Polícia do Rio não reconhece autoria de ao menos 8 mortes na Vila Cruzeiro

Corpos levados por moradores são registrados como homicídios comuns, o que dificulta apuração; operação deixou 25 vítimas

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Rio de Janeiro

Ao menos 8 das 25 mortes ocorridas na operação policial na Vila Cruzeiro, favela da zona norte do Rio de Janeiro, não foram registradas como provocadas por agentes do estado e não têm suas circunstâncias básicas conhecidas.

Essas mortes foram registradas como homicídio comum e se referem a corpos levados pelos próprios moradores ao Hospital Getúlio Vargas e outras unidades de saúde. De acordo com lideranças comunitárias, todos foram vítimas de policiais.

O registro como homicídio dificulta ainda mais o esclarecimento sobre as circunstâncias dessas mortes.

Corpos deitados em caçamba de carro
Corpos de vítimas da Operação da Vila Cruzeiro, chegam ao hospital Getúlio Vargas, na zona norte do Rio, nesta terça (24) - Eduardo Anizelli - 24.mai.2022/Folhapress

Homicídios provocados em confrontos com policiais são registrados na Delegacia de Homicídios (DH) como "mortes decorrentes de intervenção policial". Os boletins de ocorrência apresentam, nesses casos, os agentes envolvidos na ação, incluindo de início a versão deles sobre o confronto, bem como as armas eventualmente apreendidas.

Foi esta a forma de registro, por exemplo, das 27 mortes provocadas por policiais na operação do Jacarezinho, em maio de 2021. Um agente também morreu.

A Folha obteve dois boletins de ocorrência que se referem a 18 das 25 mortes na Vila Cruzeiro.

Um relata a entrada de oito pessoas já mortas, "socorridas por populares que não se identificaram na emergência". Esses casos foram registrados como homicídio.

Cristino Valle Brito, da OAB-RJ, que acompanhava a retirada de um dos corpos, disse que o jovem chegou a pedir ajuda para ser encaminhado ao hospital, mas morreu a caminho da unidade.

"Infelizmente, eles [os policiais] não estão fazendo o socorro dos mortos e dos alvejados. A gente está pedindo um cessar-fogo, ao menos temporário, para socorrer feridos e retirar corpos", afirmou.


​Onde fica a Vila Cruzeiro


Valle Brito disse que o jovem foi baleado na região conhecida como Terra Prometida, na parte alta da Vila Cruzeiro. "Os corpos estão distribuídos na mata e em locais de difícil acesso", disse ele na terça-feira (24).

Para esclarecimento das mortes, a Polícia Militar e a Polícia Rodoviária Federal deverão identificar se alguma de suas equipes reconhece a autoria. Caso isso não aconteça, a apuração começará sem a autoria definida, como ocorre em homicídios comuns.

Projéteis eventualmente encontrados nos corpos podem auxiliar na identificação da origem do disparo.

Procurada, a PM não comentou.

O outro boletim de ocorrência foi registrado como "morte decorrente de intervenção policial" na DH. Ele relata a morte de dez pessoas em suposto confronto num local conhecido como Pedra do Sapo. Doze policiais militares se declararam envolvidos no tiroteio. O documento também descreve toda a apreensão da operação: 13 fuzis, 12 granadas e 4 pistolas.

Este também é o único confronto descrito pelos policiais em relatório enviado ao Ministério Público após a operação.

A corporação relatou ter entrado a pé pela rua Ministro Moreira de Abreu, que da acesso à área de mata próxima à Pedra do Sapo. Nesse local, segundo a PM, os policiais se depararam com um grupo de 20 a 30 criminosos armados, que estavam em fuga da Vila Cruzeiro para o Complexo do Alemão.

Após a troca de tiros, que contou com apoio da Polícia Rodoviária Federal, foram encontrados dez pessoas feridas, segundo a PM. Eles foram levados para o Hospital Getúlio Vargas, onde já chegaram mortos.

As demais 15 mortes seguem sem esclarecimento sobre suas circunstâncias básicas.

O procedimento é distinto do ocorrido na operação do Jacarezinho, quando foram feitos 11 registros de ocorrências descrevendo cada um dos supostos confrontos. A partir deles, o MP-RJ pôde comparar o relato dos policiais com perícias realizadas nos locais, nos corpos e roupas das vítimas.

Após a apuração, a Promotoria afirma que quatro policiais mentiram em seus depoimentos sobre três mortes no Jacarezinho e os denunciou sob acusação de homicídio. Os demais casos foram arquivados, porque os promotores não identificaram indícios de inconsistência na versão apresentadas pelos agentes sobre os supostos confrontos.

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