Vindo de Santos para São Paulo, Pedro de Alcântara estava na colina do Ipiranga quando chegaram dois mensageiros. Traziam cartas do Rio de Janeiro para o então príncipe regente do Brasil.
Em sua correspondência, Leopoldina recomendava ao marido atenção ao que José Bonifácio havia escrito. A carta do ministro, por sua vez, comentava as ameaças crescentes de Portugal e aconselhava o regente de apenas 23 anos a se tornar imperador.
De acordo com boa parte dos estudiosos desse período, aquela tarde de 7 de setembro teve dois momentos relevantes. Depois de ler as cartas, Pedro disse ao padre Belchior, um dos homens que o acompanhavam na viagem, que o Brasil, enfim, se separaria de Portugal. A decisão havia sido tomada.
Instantes depois, veio a proclamação, com gestos teatrais diante da Guarda de Honra e do seu séquito pessoal. Foi nesse momento que, segundo o ajudante de ordens Canto e Melo, o regente anunciou "Independência ou Morte".
Mas onde ocorreu exatamente esse segundo episódio, o grito tão celebrado e discutido?
Depois de uma sucessão de erros relacionados a essa localização, o engenheiro especializado em cartografia histórica Jorge Pimentel Cintra, ligado à Escola Politécnica e ao Museu do Ipiranga, dedicou-se longamente ao tema e o esclareceu recentemente.
A proclamação não se deu na Casa do Grito, tampouco na área ocupada pelo Monumento à Independência, pontos conhecidos da região. Ocorreu, diz Cintra, onde é hoje a ala esquerda do parque da Independência para quem se posiciona de frente para o museu, entre a Casa do Grito e a rua dos Patriotas (número 2 no mapa abaixo). Não há nada ali além de árvores.
A busca pelo ponto exato ao longo de 200 anos é uma saga salpicada de descuidos, com dois capítulos principais, como ele registrou em suas pesquisas.
O primeiro começa em setembro de 1825. Os vereadores de São Paulo realizaram uma sessão no terreno onde houve o grito e levaram Canto e Melo e outras testemunhas do episódio para indicar o ponto com precisão. Uma baliza foi fincada no local.
No entanto, 40 dias depois, houve uma trapalhada, por razões que se desconhece. Uma pedra, com a função de marco histórico, foi colocada cerca de 200 m ao sul do lugar correto. Especialistas passaram a considerar esse trecho, onde hoje é o jardim francês, como o certo. Artistas, como o aquarelista Alípio Dutra, tomaram como base a marcação errada.
O segundo capítulo começa nos anos iniciais do século 20. O alemão Hermann von Ihering, primeiro diretor do Museu do Ipiranga, que havia sido inaugurado em 1895, coordenou novas pesquisas sobre a localização, que detectaram a falha. Von Ihering determinou, então, a instalação de um mastro de madeira no ponto certo.
Parecia, enfim, a correção definitiva de um erro histórico. Porém, houve uma grande remodelação na região do parque de 1920 a 1922, por conta do centenário da Independência, e as obras removeram o marco colocado ali duas décadas antes. Nada foi posto no lugar.
A partir de então, os estudos sobre essa localização foram deixados de lado. Não há registro, segundo Cintra, de análises detalhadas a respeito do tema depois de 1922. Com essa lacuna, prevaleceram indicações mais vagas ou, na pior das hipóteses, novos erros.
Livros de história costumam dizer apenas que o grito aconteceu "às margens do Ipiranga" —não existe erro nessa afirmação, evidentemente, mas certamente não satisfaz os mais curiosos por detalhes históricos.
Para alguns especialistas, o ponto exato é desconhecido. Outros indicam o local, mas são imprecisos.
No "Dicionário da Independência", o historiador e jornalista Eduardo Bueno, o Peninha, escreveu que o Monumento à Independência "está localizado no exato lugar em que D. Pedro teria erguido sua espada para tornar o Brasil independente". O monumento, na verdade, fica cerca de 300 m ao sul do ponto correto.
Em reportagem de 2011, a Folha cometeu o mesmo erro.
Para chegar a essa nova conclusão, Cintra não considerou a tela de Pedro Américo, que, como se sabe, não prima pelo realismo, a começar pelos belos cavalos no lugar das mulas.
Baseou-se na ata da sessão da Câmara de setembro de 1825. O documento diz, entre outras coisas, que o ponto estava situado a 184 braças da cabeceira da ponte sobre o riacho do Ipiranga. Braça, medida usada na época, equivale a 2,2 m. Ou seja, era uma distância de 404,8 m.
Além disso, o pesquisador confrontou mapas antigos em programas de cartografia digital e, quando estava no terreno, guiou-se pelo GPS.
Boa parte das descobertas dele sobre a viagem do regente de Santos para São Paulo estará em uma das exposições do museu, que deve reabrir para o público em 8 de setembro.
Cintra entregou seu estudo ao secretário municipal do Verde e do Meio Ambiente, Eduardo de Castro, que administra o parque da Independência. Sugeriu a ele que instalasse um monumento no local. O material está sob avaliação, diz a assessoria da pasta.
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