das margens do lago.

"Para reduzir o impacto que as ondas provocam na rocha, é comum fazer a impermeabilização com concreto [barragens] ou com rochas menores, porque assim a onda chega com uma energia reduzida naquela escarpa rochosa e evita a erosão", explica. "No caso do cânion [de Capitólio], isso não é possível porque o paredão rochoso é vertical e muito extenso."

"Ou seja, além da fragilidade natural das encostas, as ações do homem e as fortes chuvas tornaram as paredes expostas do cânion mais suscetíveis a um desabamento", diz.

Já em relação ao intemperismo físico, o também geólogo e professor do Instituto de Energia e Ambiente (IEE) da USP, Colombo Celso Gaeta descreve como a água que vem das chuvas pode provocar uma pressão maior sobre as rochas. "A chuva penetra nas fraturas já existentes na rocha, porque a composição desses cânions, com quartzito, ele já é naturalmente fraturado, e causa uma pressão d’água dentro dessas rachaduras e pode ter ocorrido o desprendimento", diz.

Tanto Gaeta quanto Riccomini, porém, dizem que essas são possíveis explicações para o que ocorreu, mas só estudos geológicos mais aprofundados podem definir com 100% de certeza o que houve.

O fato é que desabamentos em cânions são processos naturais e que podem ocorrer a qualquer momento, e é por isso que é importante fazer o mapeamento dessas estruturas rochosas e, possivelmente, a prevenção das quedas.

"É uma situação que vinha de certa forma sendo anunciada, porque quando o bloco cai é possível ver que a rocha atrás não traz as características de uma rocha fresca, resultado de um intemperismo antigo, então é um indicativo que essa fratura já era profunda e larga", afirma o também geólogo e professor do programa de pós-graduação em Ciência Ambiental da USP, Pedro Luiz Côrtes.

O pesquisador afirma que em um dos vídeos turistas que estão em uma outra lancha mais afastada do acidente percebem o deslizamento alguns segundos antes de ocorrer, o que pode reforçar a necessidade de uma distância segura entre os costões e as navegações.

Côrtes explica ainda que o monitoramento de áreas como barragens é feito, em geral, em barragens de grande porte onde há atividade de mineração ou de captação de água por equipamentos ou vistorias técnicas, mas áreas como a Lagoa de Furnas não devem ser monitoradas tão constantemente assim, especialmente por não ter havido um acidente do tipo antes.

"Por isso sou favorável ao estabelecimento de um perímetro, até quanto ele pode atingir o lago e qual a onda de impacto que ele pode gerar na água", explica.

"Devido a essa natureza da rocha, esse processo de queda que ocorre há centenas de milhares de anos, o ideal era olhar o topo dos cânions a quantos metros ele está e definir uma distância segura para as atividades, não chegando próximo às encostas", afirma Riccomini.

O Serviço Geológico do Brasil (CPRM) possui inclusive um sistema de monitoramento dos geossítios brasileiros, além de áreas envolvendo os geoparques, chamado Geossit (Sistema de Cadastro e Quantificação de Geossítios e Sítios da Geodiversidade) responsável por mapear e monitorar esses locais, com indicadores como valor turístico e risco de degradação. A última informação disponível sobre o geossítio Canyons de Furnas, em Capitólio (MG) é do último dia 17 de dezembro, onde o risco de degradação por ação humana, e não natural, foi classificado como baixo.

As chuvas intensas que ocorreram nos últimos dias podem ter acelerado esse processo, pois com o aumento da pluviosidade aumenta também a atividade de erosão causada pela água. No mesmo momento do deslizamento, é possível ver uma cabeça d’água no local, que é caracterizada por uma subida repentina do nível da água causada pelo volume da chuva.

Erramos: o texto foi alterado

Em versão anterior deste texto, a informação de que o risco de desabamento do Canyon de Furnas como baixo no sistema Geossit do Serviço Geológico do Brasil dizia respeito ao risco de degradação causada por ação humana, não natural, como foi o caso de Capitólio.​

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