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Com Nunes, Prefeitura de SP tem gasto recorde com contratação de obras emergenciais

Gestão já empenhou até julho R$ 760 mi em reparos que dispensam licitação, sob alegação de riscos para população e necessidade de celeridade

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São Paulo

A Prefeitura de São Paulo empenhou ao menos R$ 760 milhões em obras emergenciais até o fim de julho. Trata-se de montante recorde, muito superior ao reservado em anos anteriores, numa série que se inicia em 2011, e que indica que os gastos podem ultrapassar o primeiro bilhão até dezembro se mantido o ritmo atual. Em 2021 inteiro, por exemplo, foram R$ 224 milhões.

O levantamento aponta que muitas das obras contratadas sem licitação pela gestão Ricardo Nunes (MDB) são referentes a problemas instalados há anos na cidade. A comparação dos recursos empenhados (reservados para pagamento) foi feita com valores corrigidos pela inflação.

Um dos exemplos é a obra em córrego que cruza a avenida Júlio Buono, na Vila Penteado (zona norte), com reforma de ponte e construção de paredes de contenção nas margens. Moradores dizem que as quedas de barranco, transbordamentos e a precariedade da ponte persistiam havia décadas no local.

Pedestre caminha em ponte sobre córrego na avenida Júlio Buono, onde prefeitura fez obra contratada emergencialmente, sem licitação - Rivaldo Gomes/Folhapress

Outras obras foram contratadas emergencialmente para resolver problemas antigos no mesmo córrego. Uma delas fica poucos metros abaixo da Júlio Buono, na travessa Dança da Canoa, onde operários trabalhavam no início de agosto.

A prefeitura também aponta como emergencial a recuperação do viaduto que liga as avenidas Paulista e Doutor Arnaldo (na região central). Quem passa por lá nota como novos apenas os gradis metálicos e a mureta de concreto instalados para proteger a calçada estreita por onde raramente passa um pedestre, diante das opções mais seguras ao redor.

A administração municipal diz, porém, que a emergência surgiu ainda no ano passado, depois que a vistoria apontou "graves anomalias estruturais", com infiltrações, armaduras e cabos de protensão expostos, além de aparelhos de apoio avariados. Segundo a prefeitura, a estrutura corria "risco elevado de colapso".

Apesar desses fatores apontados à reportagem, o viaduto permaneceu aberto ao tráfego de milhares de veículos diariamente no período posterior à vistoria e durante as obras. Segundo a administração municipal, o "risco elevado de colapso" difere de "situações de iminente colapso", que demandariam interdição.

Professor de regulação econômica da FGV Direito, Mario Schapiro afirma que é preciso diferenciar as obras necessárias daquelas que são emergenciais e podem ser contratadas sem licitação. "Por que fazer obras importantes e necessárias dispensando licitação? Existe um rito", afirma.

Schapiro diz que as exceções previstas em lei para dispensar o processo de concorrência entre empresas são muito específicas. "[São] Fatos imprevisíveis que colocam o bem-estar da sociedade em risco", resume.

O professor cita outro problema relacionado às contratações emergenciais. "Se não há concorrência, o preço tende a ser mais alto. Tende a impactar a realização de outras obras igualmente importantes", diz.

Cientista político e especialista em gestão e políticas públicas, Marco Antonio Carvalho Teixeira afirma que o volume de obras emergenciais pode ser influenciado por fatores como as demandas de vereadores. "Outro fator, certamente, é demanda de segmentos. Obviamente, quando o governo trabalha com demandas segmentadas, ele deixa de ter noção do que é prioridade. Prioridade se discute no conjunto", afirma.

A contratação de obras emergenciais pela prefeitura neste ano possibilitou que empresas de mesmos sócios e até mesmos endereços obtivessem, juntas, mais de R$ 100 milhões empenhados em verbas públicas, sem licitação, até o fim de julho.

"Se fosse uma licitação, essas empresas não poderiam competir umas com as outras, porque têm os mesmos sócios", afirma Schapiro, da FGV. "Mas, de fato, como é uma contratação emergencial em que você já está dispensando licitação, elas não estão competindo no processo de escolha", observa.

Segundo o especialista, cabe ao TCM (Tribunal de Contas do Município) verificar a aplicação das verbas.

Não foram poucas as vezes em que a gestão de Ricardo Nunes fez críticas à atuação do TCM, que analisa editais das licitações antes da publicação. Em junho, por exemplo, o prefeito disse à Folha que "os órgãos de controle precisam ter uma ação que vá ao encontro da velocidade necessária para a nossa cidade", criticando a paralisação de obras para análise.

Questionado sobre a atuação em relação aos gastos recordes com obras emergenciais, o tribunal, por meio do gabinete do conselheiro Eduardo Tuma, explicou que, "diante do expressivo aumento das contratações emergenciais realizadas por Siurb [Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras] no biênio 2021/2022", uma auditoria está em andamento.

Viaduto que liga as avenidas Paulista e Doutor Arnaldo, na região central de São Paulo; segundo prefeitura, 'risco elevado de colapso' justificou obra emergencial - Rivaldo Gomes/Folhapress

Contratação emergencial é legítima, diz prefeitura

Procurada, a Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras diz considerar "subjetiva" a avaliação de que o valor de recursos públicos empenhados para obras emergenciais é elevado. "Tais obras são realizadas para garantir a manutenção da segurança da população, onde, em muitos casos, havia risco à vida dos paulistanos", afirmou.

"Por meio dessas ações, a Siurb pôde realizar a contenção de 5,6 mil metros de margens de córregos e mais de 800 metros de recomposição de galerias subterrâneas. Ao todo, 8 milhões de pessoas foram beneficiadas pelas ações da secretaria", diz a pasta em nota.

Segundo a secretaria, estudo realizado pela FGV em abril, que teve como tema as obras emergenciais da Siurb no campo da drenagem urbana, apontou os benefícios gerados à população por essas ações. "Houve redução entre 9% e 11% na intensidade das enchentes, redução de 66% nos casos de afogamentos nas ruas além de demonstrar que, embora não seja possível mensurar o valor de uma vida humana, o benefício social gerado pelos óbitos evitados é de R$ 2,25 bilhões", diz.

A Siurb diz que a contratação emergencial é um "ato legal e legítimo diante de situações que possam colocar os paulistanos em risco" e que não há diretriz alguma para aumentá-las, "mas, sim, situações que exigem intervenção rápida, devidamente justificadas tecnicamente, e seguem a legislação, normas e os princípios de transparência vigentes".

Segundo a secretaria, as obras são executadas conforme o Decreto nº 59.135, de 20 de dezembro de 2019, que regulamenta a contratação emergencial, "trazendo celeridade aos processos que necessitam de intervenção pública em casos de urgência e que coloquem em risco a segurança da população". A pasta diz também que as contratações são acompanhadas pelo TCM.

A Siurb também diz que não se paga mais caro e que os métodos de controle também não são menores na contratação de obras emergenciais.

"As obras são contratadas somente após análise dos relatórios elaborados pela Defesa Civil e pelos engenheiros da Siurb, que atestarão os riscos iminentes à vida da população ou de colapso das estruturas", diz.

A secretaria diz também que os prazos de licitação (até seis meses) poderiam colocar em risco a vida da população no período de chuvas e que, por isso, antecipou suas ações em relação a queda de encostas de córregos, solapamentos em vias da capital, recuperação estrutural de unidades escolares e da saúde, ações em pontes e viadutos e recomposição de galerias.

Segundo a Siurb, nos casos de dispensa de licitação por emergência, são contratadas as empresas com cadastro regular na pasta, "que comprovarem capacidade técnica, e que oferecerem o maior desconto sobre o serviço a serem executados".

A secretaria disse também que, durante o processo de contratação emergencial, nunca são acionadas, para uma mesma obra, empresas que tenham sócios em comum.

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