Ministro 'da boiada', Salles teve votos em bairros ricos e arborizados de São Paulo

Para cientista política, relação com eleitores não passa por questões ambientais; futuro deputado federal fala em 'valores conservadores'

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São Paulo

Eleitores de grande parte dos bairros mais ricos e arborizados da capital paulista votaram de forma expressiva no ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL), o quarto no ranking dos deputados federais por São Paulo, com 640 mil votos.

Salles deixou o governo de Jair Bolsonaro (PL) em junho de 2021, depois de se tornar alvo de inquérito no STF (Supremo Tribunal Federal) em operação da Polícia Federal que investiga o favorecimento a empresários do setor de madeiras. Além disso, também ganhou fama ao falar durante uma reunião ministerial sobre afrouxar as regras ambientais durante a pandemia para "passar a boiada".

Ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL)  gesticula com as duas mãos enquanto fala
O ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL), que foi o quarto deputado federal por São Paulo mais votado, com 640 mil - Eduardo Knapp - 12.ago.22/Folhapress

"Precisa ter um esforço nosso aqui, enquanto estamos nesse momento de tranquilidade no aspecto de cobertura de imprensa, porque só fala de Covid, e ir passando a boiada e mudando todo o regramento e simplificando", disse na ocasião. "De Iphan, de Ministério da Agricultura, de Ministério de Meio Ambiente, de ministério disso, de ministério daquilo. Agora é hora de unir esforços para dar de baciada a simplificação de regulatório que nós precisamos, em todos os aspectos", afirmou a seus colegas e ao presidente.

Procurado, Salles não respondeu aos questionamentos sobre fatos ocorridos durante sua gestão.

Um ano depois, lugares como Campo Belo, Itaim Bibi, Jardim Paulista, Moema e Morumbi, nas zonas sul e oeste da capital paulista, foram celeiros de votos para Salles. Todos são bairros caracterizados pela alta concentração de renda e pelos melhores indicadores socioeconômicos da cidade.

O ex-ministro terminou em primeiro lugar em 65 locais de votação da capital, a maioria formada por colégios particulares tradicionais. Em dez desses pontos, ele chegou a ter mais de 10% dos votos nominais para deputado federal. Foi o mais votado, por exemplo, no Clube Atlético Paulistano, frequentado por ele próprio, com 11,4% —uma enxurrada em uma eleição para o Legislativo, onde a votação tende a ser pulverizada.

É do Paulistano que o engenheiro Carlos Pascual, 61, conhece Salles. "É de centro-direita, comungo das ideias dele", diz o eleitor.

Pascual conta que trabalhou com agropecuária e que defende "fiscalização boa" contra desmatamento ilegal, mas afirma que, por outro lado, existe desmatamento legalizado, que, na sua visão, deve ser permitido. "Hoje em dia existe uma seita. Propaganda enorme sobre desmatamentos absurdos, [mas] já ocorreram maiores no passado. A gente tem muita dificuldade com essa parte."

Sobre a reunião do "passar a boiada", conta que o ex-ministro não usou uma "maneira adequada" para se expressar. "Muita gente ali falou bobagem. A maneira, o linguajar chulo", opina o engenheiro, que disse ter votado também em Jair Bolsonaro.

Da reunião "da boiada" a designer de interiores Miriam Botelho, 45, diz que não se recorda. Mas afirma que acompanha Salles por redes sociais e votou nele por julgá-lo inteligente. "É o que me atrai nas pessoas. A maneira como elas se manifestam, se têm consistência. Para mim, ele tem um bom plano, uma boa manifestação e uma boa visão da realidade, sem deturpação."

O servidor público federal Rogério de Souza Loureiro, 50, afirma que seu voto em Salles vai além da forma como o novo deputado eleito defende suas ideias. "O Brasil foi muito para o lado do 'proibir tudo', de que ninguém encosta na floresta, e a gente está deixando de explorar riquezas que são essenciais para o nosso país de maneira sustentável", diz.

O ex-ministro de Bolsonaro recebeu apoio financeiro de grandes empresários como José Salim Mattar Júnior, ex-presidente do conselho de administração da Localiza, Marcos Ermírio de Moraes, herdeiro do Grupo Votorantim, Marcelo Campos Ometto, da São Martinho, Antonio Eduardo Toniello, da Copercana, Helio Seibel, da Dexco, e Gastão de Souza Mesquita, da Companhia Melhoramentos Norte do Paraná. Eles constam nas prestações de contas ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral) como principais doadores da campanha de Salles, com valores entre R$ 100 mil e R$ 250 mil cada um.

De forma geral, as empresas com as quais eles são ou foram ligados afirmam que as doações acontecem em caráter pessoal, não representando uma posição das pessoas jurídicas. A assessoria de Salim Mattar Júnior foi procurada, mas não retornou até a publicação. O mesmo aconteceu com Mesquita.

Apesar da votação expressiva, Salles está longe de ser uma unanimidade entre eleitores de bairros ricos de São Paulo. Uma das pessoas abordadas pela reportagem na avenida Brigadeiro Faria Lima disse ser "ofensivo" perguntar se votou nele. "Deus me livre" também foi outra expressão comum entre os moradores.

Em Moema, a fonoaudióloga Joice Moura de Campos, 28, é uma das que se contrapõem ao ex-ministro mas diz que não se surpreende com a votação de Salles no bairro. Ela conta que chegou a pensar que o próprio Bolsonaro ganharia no primeiro turno. "É sufocante. Perto da minha casa, estava um inferno no domingo de manhã, todo mundo de verde e amarelo, camisa do Bolsonaro."

Em 2018, Salles também havia se candidato a deputado federal por São Paulo —na ocasião pelo partido Novo—, mas obteve apenas 36 mil votos e não conseguiu se eleger. Ele comandou o Ministério do Meio Ambiente entre janeiro de 2019 e junho do ano passado.

Sobre o perfil de seus eleitores, Salles afirmou à Folha que "são homens e mulheres de bem, que valorizam a pauta econômica liberal, os valores conservadores da família, das liberdades individuais e de um desenvolvimento econômico sustentável e racional". "Quem não concorda vota em outro", completou.

Professor titular do Instituto de Energia e Ambiente da USP, Pedro Cortes diz que o ex-ministro tem uma grande facilidade de comunicação, até pelo fato de ser advogado. "Consegue articular de forma direta as ideias que defende. No entanto, a pauta que coloca é muito defasada em termos de aproveitamento racional da Amazônia", afirma.

Sobre o fato de grandes empresários terem feito doações para a campanha de Salles, o professor da USP lembra que aquilo que o ex-ministro defende "não é abarcado pelas práticas ESG (governança ambiental, social e corporativa)".

Professora da PUC-SP, a cientista política Vera Lúcia Chaia lembra que Ricardo Salles se envolveu diretamente em campanhas da última década contra o PT e os ex-presidentes Dilma Rousseff e Luiz Inácio Lula da Silva —foi fundador do movimento Endireita Brasil—, por isso é bastante próximo e conhecido dessa parcela do eleitorado.

"Ele continuou na mídia de forma geral. Ele é comentarista da Jovem Pan, o canal mais ligado às posturas bolsonaristas. Ele tem presença constante", afirma.

Segundo a cientista política, a relação de Salles com seus eleitores não passa por questões ambientais. "É muito mais um voto de elite mesmo. Ele já tinha uma plataforma política preparada antes de ser ministro, totalmente ligada aos setores mais ricos da população."

Levantamento realizado pela Rede Social Brasileira por Cidades Justas e Sustentáveis, com base em dados da administração municipal de 2017, aponta que bairros que deram o primeiro lugar a Salles estão entre os dez mais com maior arborização viária, em uma lista com os 96 distritos da capital. A exceção é o Jardim Paulista (23º colocado, mas, mesmo assim, com verdadeiros bolsões de verde em seu território, como a área do Jardim Europa).

O projeto Planeta em Transe é apoiado pela Open Society Foundations.

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