Descrição de chapéu Exército privado

Empresa investigada por desvios de armas em SP funciona em 'bunker' do PCC

Unidade da qual 110 armas e equipamentos foram supostamente levados por criminosos fica, segundo a polícia, em favela dominada pela facção; defesa nega ligação

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São Paulo

A favela Caixa d’Água, na região de Cangaíba, extremo leste da capital paulista, pode ser, segundo a polícia, a única de São Paulo onde o PCC proíbe a venda de drogas em "biqueiras". Estratégia, acreditam os policiais, para mantê-los longe de um dos principais "bunkers" da facção, esconderijo de armas e de chefes do bando.

É junto a essa comunidade, berço de chefões do crime organizado, que, segundo a polícia, funciona uma empresa de segurança que, em 2019, registrou queixa de furto de 41 revólveres e espingardas, um dos maiores desvios de armas no estado dos últimos cincos anos, conforme dados obtidos pela Folha.

Para a polícia, porém, longe de ter sido um ataque dos vizinhos, há suspeitas de se tratar, na verdade, de um falso comunicado de crime para esconder o repasse ilegal do armamento. A investigação contra tal empresa, a SL Solução e Liderança, foi aberta em março deste ano —e teve início quase por acaso.

Policiais do 24º DP (Ponte Rasa), ao estranharem a existência de um veículo de luxo estacionado em rua próxima ao distrito, o que destoava do padrão dos carros que circulam naquela região pobre da cidade, decidiram pesquisar as placas do SUV.

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Fachada da empresa de segurança, na zona leste da capital paulista, que teve mais de cem armas extraviadas nos últimos anos e é investigada pela polícia - Rivaldo Gomes/Folhapress

Descobriram que o BMW X6 estava cadastrado em nome de uma distribuidora de produtos para animais, a Strong Dogs, com endereço junto à favela Caixa d’Água, o famoso reduto do PCC. Nessa favela, de acordo com relatório de investigação, nenhum comércio funciona sem autorização do crime.

"Ocorre que, após minutos procurando o condutor de referido veículo, o sr. Artur Monteiro se apresentou como proprietário do carro, não sabendo explicar de maneira convincente a relação dele com a empresa dona de direito do automóvel BMW", diz trecho de relatório de investigação enviado à Justiça.

Artur Monteiro Bortoletti Júnior, 52, descobriram os investigadores na sequência, é o principal sócio da SL Solução e Liderança, e estava na delegacia para dar explicações sobre outro desvio registrado pela empresa em 2011, quando 70 armas e equipamentos foram supostamente roubados por homens armados.

A pesquisa das placas do veículo levou a equipe do 24º DP a encontrar, segundo ela, um emaranhado de empresas ligadas a Bortoletti Júnior, em nome dele e de possíveis "laranjas", em um suposto esquema de lavagem de dinheiro e possível desvio de armas.

"Portanto, temos nessa investigação o trinômio empresas constituídas em nomes de terceiros, lavagem de dinheiro e armas ‘colocadas no mercado negro'", diz trecho do relatório de investigação da polícia.

Os advogados de Bortoletti afirmaram à Folha que, ao contrário do que afirma a polícia, ele não tem nenhuma ligação com o crime organizado e que a empresa dele foi, de fato, vítima de roubo e furto de armas.

Essas suspeitas da polícia ganharam corpo porque as equipes descobriram, primeiro, que a distribuidora de produtos para pets e a SL Solução e Liderança tinham o endereço na avenida Alfredo Ribeiro de Castro, junto à favela Caixa d’Água.

Em diligência até o local dessas empresas, elas souberam que o imóvel estava fechado havia tempos e com placas de "aluga-se" fixadas no portão. Na internet, porém, a SL continua colocando imagens do endereço da avenida Alfredo Ribeiro de Castro como sede da empresa.

Além do BMW X6, segundo investigação da polícia, a Strong Dogs possui ainda registrados em nome dela outros três veículos, incluindo um Ford Camaro amarelo. A frota é estimada em cerca de R$ 600 mil.

Incompatível, porém, com o padrão de vida dos donos da distribuidora de produtos para pets: dois comerciantes da cidade de Agudos (SP), a 313 km da capital paulista, moradores de conjunto habitacional e proprietários de um carrinho de lanches, conforme a investigação.

Ainda de acordo com a polícia, os dois comerciantes aparecem também como donos de outras duas empresas na capital, a Gab Vigilância e Segurança Patrimonial e a Gab Serviços de Profissionais de Segurança. Para a polícia, todas pertencem, de fato, a Bortoletti.

Em diligência nos endereços das empresas, ambas na avenida Cangaíba, na zona leste, os policiais não encontram ninguém. Nem funcionários ou identificação de atividades, como placas da empresa.

Reprodução de página da internet
Página da empresa de segurança SL; investigada pela polícia, ela mantém site com informações como se estivesse em atuação - Reprodução

Bortoletti disse aos policiais, no início das investigações, que ambos são parentes dele e lhe deram plenos poderes para administrar a distribuidora de artigos para pets e, também, usufruir dos veículos.

A versão não convenceu os investigadores.

Ainda de acordo com relatório policial, para justificar o patrimônio, o empresário chegou a dizer que a empresa de segurança dele tinha 30 mil funcionários espalhados pelo Brasil, mas pesquisas apontaram que nenhuma delas tinha empregados cadastrados nos órgãos oficiais.

"Verificamos que todo trâmite de abertura das empresas Strong Pet, Gab Vigilância e Segurança, Gab Serviços de Profissionais de Segurança foi realizado como forma de mascarar e ocultar o patrimônio de Artur Monteiro, tudo com intuito de burlar a legislação penal e tributária", diz relatório policial.

Procurada para comentar o suposto desvio de armas das empresas ligadas a Bortoletti e também a situação delas, a Polícia Federal diz que não informa "nome de pessoas ou empresas investigadas" por ela.

A Folha procurou Luís Eduardo Oliveira, 48, e Márcia Patrícia Oliveira, 44, os supostos parentes de Bortoletti, mas eles não responderam aos recados deixados. A reportagem tentou contato por meio de oito números de telefones (entre fixos e celulares) e email.

A reportagem também tentou contato diretamente com Bortoletti, mas não conseguiu localizá-lo pelos telefones ou emails ligados à SL. A informação é que não existem mais. Os celulares registrados no nome dele também não responderam às mensagens enviadas.

Para os advogados de Bortoletti, em resposta à Folha, as supostas lavagem de dinheiro e/ou ocultação de bens só poderiam ser investigadas pela Polícia Civil caso tivessem um crime precedente, o que não é o caso.

Bortoletti tem registros de ameaça e apropriação indébita de veículos que, ainda segundo a defesa, não têm ligação com o caso investigado pela polícia.

Sobre o fato de a polícia não ter encontrado ninguém nas sedes das empresas, a defesa disse que, na sede da avenida Cangaíba, Bortoletti estava por lá no dia da diligência, mas ficou com receio de abrir a porta devido ao comportamento dos policiais na apreensão do BMW em março. Teriam sido muito agressivos, dizem os advogados.

Quanto à sede na avenida Alfredo Ribeiro de Castro, a defesa disse que a empresa continua em funcionamento no local, embora com placa de "aluga-se". Como trabalha apenas com escolta armada, muitas vezes as viagens são longas e a sede fica vazia, justificam os advogados.

Sobre os bens do cliente, supostamente registrados em nome da empresa de artigos para pets dos parentes, a defesa afirmou que isso será explicado em momento oportuno. Já em relação à página da SL na internet, os advogados afirmam que ela está desatualizada desde 2014 e representa outros tempos da empresa.

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