Trechos que mais parecem avenidas desafiam rodovia Raposo Tavares

Estrada centenária liga a cidade de São Paulo a Mato Grosso do Sul e alterna pontos densamente povoados e de trânsito pesado com longas retas sem movimento

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São Paulo

Sem a placa azul no alto, o motorista mais desavisado talvez não saiba que aquele subidão no fim da rua Reação, no Butantã, zona oeste da cidade de São Paulo, é o início de uma das rodovias mais importantes do estado, que liga a capital paulista a Mato Grosso do Sul.

Cem anos depois de começar a ganhar forma como estrada, a Raposo Tavares tem nos trechos densamente urbanizados, ao longo de 654 km de extensão, o seu maior desafio.

A rodovia SP-270, que alterna pistas simples, duplas e até triplas, se transforma em avenida com trânsito urbano pesado quando cruza boa parte das cerca de 40 cidades ao longo de seu percurso.

Homem caminha no acostamento na altura do km 18 da rodovia Raposo Tavares, próximo à cidade de São Paulo; aumentar segurança de trechos urbanos da estrada é desafio - Ronny Santos/Folhapress

"O traçado das cidades mudou muito desde que a rodovia foi idealizada pelo Washington Luís em 1922", afirma João Octaviano Machado Neto, secretário estadual de Logística e Transportes, sobre a determinação do então presidente do estado de São Paulo para a construção da estrada São Paulo-Paraná. O trecho entre São Paulo, Cotia e São Roque, com registro histórico de 26 de agosto de 1922, se tornaria a rodovia Raposo Tavares e que levaria o nome do bandeirante em 1954.

Até Vargem Grande Paulista, na região metropolitana, a rodovia é totalmente urbanizada e funciona como uma avenida que mistura caminhões rumo ao interior do estado e veículos de passeio. A paisagem muda a partir do pedágio no km 46, em São Roque (66 km de SP), e o cimento das construções dá lugar ao verde de vegetações.

Mas logo volta. Em Sorocaba (a 99 km de SP), o trecho urbano da Raposo está totalmente envolvido com a rodovia. Tanto que na década de 1960 foi aberta uma variante para tentar separar o trânsito da estrada do urbano.

"Só que a estrada fomenta a verticalização por causa da facilidade de acesso, onde se levantam cada vez mais torres", diz a arquiteta e urbanista Sandra Lanças, que estudou zoneamento e urbanização em trechos da Raposo Tavares na região de Sorocaba em seu doutorado na USP.

Em Presidente Prudente (a 558 km de SP), funcionários da concessionária Cart, uma das três que administram partes da rodovia, policiais militares rodoviários e agentes de trânsito do município se espalham nos horários de pico da manhã e do início de noite para controlar o fluxo nos 12 km de trecho urbano.

A Raposo Tavares tem quatro administrações

  • DER (governo) - do km 10 a 34

  • CCR ViaOeste (concessão) - do km 34 a 115,5

  • CCR SPVias (concessão) do km 115,5 até o km 168,21

  • DER (governo) do km 168,21 a 381,7

  • Cart (concessão) do km 381,7 ao 654

"Só este trecho urbano representa 2% de todo o corredor Cart", afirma Marco Lanuti, coordenador de operações da concessionária.

Segundo ele, a estrutura montada no horário de pico permite que um veículo seja retirado do local rapidamente em caso de acidente, para não atrapalhar o fluxo da Raposo, e orienta motoristas a não dirigirem muito próximos de outros carros. Nesse trecho, a velocidade cai de 110 km/h para 90 km/h e há fiscalização com radares fixos e móveis, além de blizte da polícia rodoviária e campanhas educativas.

Sinalização, fiscalização e iluminação são pontos que o governo tem buscado reforçar nos locais urbanizados da Raposo para tentar reduzir número de acidentes, além de construção de marginais e duplicação, diz o secretário João Octaviano, admitindo dificuldade de se criar novas faixas exatamente por causa do leito da rodovia tomado por condomínios, comércios, escolas, indústrias, hospitais e prestadores de serviços.

O coordenador de operações Lanuti, que há 25 anos trabalha na Raposo, afirma que o trecho no oeste do estado era chamado de "rodovia da morte" antes de ser duplicado, por causa da colisão frontal, principalmente entre carros e caminhões que vinham de Mato Grosso do Sul e carros de passeio.

Segundo a Artesp (Agência de Transportes do Estado de São Paulo), atualmente há obras de duplicação na Raposo nos municípios de Mairinque, São Roque e Sorocaba, além da construção de dois dispositivos de acesso e retorno, nos km 50,3 e 54,3, com orçamento de R$ 277,9 milhões.

Marcelo Aparecido da Luz, 38, comprou na semana passada uma lanchonete praticamente em frente ao local onde será construído o novo retorno no km 50,3, em São Roque. "Isso deve diminuir o risco de acidentes, pois os carros cruzam a rodovia toda hora", afirma ele, que apesar do pouco tempo no local, percebeu motociclistas passarem em alta velocidade no fim de semana.

Vizinho da lanchonete, Paulo Vasconcelos, 58, tem há 14 anos uma loja de ração, que se desenvolveu com a Raposo. Entre seus clientes estão moradores do bairro Alto da Serra, que chegam à rodovia por meio de uma rua de terra, e motoristas que passam pela rodovia. "Em geral, ela [a estrada] é tranquila."

Por causa de trechos densamente urbanizados e sinuosos, com outros de longas retas de três faixas, a rodovia alterna limites de velocidade que vão de 60 km/h a 120 km/h. Em Assis (a 434 de SP), um sensor aciona luzes no acostamento para alertar motoristas que há veículo lento na pista.


Vídeo: Luzes piscam para alertar que há veículos lentos na Raposo Tavares


"Principalmente quando vai no sentido São Paulo, o motorista precisa tomar cuidado com os trechos cheios de curvas, que se tornam uma armadilha para quem vem em velocidade de cruzeiro", diz o engenheiro civil e mestre em transportes Creso de Franco Peixoto, professor das faculdades de engenharia civil e de arquitetura e urbanismo da Unicamp.

Além do corredor econômico que cruza o estado, o professor Peixoto lembra que a Raposo é rota turística. É por meio da rodovia que se chega ao Petar (Parque Estadual Turístico do Alto Ribeira), em Iporanga (303 km de SP), por exemplo.

No oeste do estado foi desenvolvido um projeto de incentivo a viagens curtas por destinos turísticos ao longo da Raposo ou de municípios próximos, o Turismo da Gente, que envolve mais de 30 cidades.

Na Câmara Municipal da Estância Turística de São Roque há a reprodução fotográfica de um quadro, de autoria desconhecida, que retrata a de Washington Luís na praça da Matriz para a inauguração da "Estrada de Rodagem". A pintura, de 1922, tem retratada a data de 26 de agosto.

O professor Peixoto lembra que a rodovia ainda passa por grandes áreas de mananciais, em outra herança de bandeirantes abriram caminhos nos séculos passados, que ajudaram a ocupar cidades. Isso, além de fomentar desenvolvimento econômico e geração de energia elétrica, também incentiva turismo. "Existem muitas 'Raposos' dentro da rodovia", diz o secretário João Octaviano.

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