Descrição de chapéu Folhajus

Barroso aponta racismo estrutural e restabelece mandato do vereador Renato Freitas (PT)

Com a decisão, parlamentar retoma o cargo em Curitiba e poderá concorrer ao cargo de deputado estadual pelo Paraná

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São Paulo

O ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Luís Roberto Barroso restabeleceu em decisão proferida na noite de sexta-feira (23) o mandato do vereador Renato Freitas (PT), de Curitiba.

O parlamentar havia sido cassado sob acusação de quebra de decoro após participar de uma manifestação que invadiu a Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, em fevereiro. O ato protestava contra os assassinatos do congolês Moïse Mugenyi Kabagambe e de Durval Teófilo Filho.

O protesto começou em frente à igreja e, na época, a Arquidiocese de Curitiba afirmou que a missa havia sido abreviada pelo barulho e que fiéis haviam reclamado, fechando a porta principal. Manifestantes entraram pelas portas laterais e o ato continuou dentro do templo.

Homem negro de camiseta vermelha e máscara branca discursa em manifestação
Renato Freitas durante a manifestação em Curitiba - @renatofreitasvereador no Instagram

A manifestação suscitou denúncias de interrupção da missa e desrespeito ao sagrado, o que o vereador sempre negou, e levou a um processo de investigação na Câmara Municipal.

O vereador teve seu mandato cassado em 22 de junho, por 25 votos favoráveis, cinco contrários e duas abstenções, e foi substituído pela suplente Ana Julia Ribeiro (PT). A decisão, porém, foi suspensa pela Justiça por desrespeito ao processo legal de tramitação e ele reassumiu o posto.

Pouco tempo depois, no dia 5 de agosto, a Câmara votou novamente pela perda do mandato. Por 23 votos a 7, Freitas foi cassado pela segunda vez.

Na decisão desta sexta (23), o ministro Barroso afirmou que a Câmara Municipal de Curitiba não seguiu os 90 dias corridos para análise do caso, conforme o Decreto-Lei nº 201/1967. Ao contrário, adotou um regimento municipal que estabelece o prazo prorrogável de 90 dias úteis, usurpando uma competência legislativa da União, a quem cabe definir as normas de processo e julgamento dos crimes de responsabilidade. Com a sentença, Freitas poderá também manter sua candidatura ao cargo de deputado estadual pelo Paraná.

Procurada, a Câmara de Curitiba não respondeu até a publicação desta reportagem.

Na decisão, o ministro disse também que a questão ultrapassa a discussão dos limites éticos da conduta de Freitas. Para Barroso, o caso envolve o "debate sobre o grau de proteção conferido ao
exercício do direito à liberdade de expressão por parlamentar negro voltado justamente à defesa da igualdade racial e da superação da violência e da discriminação que sistematicamente afligem a população negra no Brasil".

Manifestantes em frente ao prédio da Câmara Municipal de Curitiba
No início de agosto, Renato Freitas (no centro, com o microfone) recebeu apoio de manifestantes em frente à Câmara de Curitiba - Mauren Luc/Folhapress

Citando o advogado Silvio de Almeida, colunista da Folha, o ministro afirmou que o rito aplicado ao processo de perda de mandato ocorreu no contexto de um país em que o racismo é estrutural, ou seja, é um elemento que integra a organização econômica e política da sociedade.

"Como fenômeno intrinsecamente relacionado às relações de poder e dominação, esse racismo estrutural não deixa de se manifestar no âmbito político. Não por acaso, o protesto pacífico em favor das vidas
negras feito pelo vereador reclamante dentro de igreja motivou a primeira cassação de mandato na história da Câmara Municipal de Curitiba. Não à toa, a população afrodescendente é sub-representada no
legislativo local: são apenas 3 vereadores negros em um universo de 38 parlamentares (em uma cidade em que 24% da população é negra)", diz Barroso.

O ministro mencionou ainda que a manifestação que motivou a cassação ocorreu na Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos de São Benedito, construída por negros escravos que não podiam frequentar as outras igrejas da cidade, e que a própria Arquidiocese de Curitiba, apesar de entender que houve excesso, posicionou-se contra a cassação, reconhecendo que a "movimentação contra o racismo é legítima, fundamenta-se no Evangelho e sempre encontrará o respaldo da Igreja".

Ele citou ainda a teoria do impacto desproporcional, em que procedimentos e normas pretensamente neutros podem produzir efeitos prejudiciais a grupos marginalizados.

"Por tudo isso, sem me pronunciar, de maneira definitiva, sobre o mérito da cassação do mandato em questão, é necessário deixar assentado que a quebra de decoro parlamentar não pode ser invocada para fragilizar a representação política de pessoas negras, tampouco para cercear manifestações legítimas de combate ao preconceito, à discriminação e à violência contra elas", escreve Barroso. Leia aqui a decisão na íntegra

Homem pensativo sentado em cadeira
Decisão foi proferida pelo ministro Luís Roberto Barroso - Carlos Moura/STF

Repercussão

Freitas, que está na Itália para um encontro com o papa Francisco, usou seu perfil no Twitter para compartilhar a sentença. "Fui definitivamente reconduzido ao cargo de vereador de Curitiba e agora sou, mais do que nunca, candidato a deputado estadual pelo Paraná. Bem-aventurados os que têm sede e fome de justiça. Eu tenho fé!", escreveu em um dos posts.

Para o advogado Edson Abdala, integrante da equipe de defesa do vereador, a decisão do ministro Barroso "recupera o status constitucional antirracismo estrutural".

Já em relação a possíveis prejuízos da cassação na campanha para a Assembleia Legislativa, ele diz que a equipe agora tem de se concentrar na mobilização para as eleições. "Naturalmente, algum prejuízo houve, mas nós acreditamos que ele será superado com essa decisão do STF pelas mãos do ministro Barroso".

Abdala e os advogados Antônio Carlos de Almeida Castro (o Kakay), Guilherme de Salles Gonçalves e Luiz Carlos da Rocha assinam uma carta que será entregue por Freitas ao papa.

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